segunda-feira, 23 de julho de 2018

Sustentabilidade versus reivindicações salariais e congéneres


O Ministro das Finanças deixou hoje, dia 23, aviso aos partidos da maioria parlamentar que apoia o Governo no Parlamento no atinente à contabilização do tempo de serviço dos professores ou a aumentos salariais na função pública, aduzindo três coisas: tais medidas não constam no programa de Governo; a sustentabilidade do OE2019 não pode ser posta em causa; e o “OE é para todos”.
Certamente há mais coisas que o Programa do XXI Governo não contempla e se fazem. Porque a sustentabilidade orçamental não pode ser posta a em causa é que os professores, exigindo a contagem integral do tempo de serviço (9 anos, 4 meses e 2 dias), aceitam o faseamento por tempo bem prolongado. Que o OE é para todos já o sabíamos. Que Centeno seja bom em contas percebe-se; que ouse tentar a dar lições de moral ou de equidade, não, muito obrigado!  
Em entrevista ao Público (acesso condicionado), Centeno tem o desplante de afirmar que o “OE é um exercício complexo e para todos os portugueses” e não para uma classe profissional – a dos professores. Diz o governante:
Temos, em nome de todos os portugueses, de propor um Orçamento que seja sustentável, que olhe para o futuro e mostre a continuação do caminho que temos vindo a seguir até aqui. Ninguém iria entender que não fizéssemos exatamente isto e, portanto, não gostaria de singularizar num só tópico. Temos um orçamento, repito, que é para todos os portugueses e que tem de ser sustentável.”.
O Ministro esquece, como outros esqueceram, que, tal como dizia Dom António Ferreira Gomes, na famosa carta a Salazar, o pior é pensar-se que se pode realizar qualquer política social com qualquer política económica, que se pode erguer qualquer política económica com qualquer política financeira”; e que “as finanças são o primeiro servidor”, não podendo ser, “senão excecional e transitoriamente, o senhor da nação”. E já estamos na ditadura do Ministério das Finanças há 90 anos, desde o senhor de Santa Cruz do Vimieiro!
Ainda na entrevista ao Público, Centeno socorre-se das sondagens feitas para mostrar a importância dada pelos portugueses à sustentabilidade orçamental. Diz o Ministro:
As sondagens que têm sido feitas sobre estas matérias mostram a importância que os portugueses dão à questão da sustentabilidade e esse é para mim um ativo insubstituível e que temos de saber traduzir nas decisões que tomamos. Não é possível pôr em causa a sustentabilidade de algo que afeta a todos, só por causa de um assunto específico.”.
Ainda sobre a polémica dos professores, Centeno frisa que “este Governo tomou muitas decisões [Quais?] com incidência sobre a carreira dos professores e a primeira foi assumir a contagem do tempo com o descongelamento”. E repete o já alegadamente sabido como certo:
A dinâmica da carreira dos professores e das regras estabelecidas significa que, ao longo deste ano, 46 mil professores vão progredir e embora esse impacto financeiro seja desfasado este ano é de 37 milhões de euros. O OE para 2019 terá uma verba adicional de 107 milhões de euros para fazer face às progressões. Esta aceleração não tem paralelo nas outras carreiras da Administração Pública.”.
Para Centeno é preciso não esquecer: 
Este Governo é o primeiro, em muitos anos, que respeita na íntegra o estatuto da carreira docente e que tem feito um esforço enorme no aumento do número de docentes.
É caso para perguntar o que significa descongelamento se não é para contar o tempo de serviço ou se é admissível descongelar a carne ou o peixe e não os cozinhar e comer.
É também de questionar Centeno se está apostado em seguir um rumo de governação ou se quer governar com base em sondagens ou, ainda, se estas são encomendadas juntamente com a propaganda intoxicante da opinião pública a cargo dos fãs do poder estabelecido e da parte da oposição que integra o centrão.
Também, esta segunda-feira, o Correio da Manhã dá conta da vontade de Centeno em travar as carreiras na Função Pública. Além da falta de dinheiro, o Governo receia que a cedência aos professores e, posteriormente, às outras 16 carreiras, prejudique os funcionários públicos das carreiras gerais. Isto quer dizer que o Governo está com receio da reação à golpada negativa que infligiu sobre os trabalhadores da Administração Pública e não sabe gerir a equidade tendo em conta o geral e as especificidades. Todavia, certamente não vai aproximar os professores das altas patentes militares nem dos juízes conselheiros…
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Os professores não gostaram e responderam. Em declarações à TSF, os professores dizem que o último Orçamento de Estado deste Governo não pode ignorar as reivindicações dos professores.
Assim, a FNE (Federação Nacional dos Professores) sustenta que os professores estão prontos para negociar, mas não prescindem dos direitos. João Dias da Silva, secretário-geral da FNE, adianta à Rádio Renascença que “todos temos consciência de que não é possível que essa recuperação seja feita de uma só vez em 2019”. De facto, “recuperar todo o tempo de serviço que esteve congelado para todos os trabalhadores apenas em 2019 seria incomportável em termos de finanças públicas”. Por isso, deve ser “feita de um modo faseado”, sendo que as organizações sindicais manifestam a disponibilidade para que “a recuperação possa ser feita durante um tempo longo que, da parte da FNE, foi já estabelecido que poderia mesmo ultrapassar a próxima legislatura”. E Dias da Silva diz que a recuperação total dos anos de serviço deve ser estendida a todas as profissões, já que os professores não são caso único.
João Dias da Silva adverte, assim, Mário Centeno, quanto à “injustiça” que seria se o Orçamento de Estado de 2019 propusesse uma solução de reposição sem fazer contas aos anos em que os trabalhadores não viram progressão nas suas carreiras. Por outro lado, sustenta que os pressupostos que os professores e a tutela defendem são os mesmos:
É num quadro de sustentabilidade orçamental que esta recuperação tem de ser garantida, porque esta recuperação é um direito dos trabalhadores que também não pode ser posta em causa”.
Do lado da Fenprof (Federação Nacional dos Professores), o secretário-geral Mário Nogueira considera que as declarações do Ministro das Finanças são “inaceitáveis”, constituindo “quase uma provocação”. E um governante, seja ele qual for, “tem de ter mais respeito por quem trabalha, neste caso pelos professores”. E Nogueira reforça:
O OE serve para servir o Estado português e os portugueses; e os professores são trabalhadores profissionais cuja vida é preparar o país, preparar os nossos jovens, as futuras gerações do nosso país”.
Nogueira, destacando que os professores querem contas sustentáveis e que entendem que os nove anos, quatro meses e dois dias poderão ser recuperados ao longo de um período de tempo até 2023, declarou:
Se aquela é a posição do Ministro das Finanças, é a sua posição; mas, se aquela é a posição do Governo, e precisamos de saber, é inaceitável e desrespeita o compromisso que o Governo tem com os professores”.
Para Nogueira, o que “não é aceitável é que o Governo pretenda apagar parte de um período de tempo que foi cumprido nas escolas a trabalhar de uma forma que hoje é reconhecida como tendo sido importante para a remoção do insucesso escolar no país”.
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José Abraão, dirigente da FESAP (Federação de Sindicatos da Administração Pública), aos microfones da TSF, frisando que o Ministro não pode dar mais atenção aos números que às pessoas, disse:
Estamos de acordo que não se pode pôr em risco o que foi conseguido, mas é preciso ter presente que os trabalhadores da Administração Pública, em matéria de despesas com o pessoal, estam em valores de 1989.
E à RTP 3 José Abraão foi ainda mais longe ao dizer que “o senhor Ministro das Finanças há de refletir sobre a questão” e ao reclamar uma aposta mais robusta na “garantia da qualidade dos serviços públicos”, que “é fundamental”. Com efeito, como disse, “não há necessidade de assustar as pessoas a dizer que vem aí o papão”, pois “não há papão nenhum”. E garantiu haver capacidade para ir mais longe e para reforçar a “negociação coletiva”.
Já Ana Avoila, dirigente da Frente Comum, exigiu, em declarações à TSF, que o Ministro dê resposta às reivindicações dos sindicatos no próximo Orçamento do Estado. E frisou:
Este Governo não pode ir por uma linha política em que ano após ano anda com o argumento de que ‘não se pode’. Não se pode, mas pode-se para muitos.”.
E ironizou:
Vem um ministro, quase na véspera do Orçamento, para criar um clima psicológico, dizer ‘mantenham-se lá calmos’.”.
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As declarações do Ministro das Finanças parecem uma resposta aos partidos de esquerda que, ainda este fim de semana, apertaram o cerco ao Executivo. O pontapé de saída foi dado por Catarina Martins, em Amarante. A líder BE chegou a pedir a intervenção direta do Primeiro-Ministro e exigiu do Governo o cumprimento da lei. E recordou que o OE aprovado pelos bloquistas dizia que as carreiras iam ser descongeladas para todas as profissões: O BE “aprovou um OE que dizia que as carreiras iam ser descongeladas para todas as profissões, incluindo para os professores, contando o tempo de serviço e que, depois, seriam negociados os prazos de como eram descongeladas, por causa do impacto orçamental”.
No domingo, fonte oficial do PCP disse à Lusa que “o que esta situação revela é, sobretudo, resultado do protelamento pelo Governo da resposta devida aos professores quanto à contagem do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira”. E, tal como o BE, também o PCP adianta: “o que se exige é que o Governo cumpra o que a Lei do Orçamento de Estado para 2018 dispõe sobre a matéria”.
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Em termos dos seus avisos à navegação, Mário Centeno abrange a todos.
Dos professores aos pensionistas, Centeno considera que, acima de tudo, o próximo Orçamento do Estado deve ser sustentável, não colocando em causa o caminho que já foi feito.
Nesse sentido, na predita entrevista ao Público (acesso condicionado), o governante não cede em relação à contabilização do tempo de serviço dos professores nem aos aumentos da Função Pública. Mais: não se compromete com um aumento extraordinário das pensões e deixa claro que é contra a possibilidade de se cortar o ISP, face ao aumento do preço do petróleo.
Quanto ao investimento, a expectativa é a de continuar a crescer acima do PIB, em 2019 – uma das matérias em que o Governo tem sido mais criticado, tendo-se chegado ao ponto de acusar, diversas vezes, o Executivo de comprometer esta rubrica do Orçamento com a concretização das metas do défice, sendo que, nesse capítulo, no próximo ano, o Governo continuará a confiar nas cativações para controlar a despesa pública.
No respeitante à Saúde, adianta pouco: diz que, em 3 anos, reforçou o orçamento do setor em 700 milhões – “muito dinheiro” (um crescimento entre 8% a 9% do orçamento da saúde), diz – e que a sua melhoria está bem encaminhada. E corremos o risco de, como em 2016 e 2017, a despesa realizada vir a ser superior à orçamentada.
Questionado sobre as denúncias sobre a falta de condições e investimento no setor, Centeno disse “não ser possível que, num sistema que tem dezenas, centenas de serviços dispersos, no caso da Saúde a funcionar 24 horas”, se possa ter “a presunção de dizer que não há situações que não devam ser acomodadas”. E revela que alguns “estudos de opinião têm demonstrado que a esmagadora maioria dos portugueses está satisfeita e considera que o SNS (Serviço nacional de Saúde) é suficiente, bom ou muito bom”.
Ainda sobre o setor da saúde e no que diz respeito à base de dados da administração pública, Centeno adiantou que o concurso já foi concluído, a escolha da empresa foi feita e vai ser implementada, sendo a expectativa de que seja até ao fim do ano.
Sobre a contabilização do tempo de serviço dos professores, o político lembra que, pelo menos, uma parte do período do congelamento será tido em conta, mas reforça que essa contagem será feita “num contexto negocial, tendo em conta a compatibilização com os recursos disponíveis”.
Em relação aos aumentos salariais na Função Pública, Centeno recusa assumir compromissos e realça que a medida não está no programa do Governo. Embora admita que o OE19 não está fechado, realça que, antes de mais, é precisa uma estratégia em prol da sustentabilidade do país. Nesse sentido, diz esperar que, este ano, as despesas com pessoal no setor fiquem “em linha com o que estava projetado”. E, no próximo ano, o “custo do descongelamento só por si duplica o seu valor, passa de 200 para muito próximo de 400 milhões de euros”.
Enquanto António Costa assumiu que, no próximo ano, 95% dos pensionistas terão aumentos (não se sabe se é efeito da atualização ou se é um aumento extra), o Ministro das Finanças diz que não há compromisso esse aumento extraordinário e salienta que “a alteração da fórmula da atualização em causa “ – isto é, de modo a “abranger uma fatia significativa dos pensionistas” – é a “grande conquista” desta legislatura.
Para Centeno, a novidade na área dos impostos será a entrada em vigor da 2.ª fase da alteração dos escalões do IRS. De acordo com o Ministro, essa medida terá um custo de 155 milhões de euros. Recorde-se que este ano, o número de escalões aumentou de cinco para sete, medida que beneficiou 1,6 milhões de agregados familiares, segundo o Executivo. O segundo e o terceiro escalões foram desdobrados, reduzindo-se a taxa a aplicar nos limiares inferiores.
No Parlamento, PCP, BE e PS juntaram-se para rejeitar o corte do adicional do ISP (Imposto sobre os Produtos Petrolíferos). E Centeno afasta a ideia de o Governo propor tal eliminação pelo OE, pois não se deve cortar a taxa só porque o preço do petróleo está mais alto. Para o Ministro, “não é assim que se faz política orçamental”.
Depois de ter deixado o recado de que não irá pôr em causa a consolidação orçamental em prol de “medidas avulsas”, Centeno volta ao aviso aos parceiros que apoiam o Governo no Parlamento: Há sempre muita ambição e quando a ambição vai além das nossas capacidades, muitas vezes falhamos”. O Ministro considera que “cada Orçamento tem o seu significado” e reforça que, neste caso, é a sustentabilidade o ativo mais importante. 
E, sobre se as cativações vão ser inferiores, Centeno diz que o objetivo é “cumprir o défice, que os serviços públicos funcionem e que haja verbas ao longo de todo o ano”. E avisa:
O pior erro que um Ministro das Finanças pode cometer é comprometer o mesmo euro duas vezes. E infelizmente, Portugal tem uma longa história de comprometer o mesmo euro duas vezes. Não podemos voltar a esse tempo.”.
Entretanto, Costa diz ao The New York Times, que provou ser possível uma “alternativa” à austeridade, mas que o país ainda não passou do lado oculto para o lado brilhante da Lua!
2018.07.23 – Louro de Carvalho

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