quinta-feira, 12 de julho de 2018

Cardeal Tauran, o homem que anunciou Francisco Urbi et Orbi


Ocorreu, no Altar da Basílica de São Pedro, nesta quinta-feira, 12 de julho, às 10,45 horas, a celebração das exéquias por alma e em memória do Cardeal Jean-Louis Tauran, Titular da diaconia de Santo Apolinário nas Termas Neronianas-Alexandrinas. A Liturgia decorreu sob a presidência do cardeal Angelo Sodano, Decano do Colégio Cardinalício, junto com os cardeais, arcebispos e bispos. Além da presença do Papa, também foi notada a presença de Geneviève Dubert, irmã do cardeal, à qual o Pontífice enviou um telegrama de condolências há alguns dias.
No final da celebração eucarística, o Papa Francisco presidiu ao rito da Ultima Commendatio e da Valedictio.
O camerlengo da Santa Igreja Romana e presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religiosoícone da promoção do diálogo, que tinha completado 75 anos em abril, faleceu em 5 de Julho em Hartford, nos Estados Unidos, após longa doença. Será sepultado na basílica de Santo Apolinário nas Termas neronianas-Alexandrinas, da qual era titular.
Ao recordar o “inesquecível” cardeal francês, Angelo Sodano disse “foi um irmão” que serviu “corajosamente a Santa Igreja de Cristo”, apesar do “peso da sua doença”.
“No Evangelho, Jesus – explicou Sodano, como refere o Vatican News – recordou-nos quais são as verdadeiras bem-aventuranças do cristão”. Na verdade, “é comovedor ouvir-lhe proclamar estas bem-aventuranças na nossa Igreja: Bem-aventurados os pobres de espírito. Bem-aventurados os mansos, bem-aventurados os puros de coração, bem-aventurados os que promovem a paz”.
E o presidente da Liturgia, frisando que foi “testemunha por muitos anos do grande espírito apostólico do cardeal Tauran”, enfatizou que “são bem-aventuranças que iluminaram toda a vida” do eminente purpurado “como estrelas luminosas no seu caminho”.
Mais o Decano do Sacro Colégio Cardinalício evidenciou que o cardeal Tauran era “uma grande figura” de sacerdote, bispo e cardeal, que “dedicou, como muitos, a sua vida ao serviço da Santa Sé, da Igreja e nos últimos anos particularmente ao diálogo com todos os homens de boa vontade”. Desta maneira, seguiu a linha traçada pelo Concílio Ecuménico Vaticano II no compromisso – segundo a Gaudium et spes – da fraternidade universal (com efeito, todos somos irmãos), a qual nos leva à consciência clara de que, “chamados pela mesma vocação humana e divina”, podemos e devemos cooperar pacificamente, “sem violência, nem engano” na edificação “do mundo na verdadeira paz”.
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Para recordar o cardeal Tauran, o Cardeal espanhol Santos Abril y Castelló, ligado por uma profunda amizade com o cardeal francês, aceitou ser entrevistado por Hélène Destombes, do que se registam as seguintes palavras:
A minha recordação do cardeal Tauran é verdadeiramente uma recordação de amizade e lamentação pelo facto de ele nos ter deixado. Ultimamente, eu via-o evidentemente enfraquecido. Mas mesmo neste período, ele colocava o seu dever em primeiro lugar: o de procurar aproximar as posições com o mundo das outras religiões, especialmente com o Islão. E ele fazia isso com um grande sentido de respeito para com todos, de grande competência e com uma grande capacidade de diálogo, de propor possíveis soluções. Ele fez tudo isso também com grande sacrifício, porque a sua saúde era muito fraca nos últimos tempos: ele percebia que não estava nas condições ideais para continuar o magnífico trabalho que estava fazendo para a Igreja.”.
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É abundante e polifacetada a folha de valorização e serviço que transparece da sua biografia como se pode ver pelo Observador on line, a 6 de julho, e pela  Wikipédia – enciclopédia livre.
O Cardeal Jean-Louis Pierre Tauran, que em 13 de março de 2013, foi encarregado, por ser o cardeal protonotário, de vir à varanda principal da Basílica de São Pedro proclamar o pregão “Annuntio vobis gaudium magnum, Habemus Papam” e dizer, a seguir, o nome do Cardeal Mario Georgio Bergoglio, que assumiu o nome papal de Francisco, nasceu em Bordéus, a 5 de abril de 1943, era o presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso e camerlengo da Câmara Apostólica.
O seu nome de batismo é Louis-Pierre e o prenome é Jean. Recebeu o sacramento da confirmação em 5 de junho de 1955, das mãos de Paul-Marie-André Ricchau, Arcebispo de Paris e futuro cardeal.
Estudou na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma, onde se licenciou em Filosofia e Teologia e se doutorou, em 1973, em Direito Canónico, e no Instituto Católico de Toulouse. Também estudou na Pontifícia Academia Eclesiástica, em Roma. Além do francês como língua materna, falava correntemente espanhol, inglês e italiano.
Ordenado presbítero, aos 26 anos, em 20 de setembro de 1969, em Bordéus, pelo Arcebispo de Bordéus Marius Maziers – não sem antes ter sido professor num colégio do Líbano, aos 21/22 anos, como forma de cumprir o serviço militar – tornou-se pároco na sua Arquidiocese, após o que ingressou no serviço diplomático da Santa Sé em 1975, passando trabalhar em definitivo para a Cúria Romana. Foi secretário da Nunciatura, na República Dominicana, entre 1975 e 1978 e secretário da Nunciatura no Líbano, entre 1979 e 1983.
Integrou o Conselho para os Assuntos Públicos da Igreja a partir de julho de 1983. Participou em missões especiais no Haiti, de 1984, e Beirute e Damasco, em 1986. Foi membro da delegação da Santa Sé para as reuniões da Conferência sobre Segurança e Cooperação Europeia, Conferência sobre o Desarmamento, em Estocolmo, na Suécia, e no Fórum Cultural em Budapeste, na Hungria, e sucessivas reuniões em Viena.
Eleito Arcebispo-titular de Telepte e nomeado subsecretário da Secretaria de Estado para as Relações com os Estados (tornando-se o titular da secção dois anos depois – uma espécie de ministro das Relações Exteriores do Papa), a 1 de dezembro de 1990, foi-lhe conferida a ordenação episcopal em 6 de janeiro de 1991, na Basílica de São Pedro, por João Paulo II, sendo coordenantes por Giovanni Battista Re, Arcebispo-titular de Vescovio, substituto da Secretaria de Estado, secção de Assuntos Gerais, e Justin Francis Rigali, Arcebispo-titular de Bolsena, secretário da Congregação para os Bispos. Adotou o lema episcopal Veritate et caritate” (Pela verdade e pela caridade).
É naquela função na Secretaria de Estado que Tauran acabou se torna perante do mundo a voz e o rosto da firme oposição do Papa à Guerra do Iraque no início dos anos 2000. Para Tauran, dar início ou não à guerra era fazer “uma escolha entre a força da lei e a lei da força”. E disse:


Nenhuma regra do direito internacional autoriza um ou mais Estados a recorrer unilateralmente ao uso da força para mudar o regime ou a forma do governo de outro Estado com base na alegação, por exemplo, de que possui armamento de destruição em massa”.
Enfrentou, pois, George W. Bush com ferrenha oposição, dialogou com líderes religiosos do mundo todo e foi o responsável por anunciar uma das notícias mais esperadas da última década.
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Criado cardeal-diácono no consistório de 21 de outubro de 2003, recebeu o barrete e a diaconia de Santo Apolinário nas Termas Neronianas-Alexandrinas. Dois dias depois, a 24 de novembro de 2003, foi nomeado Arquivista e Bibliotecário da Santa Igreja Romana, cargo que exerceu até 25 de junho de 2007 e para o qual acabou de ser designado o português Dom José Tolentino de Mendonça, Arcebispo-Titular eleito de Sauva.
Como representante do Papa participou na inauguração do novo Museu do Holocausto  Yad Vashem, a 15 de março de 2005, em Jerusalém. E, nesse mesmo ano, foi o enviado especial do Papa às celebrações centrais do Extraordinário Ano Jubilar da Diocese de Le Puy-en-Velay, na França, ocorrido a 29 de maio, na Basílica Catedral de Notre Dame du Puy. Participou, por nomeação papal, na X Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na Cidade do Vaticano, de 2 a 23 de outubro de 2005. Nomeado presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso a 25 de junho de 2007, assumiu o cargo em 1 de setembro de 2007.
Este cargo colocava-o na linha da frente do diálogo com o mundo islâmico. Falou várias vezes em defesa dos cristãos nos países muçulmanos e criticou o facto de, em alguns países árabes, os não-muçulmanos serem tratados como cidadãos de segunda.
Esteve recentemente na Arábia Saudita, donde voltou, como se diz adiante, com uma importante conquista para os muitos cristãos – sobretudo expatriados – que vivem naquele reino, nomeadamente o direito a praticarem a sua religião, o que até então lhes estava vedado.
Participou na XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, na Cidade do Vaticano, entre 5 a 26 de outubro de 2008, sobre “A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja”.
Foi o enviado especial do Papa às cerimónias conclusivas do Ano Paulino em 29 de junho de 2009, na Turquia. Participou na II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, de 4 a 25 de outubro de 2009, na Cidade do Vaticano, sobre o tema “A Igreja na África, ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz: Vós sois o sal da terra, você é a luz do mundo”. Foi o enviado especial do Papa para a celebração do milénio da Abadia de Saint-Pierre de Solesmes, na França, ocorrido em 12 de outubro de 2010. Participou na II Assembleia Especial para o Oriente Médio do Sínodo dos Bispos, de 10 a 24 de outubro de 2010, na Cidade do Vaticano, como membro eleito do Conselho Especial para o Oriente Médio da Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos, 23 de outubro de 2010. Em 23 de novembro de 2010, ele recebeu o doutoramento honoris causa do Institut Catholique de Paris. Confirmado pelo Papa Bento XVI no ofício do cardeal protodiácono no consistório de 21 de fevereiro de 2011, há vários anos que sofria do que foi diagnosticado como o mal de Parkinson. Apesar disso, a 19 de junho de 2012, foi confirmado por 5 anos como presidente do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-religioso.
Como cardeal-protodiácono foi ele quem anunciou ao mundo a eleição do novo Papa e o seu nome papal, no termo do Conclave de 2013, como foi referido, e impôs o pálio sobre Francisco na inauguração do ministério petrino do pontífice em 19 de março de 2013.
Em 15 de abril de 2013, foi nomeado enviado especial do Papa às celebrações do quarto centenário da chegada do ícone da Virgem Maria em Budslau, na Bielorrússia, ocorrido em 5 e 6 de julho de 2013, no Santuário Nacional, que se encontra no território da Arquidiocese de Minsk-Mohilev. A 26 de junho de 2013, o Papa nomeou-o membro da Pontifícia Comissão Relativamente ao Instituto para as Obras de Religião (Banco do Vaticano). A 24 de agosto de 2013, foi nomeado enviado especial do Papa às celebrações do primeiro centenário da Arquidiocese de Lille, na França, que tiveram lugar em 26 e 27 de outubro de 2013. Foi confirmado como membro da Congregação para os Bispos em 16 de dezembro de 2013.
A 12 de junho de 2014, passou para a ordem de  cardeais-presbíteros, mantendo o seu título pro hac vice. E, a 20 de dezembro de 2014, Francisco nomeou-o Camerlengo da Santa Igreja Romana, sendo, nesta condição, o responsável pela administração das propriedades e receitas da Santa Sé e devendo assumir as responsabilidades de Chefe de Estado do Vaticano entre a morte ou resignação de um Papa e a eleição de outro.
A sua última viagem em nome da Santa Sé, em abril, foi uma visita de oito dias à capital saudita, Riad, onde se encontrou com o rei Salman bin Abdulaziz e com o secretário-geral da Liga Muçulmana Mundial, o sheik Mohammed Al-Issa. Foi a primeira visita dum cardeal ao país em que ficam os dois grandes santuários do Islão, Meca e Medina. Na pátria do wahabismo, uma das correntes mais fundamentalistas do islão, o Cardeal fez discursos corajosos, pedindo que os cristãos “não sejam considerados cidadãos de segunda classe” e apostando na educação como caminho para o diálogo e a tolerância.
Esta viagem a Riad, já bastante debilitado, constituiu um marco para as relações entre a Igreja e o mundo muçulmano. Nela sustentou que a ameaça não provém do “choque de civilizações”, mas do “choque de ignorâncias e radicalismos”. Assim, defendia que “a religião pode ser proposta, mas jamais imposta”. E, numa entrevista em dezembro do ano passado, explicou como ele e a Santa Sé viam com apreço o recurso ao diálogo:
Nós cremos que, no fundo, não obstante as posições que às vezes possam parecer distantes, é necessário promover espaços de diálogo sincero. Apesar de tudo, estamos convencidíssimos de que se pode viver juntos.”.
Dizia ele que frequentemente “é a ignorância que fundamenta o medo”. E assinalava a verificação de que “a maior parte dos europeus nunca teve um encontro com um muçulmano nem nunca abriu o Corão” e que “o contrário também é verdade: muitos muçulmanos jamais abriram a Bíblia”. E com este espírito de diálogo movia-se na Cúria Romana, sem intriguismos, pois nem tinha tempo para isso. E assegura o vaticanista Andrea Tornielli que “deu o exemplo de como se serve ao papa na Cúria Romana, sem protagonismos, fazendo sempre presentes as próprias objeções e sugestões, sem nunca as vazar em blogs ou entrevistas”.
(cf https://www.semprefamilia.com.br/acreditamosnoamor/quem-foi-o-cardeal-jean-louis-tauran-icone-da-promocao-do-dialogo/)
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No telegrama de condolências enviado à irmã do cardeal, o Papa disse que Tauran “marcou profundamente a vida da Igreja universal”. Era, pois, “um conselheiro ouvido e apreciado, nomeadamente graças às relações de confiança e estima que construiu com o mundo muçulmano”. E Francisco elogiou-lhe o sentido de serviço e “amor pela Igreja”, confessando-se “emocionado” pelo modo como soube “servir corajosamente a Igreja de Cristo até ao fim, apesar do peso da doença” (agência Ecclesia).
Como dizia o Papa em Fátima, o doente não é só objeto do cuidado da parte dos demais, mas é também à sua medida um cuidador, um evangelizador.
É motivo de ação de graças a vida deste servidor da Igreja e do mundo. Laus Deo!
2018.07 – Louro de Carvalho


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