sexta-feira, 6 de julho de 2018

O essencial das reivindicações dos professores


Estabeleceu-se o braço de ferro entre o Governo e os professores que levou a uma greve, ainda intérmina, às reuniões de avaliação sumativa interna no termo do ano letivo de 2017/2018. Com efeito, desde 2002 a classe docente foi sendo progressivamente atacada atingindo o pico em 2008, sendo que se abriu uma clareira negocial em 2010 para se voltar aos tempos piores com Nuno Crato e agora com Tiago Brandão Rodrigues.
É de toda a justiça lembrar que nesta embrulhada degradante foram metidos os trabalhadores da administração pública, alegadamente absorvedores dos recursos financeiros do Estado. Gostava, a este respeito, de saber quanto é que o Estado não paga a assessorias e a prestadores de serviço, designadamente na elaboração de pareceres de vária ordem e na preparação de propostas de lei – isto para não falar das instituições bancárias que, de uma forma ou de outra, entram na carteira dos contribuintes e não onde a maior parte do dinheiro está, mas onde ele se vê ou pode ver. 
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E o que reivindicam os professores? Não é por certo a abolição de uma prova de avaliação de conhecimentos e competências/capacidades que o TC julgou ferida de inconstitucionalidade por via do processo – o que muito boa gente entendeu levianamente ser a recusa da avaliação. Recorde-se que tal prova foi instituída por Governo PS embora os destinatários não fossem muitos ao tempo da urgência da sua aplicação. Mas sujeitar a uma prova de admissão na carreira quem já vinha para o terreno com uma habilitação profissional foi o que os fazedores de opinião nunca desmistificaram. Mas a avaliação do desempenho está normalizada e entrou nas rotinas.
Não está obviamente em causa o resultado do concurso de mobilidade interna que trouxe problemas aos professores do Quadro de Zona Pedagógica deixando muitos a muitas milhas de distância da sua residência familiar. Isto é importante, mas não mobiliza diretamente o grande volume dos docentes. O Parlamento legislou sobre a matéria e o Governo deslavadamente suscitou a fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei junto do TC.
Agora os professores reivindicam, não mais dinheiro ou que o Governo lhes pague mais 9 anos, 4 meses e dias, como já se viu escrito. O que os sindicatos pretendem, na linha do que os professores desejam é a contagem integral desse tempo de serviço que foi congelado em dois momentos distintos: de 29 de agosto de 2005 a 31 de dezembro de 2007, como aos demais funcionários do Estado, por motivos nunca suficientemente esclarecidos, até porque, a 1 de janeiro de 2008, o ano da crise, o tempo foi descongelado (e em 2009 houve um aumento relativamente significativo nos vencimentos); e desde 1 de janeiro de 2011 (ainda não havia programa de ajustamento) a 31 de dezembro de 2017. Deixemo-nos das narrativas que insistem em argumentar com a troika e voltemos a mira para a administração danosa da coisa pública, como os gastos sem retorno na RAVE e TGV, IEP, PPP, contratos swap, Parque Escolar, etc. E não esqueçamos que Ferreira Leite cortou por 2 anos o aumento aos funcionários públicos cujo vencimento excedesse mil euros e deu a primeira machada no sistema de aposentação.            
Os professores não estão a pedir per se mais dinheiro, mas contagem de tempo que reposicione muitos na carreira, o que a prazo significará mais dinheiro, obviamente. Porém, atente-se que muitos já não beneficiarão de tal contagem integral, porque estão nos últimos escalões. E que é dos muitos que se aposentaram com o tempo integral de serviço e idade vigentes no regime de transição, dos muitos que se aposentaram antecipadamente com fortes penalizações e dos muitos que aderiram ao programa de rescisão por mútuo acordo?  
Ora, como há muitos professores a quem a contagem desse tempo de serviço não interessa, embora o exijam por questões de justiça e de solidariedade, os sindicatos reivindicam a possibilidade da aposentação voluntária antecipada sem penalizações para quem tenha uma certa idade e uma carreira contributiva longa (40 anos) – o que constituiria uma forma de aliviar o orçamento do ME.
Porém, no atinente à contagem integral do tempo de serviço, que traz naturalmente encargos para o Estado, desde início os sindicatos estiveram abertos a faseamento prolongado no tempo, incluindo a próxima legislatura.
Outra reivindicação é a integração dos docentes em situação precária para responder às necessidades permanentes do sistema educativo, reservando o regime de contratação a termo para a resposta a necessidades não permanentes. Não digam que isto não é de inteira justiça.
E, finalmente, estão em causa as condições de trabalho e a gestão das escolas. Também neste aspeto temos de recuar no tempo. Foi com os ministros de Guterres que se avançou com a história dos agrupamentos, que Durão Barroso confundiu com centros escolares, e vindo a sua generalização a tornar-se realidade com Sócrates, que inventou os mega-agrupamentos, tarefa verdadeiramente impulsionada e quase finalizada por Passos Coelho.
Com José Sócrates cumpriu-se o que Durão Barroso queria e não foi capaz de realizar: a guarda das crianças, adolescentes e jovens na escola. Barroso fez saber que as associações e autarquias ocupariam os alunos enquanto os professores estariam em reuniões e trabalhos de coordenação e planificação. Como as autarquias e as associações não quiseram saber, a Ministra de Sócrates encheu de conteúdo burocrático e de ações de ama-seca a componente não letiva dos docentes, ou seja, cumpriu com os professores o que Barroso disse fazer com as autarquias e as associações. Desde Nuno Crato torna-se difícil distinguir na prática o que pertence à componente letiva e o que pertence à componente não letiva, embora o ECD permita distingui-lo bem. Ora, hoje, em termos de horário de trabalho, bastava que se suprimisse a chamada componente não letiva de estabelecimento – de dois a três tempos – que os diretores têm de atribuir a cada professor e que, nas horas de redução por força do art.º 79.º do ECD, nunca pudesse ser considerado na componente não letiva o apoio sistemático a um grupo de alunos, o que para todos os efeitos de trabalho é uma aula. Mas Tiago Rodrigues não mexe e pouco faz.
No atinente à gestão de escolas, recordo que o primeiro ato de rutura com a gestão democrática foi o cavaquista Dl n,º 172/91, de 10 de maio, em que o diretor era escolhido, mediante concurso, no seio do Conselho de Escola – diploma que não chegou a generalizar-se. Com os ministros de Guterres o órgão de administração e gestão (diretor executivo, órgão unipessoal ou o conselho executivo, órgão colegial – a critério da escola) era eleito pela comunidade escolar. Entretanto, Barroso clamava que era necessário entregar a escola a um diretor, que podia não ser professor, pois os professores, competentes na lecionação, podiam não ser competentes em gestão. Entretanto, os ministros de Sócrates, Passos e Costa pensam que o diretor deve ser um professor qualificado por experiência em gestão escolar ou formação específica, sendo que agora a primazia é para a formação. Mas o regime de recrutamento é esquisito, no mínimo. Há concurso e eleição. Concorre quem tem condições legais e é eleito quem dos concorrentes o conselho geral escolher. A comunidade escolar fica a leste. Na maior parte dos casos, a comunidade escolar não pode deter no conselho geral – constituído por membros eleitos e por membros designados – como seus representantes (pessoal docente e pessoal não docente) mais de 50% dos elementos que o constituem.
Por conseguinte, os diretores correm o risco de quase nada poderem frente à tutela, que os sobrecarrega de encargos e trabalhos, e de capatazes dos trabalhadores da escola/agrupamento, já que, em muitos casos, são eles quem sabe recrutar os candidatos ao conselho, sendo que os professores e funcionários que o constituem continuam na dependência funcional do diretor.
Assim, horário de trabalho e gestão precisam de levar uma grande volta.
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Um colégio arbitral, constituído a pedido do Governo, decidiu pelo estabelecimento de serviços mínimos no 9.º ano, 11.º e no 12.º, podendo os conselhos de turma funcionar sem a presença de todos os docentes que o integram, o que vai contra a legislação em vigor e que apenas pode ser alterada pelo Parlamento ou pelo Governo, que não procederam a tal alteração. Depois, estranham que os sindicatos denunciem a ilegalidade. Ademais, como já referi noutra ocasião, não vejo urgência em serviços mínimos no 9.º ano e no 11.º, de que não resultam efeitos imediatos na prossecução de estudos. Assim, o colégio arbitral alinhou acriticamente na opção governativa ilegal.
Como ninguém definiu as condições da prestação dos preditos serviços mínimos, houve reuniões que não se realizaram. E a tutela pretende que os docentes faltosos sejam sinalizados com vista a procedimento disciplinar. Deixa-se criar o pântano e penalizam-se os imersos nele!
E, por um lado, as escolas são pressionadas a fazer turmas, mas, por outro, as matrículas não se podem fazer ou renovar sem que haja conhecimento público das classificações.
Questionada a Confap sobre se os pais impugnariam as notas atribuídas nestas condições, fez saber que só reclamam quando os alunos são prejudicados, não sendo este o caso. 
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Refere a comunicação social que a maioria dos professores quer suspender de imediato a greve às avaliações. De facto, em consulta feita pelos sindicatos, cerca de 70% dos docentes responderam ser tempo de voltar à negociação com o Governo. Mas 97% garantem que não abrem mão de recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias em que a carreira esteve congelada, o que é inteiramente justo, quando se resolveu de forma razoável problema análogo dos trabalhadores da administração pública não inseridos em carreiras específicas, em que não houve lugar a promoções nem a atribuição de prémios por mérito de desempenho. 
No inquérito distribuído pelos 10 sindicatos dos professores, onde a pergunta era se Concorda com a posição dos sindicatos de exigência da recuperação total do tempo de serviço congelado (9 anos, 4 meses e 2 dias), mais de 48 mil professores (97%), responderam que concordam. E a mesma percentagem admite que esse pagamento possa ser feito de forma faseada, aos poucos, para que não se penalizem as contas públicas. Trata-se de um inquérito a que responderam 50.738 professores (sindicalizados e não sindicalizados).
Diz a comunicação social que o desejo de suspensão da greve se deve ao facto de o ME ter agendado nova ronda de negociações para a próxima semana (11 de julho) e os professores quererem dar um sinal de abertura. Não desvalorizo tal justificação, mas o motivo fundamental está noutro ângulo. Por maior perturbação que se tenha criado aos alunos e pais, os grandes prejudicados pela greve são exatamente os professores: são os únicos ou dos poucos que só podem gozar férias em fins de julho e no mês de agosto, tendo também o direito de se organizarem e planear a vida; o trabalho de avaliação, matrículas e constituição de turmas não fica por fazer, apenas fica adiado para momento em que o cansaço é mais que muito. E parece que a tutela quis jogar com isso, mas não conseguiu anular o impacto social da greve.
Irão os professores, por tudo isto, trabalhar, mas céticos de que as novas negociações dificilmente resultarão, dados os sinais que o ME forneceu para o exterior. O próprio Chefe do Governo disse uma coisa pavorosa, quando teve a lata de afirmar que o Governo, ao dizer que faz obras no IP3, está a afirmar que não se compromete com o investimento nas carreiras dos funcionários. Se fica mal a hipocrisia e se queremos a transparência, recusamos o descaramento.
Assim, caso o Governo não vá ao encontro das reivindicações dos docentes, 47%, ou seja, mais de 23 mil professores, admitem voltar à greve na primeira semana de outubro, a terminar no Dia Mundial do Professor, a 5 desse mês.
E se, como dizem, os professores se mantêm irredutíveis, o Governo segue pelo mesmo caminho. Na convocatória enviada, retoma a proposta de contagem dos dois anos, 10 meses e 18 dias, uma proposta que fica muito aquém dos 9 anos exigidos pelos docentes.
Ora, o Governo deve ser exemplar no cumprimento da justiça salarial e na criação de condições de trabalho para os seus trabalhadores. Se, por motivos que todos poderemos entender, se lhe torna difícil cumprir cabalmente os deveres de justiça laboral, cabe-lhe negociar o faseamento para a satisfação de tal compromisso dilatada no tempo, amenizando o efeito dos danos. E talvez o Governo deva firmar-se mais um pouco frente à UE, ao BCE e ao FMI, se efetivamente acredita na importância fulcral da educação e da formação. De governos que fazem praticamente as mesmas coisas, mudando apenas o estilo e o bigode, estamos saturados.
2018.07.05 – Louro de Carvalho    

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