Estabeleceu-se o braço de ferro entre o Governo e os professores que levou
a uma greve, ainda intérmina, às reuniões de avaliação sumativa interna no
termo do ano letivo de 2017/2018. Com efeito, desde 2002 a classe docente foi
sendo progressivamente atacada atingindo o pico em 2008, sendo que se abriu uma
clareira negocial em 2010 para se voltar aos tempos piores com Nuno Crato e
agora com Tiago Brandão Rodrigues.
É de toda a justiça lembrar que nesta embrulhada degradante foram metidos
os trabalhadores da administração pública, alegadamente absorvedores dos
recursos financeiros do Estado. Gostava, a este respeito, de saber quanto é que
o Estado não paga a assessorias e a prestadores de serviço, designadamente na
elaboração de pareceres de vária ordem e na preparação de propostas de lei –
isto para não falar das instituições bancárias que, de uma forma ou de outra,
entram na carteira dos contribuintes e não onde a maior parte do dinheiro está,
mas onde ele se vê ou pode ver.
***
E o que reivindicam os professores? Não é por certo a abolição de uma prova
de avaliação de conhecimentos e competências/capacidades que o TC julgou ferida
de inconstitucionalidade por via do processo – o que muito boa gente entendeu levianamente
ser a recusa da avaliação. Recorde-se que tal prova foi instituída por Governo
PS embora os destinatários não fossem muitos ao tempo da urgência da sua
aplicação. Mas sujeitar a uma prova de admissão na carreira quem já vinha para
o terreno com uma habilitação profissional foi o que os fazedores de opinião
nunca desmistificaram. Mas a avaliação do desempenho está normalizada e entrou
nas rotinas.
Não está obviamente em causa o resultado do concurso de mobilidade interna
que trouxe problemas aos professores do Quadro de Zona Pedagógica deixando muitos
a muitas milhas de distância da sua residência familiar. Isto é importante, mas
não mobiliza diretamente o grande volume dos docentes. O Parlamento legislou
sobre a matéria e o Governo deslavadamente suscitou a fiscalização sucessiva da
constitucionalidade da lei junto do TC.
Agora os professores reivindicam, não mais dinheiro ou que o Governo lhes
pague mais 9 anos, 4 meses e dias, como já se viu escrito. O que os sindicatos
pretendem, na linha do que os professores desejam é a contagem integral desse
tempo de serviço que foi congelado em dois momentos distintos: de 29 de agosto
de 2005 a 31 de dezembro de 2007, como aos demais funcionários do Estado, por
motivos nunca suficientemente esclarecidos, até porque, a 1 de janeiro de 2008,
o ano da crise, o tempo foi descongelado (e em 2009 houve um aumento
relativamente significativo nos vencimentos); e desde 1 de janeiro de 2011 (ainda não havia programa de
ajustamento) a 31 de
dezembro de 2017. Deixemo-nos das narrativas que insistem em argumentar com a
troika e voltemos a mira para a administração danosa da coisa pública, como os
gastos sem retorno na RAVE e TGV, IEP, PPP, contratos swap, Parque Escolar, etc. E não esqueçamos que Ferreira Leite
cortou por 2 anos o aumento aos funcionários públicos cujo vencimento excedesse
mil euros e deu a primeira machada no sistema de aposentação.
Os professores não estão a pedir per
se mais dinheiro, mas contagem de tempo que reposicione muitos na carreira,
o que a prazo significará mais dinheiro, obviamente. Porém, atente-se que
muitos já não beneficiarão de tal contagem integral, porque estão nos últimos
escalões. E que é dos muitos que se aposentaram com o tempo integral de serviço
e idade vigentes no regime de transição, dos muitos que se aposentaram
antecipadamente com fortes penalizações e dos muitos que aderiram ao programa
de rescisão por mútuo acordo?
Ora, como há muitos professores a quem a contagem desse tempo de serviço
não interessa, embora o exijam por questões de justiça e de solidariedade, os
sindicatos reivindicam a possibilidade da aposentação voluntária antecipada sem
penalizações para quem tenha uma certa idade e uma carreira contributiva longa
(40 anos) – o que constituiria uma forma de aliviar o
orçamento do ME.
Porém, no atinente à contagem integral do tempo de serviço, que traz
naturalmente encargos para o Estado, desde início os sindicatos estiveram
abertos a faseamento prolongado no tempo, incluindo a próxima legislatura.
Outra reivindicação é a integração dos docentes em situação precária para
responder às necessidades permanentes do sistema educativo, reservando o regime
de contratação a termo para a resposta a necessidades não permanentes. Não
digam que isto não é de inteira justiça.
E, finalmente, estão em causa as condições de trabalho e a gestão das
escolas. Também neste aspeto temos de recuar no tempo. Foi com os ministros de
Guterres que se avançou com a história dos agrupamentos, que Durão Barroso
confundiu com centros escolares, e vindo a sua generalização a tornar-se
realidade com Sócrates, que inventou os mega-agrupamentos, tarefa
verdadeiramente impulsionada e quase finalizada por Passos Coelho.
Com José Sócrates cumpriu-se o que Durão Barroso queria e não foi capaz de
realizar: a guarda das crianças, adolescentes e jovens na escola. Barroso fez
saber que as associações e autarquias ocupariam os alunos enquanto os
professores estariam em reuniões e trabalhos de coordenação e planificação.
Como as autarquias e as associações não quiseram saber, a Ministra de Sócrates
encheu de conteúdo burocrático e de ações de ama-seca a componente não letiva
dos docentes, ou seja, cumpriu com os professores o que Barroso disse fazer com
as autarquias e as associações. Desde Nuno Crato torna-se difícil distinguir na
prática o que pertence à componente letiva e o que pertence à componente não
letiva, embora o ECD permita distingui-lo bem. Ora, hoje, em termos de horário
de trabalho, bastava que se suprimisse a chamada componente não letiva de
estabelecimento – de dois a três tempos – que os diretores têm de atribuir a
cada professor e que, nas horas de redução por força do art.º 79.º do ECD,
nunca pudesse ser considerado na componente não letiva o apoio sistemático a um
grupo de alunos, o que para todos os efeitos de trabalho é uma aula. Mas Tiago
Rodrigues não mexe e pouco faz.
No atinente à gestão de escolas, recordo que o primeiro ato de rutura com a
gestão democrática foi o cavaquista Dl n,º 172/91, de 10 de maio, em que o
diretor era escolhido, mediante concurso, no seio do Conselho de Escola –
diploma que não chegou a generalizar-se. Com os ministros de Guterres o órgão
de administração e gestão (diretor executivo, órgão unipessoal ou o conselho
executivo, órgão colegial – a critério da escola) era eleito pela comunidade escolar. Entretanto, Barroso clamava que era
necessário entregar a escola a um diretor, que podia não ser professor, pois os
professores, competentes na lecionação, podiam não ser competentes em gestão.
Entretanto, os ministros de Sócrates, Passos e Costa pensam que o diretor deve
ser um professor qualificado por experiência em gestão escolar ou formação
específica, sendo que agora a primazia é para a formação. Mas o regime de
recrutamento é esquisito, no mínimo. Há concurso e eleição. Concorre quem tem
condições legais e é eleito quem dos concorrentes o conselho geral escolher. A
comunidade escolar fica a leste. Na maior parte dos casos, a comunidade escolar
não pode deter no conselho geral – constituído por membros eleitos e por membros
designados – como seus representantes (pessoal docente e pessoal não
docente) mais de 50% dos elementos que o
constituem.
Por conseguinte, os diretores correm o risco de quase nada poderem frente à
tutela, que os sobrecarrega de encargos e trabalhos, e de capatazes dos
trabalhadores da escola/agrupamento, já que, em muitos casos, são eles quem
sabe recrutar os candidatos ao conselho, sendo que os professores e
funcionários que o constituem continuam na dependência funcional do diretor.
Assim, horário de trabalho e gestão precisam de levar uma grande volta.
***
Um colégio arbitral, constituído a pedido do Governo, decidiu pelo
estabelecimento de serviços mínimos no 9.º ano, 11.º e no 12.º, podendo os
conselhos de turma funcionar sem a presença de todos os docentes que o
integram, o que vai contra a legislação em vigor e que apenas pode ser alterada
pelo Parlamento ou pelo Governo, que não procederam a tal alteração. Depois,
estranham que os sindicatos denunciem a ilegalidade. Ademais, como já referi
noutra ocasião, não vejo urgência em serviços mínimos no 9.º ano e no 11.º, de
que não resultam efeitos imediatos na prossecução de estudos. Assim, o colégio
arbitral alinhou acriticamente na opção governativa ilegal.
Como ninguém definiu as condições da prestação dos preditos serviços
mínimos, houve reuniões que não se realizaram. E a tutela pretende que os
docentes faltosos sejam sinalizados com vista a procedimento disciplinar. Deixa-se
criar o pântano e penalizam-se os imersos nele!
E, por um lado, as escolas são pressionadas a fazer turmas, mas, por outro,
as matrículas não se podem fazer ou renovar sem que haja conhecimento público
das classificações.
Questionada a Confap sobre se os pais impugnariam as notas atribuídas
nestas condições, fez saber que só reclamam quando os alunos são prejudicados,
não sendo este o caso.
***
Refere a comunicação social que a maioria dos professores quer suspender de
imediato a greve às avaliações. De facto, em consulta feita pelos
sindicatos, cerca de 70% dos docentes responderam ser tempo de voltar à
negociação com o Governo. Mas 97% garantem que não abrem mão de
recuperar os 9 anos, 4 meses e 2 dias em que a carreira esteve congelada, o que
é inteiramente justo, quando se resolveu de forma razoável problema análogo dos
trabalhadores da administração pública não inseridos em carreiras específicas,
em que não houve lugar a promoções nem a atribuição de prémios por mérito de
desempenho.
No inquérito distribuído pelos 10 sindicatos dos professores, onde a
pergunta era se Concorda com a posição
dos sindicatos de exigência da recuperação total do tempo de serviço congelado
(9 anos, 4
meses e 2 dias), mais de
48 mil professores (97%),
responderam que concordam. E a mesma percentagem admite que esse pagamento
possa ser feito de forma faseada, aos poucos, para que não se penalizem as
contas públicas. Trata-se de um inquérito a que responderam 50.738 professores
(sindicalizados
e não sindicalizados).
Diz a comunicação social que o desejo de suspensão da greve se deve ao
facto de o ME ter agendado nova ronda de negociações para a próxima semana (11 de julho) e os professores quererem dar um sinal de abertura. Não
desvalorizo tal justificação, mas o motivo fundamental está noutro ângulo. Por
maior perturbação que se tenha criado aos alunos e pais, os grandes
prejudicados pela greve são exatamente os professores: são os únicos ou dos
poucos que só podem gozar férias em fins de julho e no mês de agosto, tendo
também o direito de se organizarem e planear a vida; o trabalho de avaliação,
matrículas e constituição de turmas não fica por fazer, apenas fica adiado para
momento em que o cansaço é mais que muito. E parece que a tutela quis jogar com
isso, mas não conseguiu anular o impacto social da greve.
Irão os professores, por tudo isto, trabalhar, mas céticos de que as novas
negociações dificilmente resultarão, dados os sinais que o ME forneceu para o
exterior. O próprio Chefe do Governo disse uma coisa pavorosa, quando teve a
lata de afirmar que o Governo, ao dizer que faz obras no IP3, está a afirmar
que não se compromete com o investimento nas carreiras dos funcionários. Se
fica mal a hipocrisia e se queremos a transparência, recusamos o descaramento.
Assim, caso o Governo não vá ao encontro das reivindicações dos docentes,
47%, ou seja, mais de 23 mil professores, admitem voltar à greve na primeira
semana de outubro, a terminar no Dia
Mundial do Professor, a 5 desse mês.
E se, como dizem, os professores se mantêm irredutíveis, o Governo segue
pelo mesmo caminho. Na convocatória enviada, retoma a proposta de contagem dos
dois anos, 10 meses e 18 dias, uma proposta que fica muito aquém dos 9 anos
exigidos pelos docentes.
Ora, o Governo deve ser exemplar no cumprimento da justiça salarial e na
criação de condições de trabalho para os seus trabalhadores. Se, por motivos
que todos poderemos entender, se lhe torna difícil cumprir cabalmente os
deveres de justiça laboral, cabe-lhe negociar o faseamento para a satisfação de
tal compromisso dilatada no tempo, amenizando o efeito dos danos. E talvez o
Governo deva firmar-se mais um pouco frente à UE, ao BCE e ao FMI, se
efetivamente acredita na importância fulcral da educação e da formação. De
governos que fazem praticamente as mesmas coisas, mudando apenas o estilo e o
bigode, estamos saturados.
2018.07.05 –
Louro de Carvalho
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