O regime jurídico da educação inclusiva em vigor foi
estabelecido e regulado pelo Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, que deu
origem à publicação “Para uma Educação Inclusiva –
Manual de Apoio à Prática” cuja finalidade é “apoiar os
profissionais na implementação do novo regime jurídico da educação inclusiva,
assim como apoiar os pais/encarregados de educação na sua colaboração com a
escola”.
É certo que a educação inclusiva, como desígnio
nacional já vem de há muito tempo em democracia. Recorde-se que, antes do
diploma em referência, o regime estava em prática à luz do Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de
janeiro, alterado pela Lei n.º 21/2008, de 12 de maio, e da Portaria n.º
201-C/2015, de 10 de julho, que ficaram revogados por este ordenamento. E, já
antes, vigorava o Decreto-Lei
n.º 174/77, de 2 de maio, que definia o regime escolar dos alunos portadores de deficiência
física ou psíquica, e
o Decreto-Lei n.º 84/78, de 2 de maio, que aplicava
ao ensino primário os princípios definidos no Decreto-Lei n.º 174/77, de 2 de
maio – aos quais sucedeu o Decreto-Lei
n.º 319/91, de 23 de agosto.
Porém, havia que seguir com um regime que tivesse em
linha de conta a posição sobre a matéria por parte da UNESCO, em 2009, que
assume “o compromisso com a educação inclusiva enquanto processo que visa
responder à diversidade de necessidades dos alunos, através do aumento da
participação de todos na aprendizagem e na vida da comunidade escolar” –
compromisso que o Governo adotou como prioridade política para “concretizar o
direito de cada aluno a uma educação inclusiva que responda às suas
potencialidades, expectativas e necessidades no âmbito de um projeto educativo
comum e plural que proporcione a todos a participação e o sentido de pertença
em efetivas condições de equidade, contribuindo assim, decisivamente, para
maiores níveis de coesão social” (vd
preâmbulo do DL n.º 54/2018, de 6 de julho).
A este desígnio
nacional veio responder o Decreto-Lei
n.º 54/2018, de 6 de julho, e o predito “Manual de Apoio à Prática”
***
Entretanto, no passado dia 15 de
maio, a Assembleia da República aprovou
alterações ao regime jurídico da educação inclusiva, na sequência dos pedidos
de apreciação parlamentar do BE e do PCP, que alegadamente traz mais direitos
para os pais e respostas às necessidades de cada criança. Por exemplo, o PCP refere que, apesar das “muitas expectativas criadas com a publicação do
decreto-lei” que substituiria o anterior regime, de 2008, o novo diploma acabou
por suscitar “profundas preocupações” ao partido. E o BE refere que o
decreto-lei publicado em julho de 2018 teria efeitos já no ano letivo
2018/2019, “um aperto de prazos” que, para o partido, “parece ser um convite a
que não corra bem”. Por isso, ambos os partidos pediram a apreciação
parlamentar e o texto final acabou aprovado com abstenção do PSD e do CDS e o
voto a favor dos restantes partidos.
As presentes alterações, resultantes dos projetos da Apreciação Parlamentar
n.º 67/XIII/ (BE)
e da Apreciação Parlamentar n.º 68/XIII/ (PCP), trazem, segundo dizem, entre outras, mais direitos para os pais e
educadores que passam a poder participar na equipa multidisciplinar de apoio à
educação inclusiva como elemento variável e a poder participar na elaboração e
na avaliação do relatório técnico-pedagógico e do plano individual de
transição, além do programa educativo individual (este último já
o prevê o atual regime). Nesse
sentido, podem igualmente pedir a revisão do relatório técnico-pedagógico e do
plano individual de transição e não só do programa educativo individual. E, em
caso de mudança de escola, o aluno tem direito a levar o relatório técnico-pedagógico
consigo. Por sua vez, as escolas têm de definir indicadores para avaliar a
eficácia das medidas através das tais equipas multidisciplinares. Por outro
lado, sempre que o aluno tenha um programa educativo individual, este tem de
ser complementado com um plano individual de transição de modo a promover a
transição para a vida pós-escolar e, sempre que possível, para uma atividade
profissional ou para a continuação dos estudos além da escolaridade
obrigatória. E os alunos apoiados pelos centros de apoio de aprendizagem têm
prioridade na renovação da matrícula, independentemente da sua área de
residência.
Estas alterações obrigam o Governo a garantir os meios
necessários para que todos os trabalhadores tenham formação específica gratuita
de apoio à aprendizagem e à inclusão (“esta é, a meu ver, a grande novidade que espero ver concretizada). A expectativa é a de que estas alterações entrem em
vigor no próximo ano letivo, mas está dependente da publicação da regulamentação
a que o Governo deve proceder no prazo de 30 dias a partir da publicação do
normativo.
Na reunião plenária de 15 de maio foram votados outros
projetos de partidos em matéria de direitos das crianças, mas todos eles foram
rejeitados. Eram eles:
- O projeto de
resolução do CDS-PP a recomendar ao Governo o alargamento do âmbito e das
competências da atual Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Proteção das
Crianças e Jovens;
- O projeto de resolução do BE para
a criação de um Comité Nacional para os Direitos da Criança;
- E o projeto
de lei do PCP para a criação da Comissão Nacional dos Direitos das Crianças e
Jovens, assim como o projeto para a criação de um Observatório para monitorizar
a aplicação da Convenção dos Direitos da Criança.
***
O texto
final configura uma lei, em 5 artigos, que procede à primeira alteração, por
apreciação parlamentar, ao Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, que
‘estabelece o regime jurídico da educação inclusiva’ e dá nova redação aos seus
artigos 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 12.º, 13.º, 21.º, 25.º,
27.º, 28.º, 32.º, 33.º, 36.º e 37.º.
Assim, a
alínea b) do seu artigo 2.º define como “adaptações curriculares não significativas”:
“As medidas de gestão curricular que não comprometem as aprendizagens
previstas nos documentos curriculares, podendo incluir adaptações ao nível dos
objetivos e dos conteúdos, através da alteração na sua priorização ou
sequenciação, ou na introdução de objetivos específicos que permitam atingir
os objetivos globais e as aprendizagens essenciais”.
A alínea
e) do art.º 3.º considera a flexibilidade como:
“A gestão flexível do currículo, dos espaços e dos tempos escolares, de
modo que a ação educativa nos seus métodos, tempos, instrumentos e atividades
possa responder às especificidades (em vez de singularidades) de cada um”.
As
alíneas a), b) e c) do n.º 2 do art.º 4.º têm a seguinte redação:
“a) Participar na equipa multidisciplinar de apoio à educação
inclusiva, na qualidade de elemento variável;
“b) Participar na elaboração e na avaliação
do relatório técnico-pedagógico, do programa educativo individual e do plano
individual de transição, quando estes se apliquem;
“c) Solicitar a revisão do relatório
técnico-pedagógico, do programa educativo individual e do plano
individual de transição, quando estes se apliquem…”.
O n.º 4
do art.º 5.º passa a ter a seguinte redação:
“As escolas devem, ainda, através das equipas multidisciplinares,
definir indicadores destinados a avaliar a eficácia das medidas referidas no
número anterior”.
O art.º
7.º passa a ter um n.º 5 que estipula:
“As medidas previstas nos artigos seguintes não prejudicam a
consideração de outras que, entretanto, possam ser enquadradas”.
O n.º 3
do art.º 8.º passa a ter a seguinte redação:
“As medidas universais, incluindo apoio tutorial preventivo e
temporário, são mobilizadas para todos os alunos, incluindo os que
necessitam de medidas seletivas ou adicionais, tendo em vista, designadamente,
a promoção do desenvolvimento pessoal, interpessoal e de intervenção social”.
E é
acrescentado um n.º 4 ao mesmo art.º 8.º, que estipula:
“A aplicação das medidas universais é realizada pelo docente titular do
grupo/turma, e sempre que necessário em parceria com o docente de educação
especial, enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação dos
meios e materiais de aprendizagem e de avaliação”.
O n.º 3
do art.º 9.º passa a ter a seguinte redação:
“A monitorização e avaliação da eficácia da aplicação das medidas
seletivas é realizada pela equipa multidisciplinar de apoio à educação
inclusiva, de acordo com o definido no relatório técnico-pedagógico".
E é
acrescentado um n.º 6 ao mesmo art.º 9.º, que estipula:
“A aplicação das medidas seletivas é realizada pelo docente titular do
grupo/turma, e sempre que necessário em parceria com o docente de educação especial,
enquanto dinamizador, articulador e especialista em diferenciação dos meios e
materiais de aprendizagem e de avaliação”.
Os n.os
6, 7 e 8 do art.º 10.º passam a ter a seguinte redação:
“6.
A monitorização e avaliação da eficácia
da aplicação das medidas adicionais é realizada pela equipa multidisciplinar
de apoio à educação inclusiva, de acordo com o definido no relatório
técnico-pedagógico.
“7.
As medidas adicionais são
operacionalizadas com os recursos materiais e humanos disponíveis na escola,
privilegiando-se o contexto de sala de aula, sem prejuízo do disposto no
número seguinte.
“8. Quando a operacionalização das medidas
previstas no número 4 implique a necessidade de mobilização de recursos
adicionais, estes devem ser garantidos pelo Ministério da Educação, após
pedido fundamentado do diretor da escola”.
É acrescentado
um n.º 6 ao art.º 11.º, que estipula:
“Compete
ao Governo garantir os meios necessários para habilitar, com a formação
específica gratuita de apoio à aprendizagem e à inclusão, todos os
trabalhadores”.
É
acrescentado um n.º 4 e um n.º 5 ao art.º 12.º, que estipulam, respetivamente:
“4. Os elementos definidos no número anterior
podem ser reforçados de acordo com as necessidades de cada escola.
“5.
São elementos variáveis da equipa
multidisciplinar o docente titular de grupo/turma ou o diretor de turma do
aluno, o coordenador de estabelecimento, consoante o caso, outros docentes do
aluno, assistentes operacionais, assistentes sociais e outros técnicos que
intervêm com o aluno.”.
O n.º 6
é o anterior n.º 5, o n.º 7 é o anterior n.º 6, o n.º 8 é o anterior n.º 7, o
n.º 9 é o anterior n.º 8 e a sua alínea c) tem a seguinte redação:
“Acompanhar, monitorizar e avaliar a aplicação de medidas de suporte à
aprendizagem e à inclusão”.
O n.º 10
é o anterior n.º 9.
É
acrescentado ao art.º 13.º um n.º 8, que estipula:
“No sentido de concretizar a constituição, as funções e a abrangência do
centro de apoio à aprendizagem, a Escola deverá estabelecer, em sede de
Regulamento Interno, entre outros aspetos, no seu quadro de autonomia, o
seguinte:
“a) Constituição e coordenação do Centro de
Apoio à Aprendizagem (CAA);
“b) Local e horário de funcionamento do CAA;
“c) Recursos humanos e materiais existentes;
“d) Formas de concretização dos objetivos
específicos, de acordo com os pontos 2 e 6;
“e)
Formas de articulação com os recursos
humanos e materiais, dos saberes e competências da escola, designadamente no
que respeita ao apoio e à avaliação das aprendizagens.
“f)
Para o efeito das alíneas anteriores
pode ser elaborado um regimento próprio, onde também constem as formas de
medição do impacto do CAA na inclusão e aprendizagem de todos os alunos.”.
É
acrescentado ao art.º 21.º um n.º 2, que estipula:
“Em caso de mudança de escola o relatório técnico pedagógico acompanha a
criança ou o aluno”.
O n.º 3
é o anterior n.º 2, o n.º 4 é o anterior n.º 3, o n.º 5 é o anterior n.º 4, o
n.º 6 é o anterior n.º 5, o n.º 7 é o anterior n.º 6, o n.º 8 é o anterior n.º
7, o n.º 9 é o anterior n.º 8, o n.º 10 é o anterior n.º 9 e o n.º 11 é o
anterior n.º 10.
O n.º 1
do art.º 25.º passa a ter a seguinte redação:
“Sempre que o aluno tenha um programa educativo individual deve este ser
complementado por um plano individual de transição destinado a promover a
transição para a vida pós-escolar e, sempre que possível, para o exercício de
uma atividade profissional ou possibilitando o prosseguimento de estudos
além da escolaridade obrigatória”.
É
acrescentado ao art.º 27.º um n.º 4, que estipula:
“Os alunos apoiados pelos centros de apoio de aprendizagem têm
prioridade na renovação de matrícula, independentemente da sua área de
residência.
Acrescentam-se
ao n.º 5 do art.º 28.º as alíneas d) e e), que incluem, no âmbito das adaptações ao processo de avaliação: “d) a
transcrição das respostas; e) a leitura de enunciados”. A alínea f)
é a anterior alínea d), a alínea g) é a anterior alínea e) e a alínea h) é a anterior
alínea f).
Ao art.º
32.º é acrescentado um n.º 3, que estipula:
“O manual de apoio a que se refere o número anterior deve ser um
documento passível de atualizações, que resultem da inclusão de novo
conhecimento em função da experiência da aplicação do disposto neste mesmo
decreto-lei”.
Ao art.º
33.º é acrescentado um n.º 4, que estipula:
“Caberá igualmente à Inspeção-Geral da Educação e Ciência avaliar as
condições físicas e todos os tipos de recursos de que as escolas dispõem para a
aplicação deste decreto-lei, designadamente para dar cumprimento ao disposto
nos artigos 9.º e 10.º”.
O n.º 5
é o anterior n.º 4 e o n.º 6 é o anterior n.º 5.
E
acrescentam-se ao mesmo art.º 33.º os n.os 7 e 8, que estipulam:
“7.
Sem prejuízo do disposto no número
anterior, o Ministério da Educação promove a avaliação da implementação do
presente decreto-lei no prazo de dois anos após a sua entrada em vigor,
tornando públicos os seus resultados.
“8.
O Governo compromete-se, no prazo de 90
dias, à publicação de uma portaria que regulamente o conjunto de indicadores
estatísticos com base nos quais, ainda que de forma não exaustiva, se caraterizem
e avaliem as medidas e os resultados da política de inclusão na educação, para
a qual o presente decreto-lei concorre.”.
Ao art.º
36.º é acrescentado um n.º 3 que estipula:
“Da aplicação do previsto na presente lei não pode resultar perda de
direitos e de apoios a todas as
crianças e jovens, salvaguardando sempre o superior interesse da criança e
jovem”.
Os n.os
1 e 2 do art.º 37.º passam a ter a seguinte redação:
“1. As condições de acesso, de frequência e o
financiamento dos estabelecimentos de educação especial são definidos por
portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da
educação, a publicar no prazo de 30 dias.
“2. Até à publicação da regulamentação referida
no número anterior, mantém-se em vigor a legislação aplicável.”.
As
alterações inseridas no decreto-lei em causa, submetido à apreciação
parlamentar, são regulamentadas pelo Governo no prazo de 30 dias após a
publicação da lei que as estabelece, com vista à sua aplicação a partir do ano
letivo 2019-2020.
É
republicado, em anexo à lei que o alterou e da qual faz parte integrante, o
Decreto-Lei n.º 54/2018, de 6 de julho, com a redação atual.
A lei que
estabelece as preditas alterações entra em vigor no dia seguinte ao da sua
publicação.
***
Contam-se,
pelo menos 15 normas com alterações e 16 normas novas – o que não é pouco. Mas
não se pode dizer em absoluto que os pais tenham conseguido mais direitos ou
menos. A sua participação e as possibilidades de sua exigência estabelecidas
resultam simplesmente da coerência dos mecanismos estabelecidos para
concretizar o desígnio da educação inclusiva.
Por
outro lado, parece terem ficado mais circunscritas algumas responsabilidades e
alargadas outras e especificadas mais algumas tarefas – tudo em nome da
coerência sistémica. Mas não há dúvidas de que o papel da escola ficou
reforçado e aumentadas as tarefas dos seus trabalhadores.
É de
esperar que tudo resulte, embora se duvide do êxito real do conceito de inclusão
que obrigue à ocupação permanente,
por todos, do mesmo espaço e do mesmo tempo e só variando o número e volume de agentes.
Mas os políticos sabem tudo ou quase tudo…
2019.05.22 –
Louro de Carvalho
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