Passado o tempo regulamentar da vacância da Sé de Pedro por
efeito da renúncia de Bento XVI, iniciou-se, a 12 de março o Conclave para a
eleição do sucessor. E, no segundo dia desta extraordinária sessão do Sacro
Colégio dos Cardeais, a eleição surtiu o seu efeito e dela resultou Papa na
pessoa do cardeal Jorge Mario Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, que
escolheu o nome de Francisco, o primeiro deste nome na lista dos Bispos de
Roma.
Até ao início da sede vacante, foi membro das Congregações para o Culto Divino e Disciplina
dos Sacramentos, para o Clero, para os Institutos de Vida Consagrada e
Sociedades de Vida Apostólica; do Pontifício Conselho para a Família; e da
Pontifícia Comissão para a América Latina.
Pensou, como arcebispo de Buenos Aires – diocese
com mais de três milhões de habitantes –, num projeto missionário centrado na
comunhão e na evangelização, com quatro principais finalidades: comunidades
abertas e fraternas; protagonismo de um laicado consciente; evangelização
destinada a cada habitante da cidade; assistência aos pobres e aos enfermos. Com
o objetivo era reevangelizar Buenos Aires, tendo em consideração os seus
habitantes, o modo como ela é e a sua história, convidou sacerdotes e leigos a trabalharem
juntos. Em setembro de 2009, lançou a campanha de solidariedade a nível
nacional, com vista à celebração do bicentenário da independência do país: 200
obras de caridade a realizar até 2016. E, em chave continental, alimenta fortes
esperanças, no sulco da mensagem da Conferência de Aparecida, de 2007, chegando
a defini-la como “a Evangelii nuntiandi da América Latina” (cf Biografia de
Francisco, no site do Vaticano).
Surge então a 13 de março de 2013, o primeiro Jesuíta eleito
Papa e o primeiro Papa provindo das Américas. E a maneira como o mundo encarou
os primeiros sinais da sua aparição pontifícia foi extraordinário. São “quatro anos vividos com intensidade pelo Pastor que
veio de longe e que vem realizando uma obra profunda de renovação da Igreja” (vd RV).
Logo após a eleição, na Capela Sistina, quando o decano dos
cardeais perguntou a Bergoglio se aceitava, ele respondeu que é um grande pecador, mas que aceitava “confiando
na misericórdia e paciência de Deus, no sofrimento”. E apareceu na varanda
central da Basílica Vaticana, cerca das 20h30 (hora de Roma), revestido da simplicidade da batina branca papal e,
dirigindo-se à multidão presente na Praça São Pedro, reconheceu que os irmãos Cardeais
foram buscar o Bispo de Roma quase ao fim do mundo…, agradeceu a todos o
acolhimento e declarou que, “agora, a comunidade diocesana de Roma tem o seu
Bispo”. Porém, não deixou de prosseguir:
“E
agora iniciamos este caminho, o Bispo com seu Povo... o caminho da Igreja de
Roma que preside a todas as outras Igrejas na caridade. Um caminho de
fraternidade, de amor, de mútua confiança. Rezemos sempre uns pelos outros.
Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade. Espero que
este caminho eclesial, que hoje começamos, com a ajuda do Cardeal Vigário, aqui
presente, seja frutuoso para a evangelização desta Cidade tão bela!”.
Sublinhou a mística da fraternidade como caminho da Igreja de
Roma, perpassado no amor e sustentado pela confiança, sendo neste caminho de
caridade nutrida pela oração que esta Igreja preside a todas as outras Igrejas
na caridade. Trata-se de um caminho eclesial que dará frutos para a
evangelização da Cidade de referência do catolicismo.
E, antes de conceder a sua Bênção Apostólica, o novo Papa evocou
a figura do Papa emérito, suscitou a recitação coletiva de um Pai-Nosso por ele
e pediu um favor aos presentes:
“Antes
que o Bispo abençoe o povo, peço-vos que rezeis ao Senhor para que me abençoe:
é a oração do povo, pedindo a Bênção para o seu Bispo. Façamos em silêncio esta
oração por mim”.
Assim, o Papa inclinou a cabeça em sinal de oração, e todos fizeram
silêncio por alguns momentos. Por fim, Francisco deu a sua primeira Bênção “Urbi et Orbi” aos fiéis de Roma e do
mundo inteiro, e concluiu desejando a todos “Boa noite e bom descanso!”.
E ficou como timbre coloquial do Papa, no fim de cada
alocução, o pedido de oração por si o augúrio por boa noite, boa tarde, boa refeição,
bom descanso e bom trabalho – conforme as circunstâncias.
***
Passados
quatro anos (este é o 5.º ano de Pontificado), festeja-se o aniversário e
reza-se pelo Santo Padre, na convicção de que a sua tarefa é titânica, dada a
natural ou artificiosa resistência de alguns cérebros eclesiásticos à mudança, quando
as suas atitudes deveriam ser pautadas pela eclesialidade e pela sinodalidade –
que postulam a caminhada conjunta, decisões colegiais nas questões mais graves
e sentido de liberdade da palavra, gosto da escuta e postura de espera de uns pelos
outros, com ajuda e apoio mútuos. E saúda-se a reforma em marcha da Cúria
Romana.
Entre
os testemunhos de apreço, destaca-se, entre nós, a mensagem de saudação a Sua
Santidade da parte do Presidente da República de Portugal, nos termos
seguintes:
“Celebra-se hoje o quarto aniversário do pontificado do Papa Francisco, a
quem saúdo muito calorosamente. Esta é uma data de júbilo para crentes e não crentes,
que festejam com enorme alegria a designação do novo Papa e a sua corajosa
defesa dos valores universais da paz e da justiça.
A eleição do Cardeal […] marcou um ponto de viragem para todo o mundo, pela
luz de esperança que, em tempos sombrios e de grande incerteza, o magistério do
Papa Francisco vem incutindo em milhões de seres humanos.
Este ano, o Papa Francisco visitará Portugal, por ocasião do 100.º
aniversário das Aparições de Fátima. Estou certo de que o povo português irá
receber o Papa Francisco com o mesmo espírito de amizade e de hospitalidade que
marcou as visitas dos seus antecessores ao nosso país.
Portugal é uma sociedade livre e plural, que respeita a liberdade religiosa
e de opinião, reconhecendo o valor histórico das relações com a Santa Sé e a
presença multissecular da fé católica entre nós. Eis um motivo adicional para
saudar o Santo Padre no quarto aniversário do seu pontificado, que todos
desejamos seja venturoso e longo de muitos anos.”
Além das
convenientes afirmações encomiásticas sobre o povo português e as suas
caraterísticas de liberdade, pluralismo e hospitalidade, Marcelo Rebelo de
Sousa sublinha a universalidade da perceção da postura e do discurso do Pontífice,
a sua intrépida defesa dos valores universais da paz e da justiça e a ligação
deste aniversário ao centenário de Fátima, em que se enquadra a visita de
Francisco como “peregrino com Maria na esperança e na paz”.
É
óbvio que, na sua qualidade de Chefe de Estado num regime aconfessional, o Presidente
não podia nem devia dizer muito mais, mas disse o que lhe competia, do meu
ponto de vista.
Todavia,
é justo anotar alguns dados marcantes do Pontificado.
Desde
logo, o exercício normal dum sacerdote que diariamente celebra missa com a participação
de outros sacerdotes e leigos, produzindo homilia de semana, mas a pinçar temas
importantes; alocuções de tom coloquial, mas abordando com profundidade as temáticas
em causa; a dedicação de tempo ao discurso de resposta a questões que lhe
colocam face a face; homilias e catequeses mais curtas que a generalidade dos
seus antecessores; não mudança da doutrina, mas nova forma de a encarar,
olhando as pessoas e abrindo para outros procedimentos.
Se
falarmos de viagens apostólicas, o Papa não tem polvilhado o mundo com deslocações,
mas tem ido a sítios marcantes, quer pelo lado das experiências de sofrimento, pobreza
e descarte, quer pelo das grandes questões político-sociais e dos direitos,
liberdades e garantias, quer pelo do ecumenismo e do diálogo inter-religioso,
quer ainda pelo das celebrações intercontinentais das JMJ. Já discursou no
Parlamento Europeu, no Conselho da Europa, na sede da ONU e no Congresso
norte-americano.
Depois,
o discurso papal convive muito bem com a aliança entre a profundidade
espiritual da misericórdia e a expressão concreta da justiça e da caridade à
luz da economia da História da Salvação espelhada na Bíblia e, em especial, nos
Evangelhos; a complementaridade entre a oração e a vida ativa; a diversidade de
postura e funções de sacerdotes, diáconos e leigos, afastando os laivos de clericalismo
e pondo o acento no estatuto que o batismo confere aos cristãos.
Segundo
a Rádio Vaticano, “este quarto ano foi denso de
momentos e documentos do magistério. Foi o ano da Exortação Apostólica Amoris Laetitia e do abraço histórico
com o Patriarca Kirill em Cuba, o ano da JMJ de Cracóvia, e da visita ao campo
de concentração de Auschwitz, da canonização de Madre Teresa de Calcutá e da
viagem ecuménica a Lund, na Suécia, pelos 500 anos da Reforma”.
E Guilherme d’Oliveira Martins, em declarações à
agência Ecclesia, sustenta que Francisco veio retomar, “com elementos de
mudança”, as grandes linhas de João XXIII, João Paulo II e Bento XVI. Com efeito,
o administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian e presidente do
Centro Nacional da Cultura destaca a forma como o Papa dá atenção aos “sinais
dos tempos” e à “causa da paz”, na esteira de João XXIII e de João Paulo II. E realça
o modo como Francisco tem estado presente no centro do debate sobre a justiça
social e a economia.
Mas adverte para a necessidade de “não esquecermos
uma encíclica extraordinariamente importante, e que está bem presente neste
pontificado, que é a ‘Caritas in veritate’,
do Papa Bento XVI, muito clara, muito dura, contra a economia de casino, contra
o curtíssimo prazo, contra as ilusões, contra mercado e uma economia que mata”.
No entanto, para Guilherme d’Oliveira Martins, existem “elementos de mudança” na
ação de Francisco, que podem ser separados “em dois domínios”: o “arrumar da
casa”, ou seja, a “organização” da Santa Sé; e a parte mais “pastoral”. Sobre o
primeiro, lembra o trabalho que o Papa tem desenvolvido na reestruturação da
Igreja Católica e do Vaticano, de modo a “não haver qualquer névoa
relativamente ao cumprimento estrito dos princípios”, em matérias como o
combate ao crime financeiro e à pedofilia. E salienta:
“Isto levanta para
alguns incómodos naturalmente, mas são exatamente os mesmos incómodos que Jesus
Cristo ao chegar ao templo e ao ver os vendilhões, tomou uma atitude clara e
inequívoca, e este Papa não esquece essa atitude”.
Quanto ao domínio pastoral, sustenta que
Francisco tem dado sinais de “uma grande coerência” entre “o respeito e a
salvaguarda dos princípios” que devem reger a Igreja Católica e a “compreensão”
que deve ser dada a quem mais precisa, “ao próximo”. E é neste campo que
assenta também a preocupação do Papa pelas “periferias”, por uma sociedade que
aponte a um apoio mais efetivo aos mais pobres e que mais precisam; por uma
Igreja Católica que não se deixe ficar “fechada sobre si” mas que saiba sair
“em missão”. E completa:
“O Papa Francisco, com
entusiasmo, com inteligência, com determinação vem dizer que é indispensável
que a Igreja Católica tenha uma presença no mundo contemporâneo mas
simultaneamente há a presença da dignidade humana”.
***
Espera-se,
pois, que o obreiro do Evangelho entre os pobres não desanime e prossiga ao timão
da Ecclesia semper reformanda e
empenhada no cuidado da Casa Comum.
2017.03.13 – Louro de Carvalho
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