Ou li mal ou estou desatualizado, mas a OCDE não
pode defender avaliação de professores “para detetar e melhorar falhas”.
Todavia, é o título que a generalidade dos jornais on line dá à notícia da publicação dum estudo daquele organismo
internacional sobre a avaliação de professores. É óbvio que a avaliação de
professores, aliás como a de qualquer outro profissional, tem em vista detetar
falhas no desenvolvimento profissional a partir do desempenho observável, mas
não pode visar a melhoria das falhas. Pode ser um preciosismo, mas se queremos
“melhorar” as falhas, torná-las-emos maiores e mais vincadas. De resto, é
obrigação de quem produz um relatório e de quem o publicita escrever com um
mínimo de rigor e com a necessária precisão de linguagem.
O objetivo da avaliação profissional tem de ser
naturalmente a deteção de práticas insuficientes e lacunares e a sua
ultrapassagem através da alocação de meios adequados, melhorando assim o desenvolvimento
profissional e, por consequência, procedendo à divulgação das boas práticas com
vista à exemplaridade.
No caso dos professores, a avaliação de
desempenho deve ter em vista obviamente o desenvolvimento profissional, pela
deteção de lacunas na prestação do serviço educativo, bem como pelo
fornecimento de apoio à melhoria da atividade docente (letiva e não letiva). Por outro lado, deve redundar na introdução de melhorias no processo de
ensino/aprendizagem – ao nível da programação e planificação, organização e
funcionamento, prática didático-pedagógica, preferencialmente a partir do
trabalho de projeto, servido pela interdisciplinaridade e pela flexibilidade
curricular à seria, e pela avaliação do trabalho realizado –, deve postular a
divulgação das boas práticas e, em conexão com a avaliação da organização
escolar em concreto e seus contextos, tem de levar à introdução de alterações
no sistema educativo, nomeadamente pela revisão das orientações curriculares e
didático-pedagógicas e pela administração e gestão dos estabelecimentos de
educação e de ensino. Talvez a avaliação da escola e dos professores levasse a
duas coisas de que o poder político não quer abrir mão: a eliminação
organizacional dos agrupamentos de escolas e a alteração do modelo de
administração e gestão atual em que o diretor como que suspende a sua função de
professor para ser o regedor (mais ou menos democrático, com
os seus cabos de ordens) da tribo disseminada por vários clãs e o servidor burocrático em diversas
aplicações informáticas, mal tendo tempo para se coçar, dado o aperto de prazos
e constantes solicitações.
Se calhar, a OCDE até poderá ter alguma razão,
mas coloca mal a ênfase na questão portuguesa – ou então os portugueses leem
mal os relatórios – querendo resolvê-la a jusante, quando há que intervir a
montante.
Desde logo, é de repensar o recrutamento e
seleção dos candidatos à formação inicial de docentes, criando-se incentivos
para que ingressem nos cursos de formação de professores indivíduos com reais
apetências para a docência, fazendo-se uma seleção criteriosa com base no
percurso escolar e no apuramento para os diversos cursos específicos e não se
contentando o sistema com aqueles que não quiseram ir ou não tiveram hipótese
de ir para outras áreas. Depois, a formação deve ser estruturada de modo que
prepare os alunos para a sua área específica de atividade docente, mas sem
perder de vista a índole holística da educação e da atividade humana e sem
deixar de lhes fornecer a suficiente formação em administração e gestão. Além
disso, é mister oferecer aos professores ao longo da carreira docente módulos
de formação contínua e/ou especializada nas respetivas áreas científicas e
técnicas, na administração e gestão, na educação especial, na ação social e na
supervisão. Mais a formação contínua deveria ser obrigatória, gratuita e
acessível geograficamente, sempre que haja alteração de currículos escolares e
programas disciplinares, novos perfis de aluno e/ou de formação, novos cursos,
novas disciplinas ou envolvimento em novos projetos nacionais, regionais ou
locais. Não pode o Estado expor os professores à volúpia formativa paga de
instituições de ensino superior e das editoras. E, se essa formação contínua
e/ou especializada se processasse na modalidade de oficina de formação (sessões presenciais e sessões com os alunos com a supervisão de formadores), uma parte considerável da avaliação
profissional de docente já ficava feita.
Por outro lado, a avaliação decorrente da
supervisão pedagógica – a nível da
planificação da unidade didática e da aula, do desenvolvimento dum conjunto
coerente de aulas e da reflexão avaliativa do trabalho realizado – devia
ser confiada a docentes com formação em supervisão e não a franco-atiradores
que vão a uma pretensa ação formativa de meia dúzia de horas e uma dúzia de
papéis ou diapositivos. Caso contrário, a tentação é para a pesquisa de falhas
ou para o cumprimento de calendário.
***
O estudo da OCDE – “Effective Teacher
Policies” – ficou vertido num relatório
que, pelos vistos, mostra que avaliação de professores com o objetivo de
detetar as falhas e provocar a melhoria da prestação do serviço docente é uma
das políticas aplicadas nos países onde os alunos conseguem obter melhores
resultados escolares. A ser assim, é de concluir que não estaremos tão mal como
alguma opinião pública quer fazer acreditar. Com efeito, os resultados das
últimas baterias do PISA têm deixado políticos e observadores satisfeitos.
Todavia, a OCDE analisou as políticas de desenvolvimento profissional dos
professores para tentar descobrir quais as medidas que podem fazer a diferença.
E, entre as estratégias aplicadas em 72 países e economias analisadas, os
investigadores encontraram três pontos comuns nas políticas dos
países com melhores desempenhos: a criação de “mecanismos de avaliação de
professores com um forte foco no seu desenvolvimento contínuo”; a
necessidade de um “período obrigatório e prolongado de prática”
durante a formação inicial (para os jovens que se iniciam na carreira), bem a necessidade da existência de formação continua e variada ao longo da vida; e a
conveniência de os professores mais experientes apoiarem os mais jovens
“nas tarefas mais desafiadoras”, bem como a necessidade da existência de ações
“de desenvolvimento profissional sob medida”, para que os docentes tenham as
habilidades necessárias para conseguir trabalhar, em especial, nas escolas mais
desafiantes.
Assentando no pressuposto de que os professores são a peça chave
para o sucesso dos alunos – Os nossos
políticos e os fazedores da opinião pública, ouçam isto! –, a OCDE
lembra, a talho de foice, a necessidade de criar condições para que
consigam fazer o seu trabalho.
Na tentativa de perceber como é que os professores podem afetar a equidade
do sistema educativo, os investigadores inferiram que os docentes com mais formação e experiência devem estar “nas escolas
e salas de aulas mais desafiadoras”. Contudo, ter-se-ão esquecido de que
o arrastamento dos professores na carreira – Como é que se pode estar numa docência ativa, para lá dos 58 anos, para
mais numa escola problemática ou desafiante? – faz-lhes perder eficiência,
sobretudo pelo cansaço natural, falta de autoridade, hipercriticismo dos
clientes da ação educativa e ataque cerrado de alguma opinião pública. E há
muitos docentes por muito longo tempo não entrados na carreira, a juntar aos
docentes dos primeiros escalões que são muito mal pagos.
É ironicamente verdade que em muitas escolas problemáticas – não na maioria dessas escolas em Portugal
– estão professores mais jovens e com menos experiência. E os investigadores entendem
que se trata duma situação que é preciso inverter dando incentivos aos que
aceitam trabalhar com aqueles alunos. Não duvido de que a solução poderá passar
por aí. Todavia, é de ter em conta que, à medida que a idade avança, surgem as
fragilidades pessoais, dado que a docência é profissão de desgaste psicológico.
Talvez fosse de explorar a possibilidade de aliviar da prática docente direta
muitos dos docentes já adiantados em idade e em experiência e colocá-los no
acompanhamento e apoio a professores mais jovens.
É certo que países como a Austrália, Inglaterra, França, Alemanha, Suécia
ou Estados Unidos da América entenderam como positivo aumentar os salários dos
docentes que dão aulas em escolas remotas ou problemáticas ou reduzir-lhes o
horário de trabalho. Já em Portugal, como refere o
relatório não existem políticas de discriminação positiva para quem
aceita estes desafios. Assim, as escolas mais desafiantes acabam por ser as que
têm mais professores jovens, com menos formação e com mais contratos a termo.
Não sei se a OCDE – não sou capaz de
aferir a validade da amostra – tem em boa conta a razoabilidade de a
colocação dos professores na nossa escola pública resultar de concurso nacional
com base na graduação profissional, o que lhe confere uma boa dose de equidade.
Provavelmente, o que sucede é que nas escolas problemáticas e nas outras
coexistem os diversos tipos etários e experienciais de docentes, em virtude das
regras que enformam os procedimentos concursais, sendo que na mesma escola
turmas mais problemáticas venham a ser entregues a professores mais novos e menos
experientes, talvez mesmo ainda não entrados na carreira.
Ora, a alocação de docentes ao acompanhamento da atividade de docentes
menos experientes poderia resultar de destacamento ou doutra figura de
mobilidade sem perturbar a colocação concursal.
***
Também o relatório conclui que a idade dos docentes é importante
para o sucesso académico dos alunos, pois da análise da situação em
25 países da OCDE resulta que nas turmas com professores com mais de 30 anos
houve uma redução das taxas de reprovação. Por outro lado, Portugal e França são precisamente os países com as taxas de
reprovação mais elevadas, apesar de terem vindo a reduzir essa
percentagem, segundo dados que compararam a situação vivida em 2005 e em 2015. Não
sei se nos países de bons resultados os professores estão durante tantos anos no
ativo da lecionação e se ganham tão poucos euros…
Sendo certo que, para ter bons professores é preciso atrair os melhores
alunos para a profissão, os dados recolhidos pelas investigadores mostram outra
realidade: apenas 4,2% dos alunos de 15 anos dos países da OCDE tinham como
plano futuro ser professor; e é nos países onde os salários dos docentes são
mais altos e as condições de trabalho são melhores que se encontram mais jovens
a querer seguir aquela carreira.
Ora, em Portugal, apenas 1,3% dos jovens que pretendem prosseguir estudos no ensino
superior têm como objetivo seguir a profissão de professores,
ficando assim entre os 13 países com uma taxa abaixo de 1,5%, a par da Letónia,
Canada, Dinamarca, Albânia, Colômbia, República Dominicana, Estónia, Indonésia,
Jordânia, Peru, Qatar e Emiratos Árabes Unidos.
***
Para lá
de tudo isto, é de assinalar que Portugal parece ter gosto de andar ao contrário.
O Estatuto do Aluno e de Ética Escolar
ainda em vigor proíbe a introdução e o uso de meios eletrónicos na sala de aula
e em atividades similares, a menos que o professor ou quem gere as preditas
atividades o requisite, recomende ou autorize. Agora, com a propalada flexibilização
curricular, professores e gestores escolares saúdam a entrada do telemóvel e do tablet como instrumentos de modernização.
Ora, segundo as mais recentes informações, o Governo
francês vai proibir telemóveis – medida que vai abranger o ensino básico e secundário, sendo
que as escolas vão poder decidir a melhor forma de a aplicar. Com efeito, o Ministério francês da Educação aprovou,
no passado dia 7, uma “interdição efetiva” que proíbe os alunos de levarem
telemóveis para a escola. De acordo com o jornal Le Monde ,
o Governo defende a medida como sendo um “sinal para a sociedade”.
Assim, a partir do próximo ano letivo, todos os alunos do ensino básico e secundário terão de deixar os
telemóveis em casa. A proposta de lei foi aprovada com os votos a favor dos
partidos A República em Marcha (LRM), de Emmanuel Macron, do Movimento Democrático (MoDem) e da União dos Democratas e
Independentes (UDI). Para os
restantes partidos, a proposta é “inútil” e configura “uma simples
operação de comunicação”.
De acordo com predito jornal, o Ministro da Educação, Jean-Michel Blanquer,
apresentou a proposta de lei como “lei do século XXI” e uma
“medida de desintoxicação” para combater a distração nas salas de
aula e também o “bullying”. E
disse que “estar aberto às tecnologias do futuro não significa aceitá-las
para todos os efeitos”.
Por sua vez, o Ministro da Justiça, François Bayrou, referiu o aumento dos
roubos de telemóveis e a obsessão com as marcas da moda.
Sobre esta nova lei, as escolas terão poder para decidir a forma como
aplicá-la, podendo optar por colocar os telemóveis em bolsas
específicas dentro das mochilas, podendo estes ser acedidos em casos
mais urgentes, ou então proibi-los totalmente, sob a pena de
sanções.
Tudo sistemas educativos deste século e deste mundo e opções diferentes. Tudo
depende do que se entende por relevância da educação e que quanto e como se
quer investir nela!
2018.06.11 –
Louro de Carvalho
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