Embora do debate
parlamentar de hoje, dia 5 de junho, se destaque como tema predominante o falhanço das negociações entre Governo e professores,
a discussão política na Assembleia da República persistiu no sistema de
mosaico, como vem sendo usual nestes eventos. Com efeito, tratando-se de
debates no formato da alínea b) do n.º 2 do art.º 224.º do Regimento da AR, os
partidos com assento parlamentar têm a liberdade da escolha, devendo comunicar ao Governo, com a
antecedência de vinte e quatro horas, os temas das suas intervenções.
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Como se disse, o tema
que predominou neste debate foi a questão que separa o Governo e os sindicatos
dos professores, confessando-se os partidos à esquerda do Governo, e que o têm
apoiado, surpreendidos pela
“prepotência” do Governo. Mas também o PSD e o CDS se fizeram ouvir nesta
matéria. Por isso, pode dizer-se que não terá havido bancada parlamentar para
onde António Costa se voltasse que não atirasse com doestos pelo modo como o
Executivo está a conduzir as negociações com a classe docente, que responde com
a ameaça de greve a avaliações, incluindo exames, e a aulas no início do
próximo ano letivo.
Já raiava no horizonte que a carreira docente fosse tema quente deste debate
quinzenal, num momento em que a corda parecia prestes a partir-se. Os
sindicatos querem recuperar os nove anos de carreira, quatro meses e dois dias que
os professores viram congelados; e o Governo oferecia dois anos e nove meses,
mas ameaçou retirar a proposta devido à “intransigência” dos sindicatos. Ora,
como o Governo vem dizer que, se os sindicatos voltarem a aceitar as condições
governamentais, a oferta do Governo voltará à mesa negocial, a esquerda acusa
agora o Governo de chantagem, no seguimento do que já alguns sindicatos tinham
concluído ontem.
Sobretudo a esquerda aponta dois motivos de tensão acrescidos: por um lado,
o Governo acabou por concordar, em novembro de 2017, com a inclusão no
Orçamento do Estado de um artigo que previa a discussão da forma como o tempo
seria recuperado através de negociação com os sindicatos; por outro, em
dezembro, uma resolução da Assembleia da República – PS incluído – ditou uma
recomendação ao Governo para que recuperasse na totalidade o tempo que ficara
congelado. Com base nestes dois factos, sucederam-se as acusações dos parceiros
do Governo: o Executivo é “arrogante”, “prepotente”, “intransigente” e faz uma
“chantagem insólita”.
O Primeiro-Ministro escudou-se na falta de dinheiro para repor todos os
anos de carreira perdidos: “Não temos 600 milhões de euros!”. E explicava não
se tratar de investir este dinheiro num só ano, mas de despender a mesma soma
em cada um dos anos (de 2011 a 2017),
esquecendo que os sindicatos estão abertos ao faseamento e ao gradualismo. Além
disso, temos dinheiro, mas para injetar no Novo Banco e, como admitiu Centeno,
no Montepio, se for necessário.
Por seu turno, o PSD acusou o Governo de querer “satisfazer todos” e o CDS
de “queimar a credibilidade” na educação. Para todos, à esquerda e à direita, a
resposta foi única: o Governo não negoceia com “intransigência” e os 600
milhões de euros – valor estimado para a reposição total do tempo congelado – simplesmente
“não existem”.
Sendo este o tema mais acalorado do debate não foi o único, como se disse e
adiante se verá.
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Sobre as negociações entre professores e Governo, o PSD, pela voz de
Fernando Negrão, acusou o executivo de ter levado a acabo uma “estratégia de satisfazer
todos a todo o tempo” e questionou o Primeiro-Ministro se os professores seriam
agora a primeira classe a ser alvo do abrandamento da economia europeia. E António
Costa discorreu:
“Dois anos, nove meses e 18 dias. Esta
foi a proposta apresentada em março num período de negociação de boa-fé. O que
o Governo encontrou do outro lado foi 9 anos, 4 meses e 2 dias e nem menos
hora. E as reuniões foram-se sucedendo e a proposta foi sempre 9 anos,
quatro meses e dois dias e nem menos hora.”.
Esquecendo que o avanço do tempo não altera a
matemática vital dos números, acrescentou:
“O
acordo [com os professores] é de acordo com disponibilidades. Não há base para
fazer um acordo com base em intransigências. Fizemos a parte que nos competia,
não temos de dar lições do que os outros têm de fazer.”.
E, frisando que o descongelamento das carreiras
significa aumento da despesa em 90 milhões de euros este ano, 80 milhões em 2019
e 24 milhões em 2020 e assim sucessivamente, garantiu:
“É falso
que seja uma exceção e [os
professores] serão descongelados como os restantes funcionários do
Estado”.
Ainda no âmbito da educação, o líder da bancada do PSD
pediu explicações sobre os resultados agora divulgados sobre as provas de
aferição, que defendeu mostrarem alunos mal preparados, o que põe em causa as
políticas de educação, e, caindo num equívoco de análise, atirou:
“É lamentável o que está acontecer na escola
pública”.
Aqui, o Chefe do Governo não perdeu a pitada e
retorquiu:
“Esses resultados dizem respeito a provas de
aferição realizadas em 2016, referem-se a anos de aprendizagem anteriores e não
ao ano em que este Governo exerceu funções”.
De facto, não se pode dizer que as metas curriculares rígidas estabelecidas
por disciplina e ano na administração educativa de Crato fossem de bom augúrio
em termos de eficácia e qualidade.
Mas Negrão perguntou o que pensa o Governo das propostas do PSD sobre o
apoio à promoção da natalidade. E obteve a dupla resposta de que o Executivo
pondera todas as propostas que são formuladas e que é preciso passar da
política de casos à política centrada nas pessoas.
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Carlos César, líder parlamentar do PS, escapou-se do tema mais esperado, o
do conflito entre Governo e professores, preferindo outros dois assuntos para
este debate quinzenal: os acordos na concertação social e a negociação para
fundos europeus. Também não são temas pacíficos: na legislação laboral, os partidos
da esquerda vão reapresentar e discutir propostas a 6 de julho, no Parlamento;
e, nos fundos europeus, as críticas à redução dos apoios são transversais à
esquerda e à direita – e foram corroboradas pelo Primeiro-Ministro.
César, referindo a “evolução bastante favorável, mas ainda insuficiente” na
negociação para os fundos europeus, insistiu que é preciso saber “como
conseguir ultrapassar as perspetivas iniciais mais negativas”. E Costa
reconheceu as dificuldades, dizendo que “temos
razões para não estarmos satisfeitos”. Apontando razões como o Brexit, que tornaram o quadro negocial
mais “difícil”, lembrou as prioridades para a negociação com a Europa: é preciso “assegurar o princípio de
transversalidade”, ou seja, tanto nos fundos estruturais como nos relativos
a temas como ciência, defesa ou migrações, Portugal deve poder bater-se em pé
de igualdade; reforçar os apoios na PAC (Política Agrícola Comum), já que se prevê que saia muito mais dinheiro (773 milhões
de euros) do Orçamento do Estado português:
“O país teria de pagar muitíssimo agora”.
Embora lhe pareça existir uma “evolução positiva” e um “trabalho construtivo”,
o Primeiro-Ministro considerou haver “aspetos gravosos”, pelo que prometeu
continuar o trabalho para maximizar os benefícios para Portugal nas negociações
que agora decorrem.
E César aduziu o tema da concertação social – o acordo da semana passada
não inclui a CGTP e já levou PCP e BE a adiantar que apresentarão propostas
laborais no Parlamento, a 6 de julho – vindo Costa a garantir que este é “o
primeiro acordo, em muitos anos”, que “combate a precariedade”, limitando
“recuos” futuros dos patrões. Com medidas como a redução dos tempos máximos dos
contratos a termo e as taxas para empresas que apostem na rotatividade dos
trabalhadores temporários, alcançou-se “um bom acordo, que cumpre o programa de
Governo”. “Estamos satisfeitos com o acordo que foi possível obter” – disse.
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O BE, invocando a paixão pela educação (de Guterres), partiu para o ataque com a contagem do tempo de
carreira congelado dos professores, acusando o Ministro de Educação de “chantagem
insólita” e, depois, para a negociação sobre leis laborais com a concertação
social, de que o Bloco diz não ter sido posto a par quando trabalhou sobre a
mesma legislação com o Governo.
A coordenadora do Bloco de Esquerda lembrou que não só o Parlamento
recomendou, em dezembro, ao Governo – com a aprovação do PS – a recontagem de
todo o tempo de carreira dos docentes como a negociação com os sindicatos ficou
prevista no OE 2018. E disse:
“Fomos surpreendidos pela chantagem
inédita do Ministro da educação. É insólito ver o Ministro fechar a
porta à negociação, negociação em que os sindicatos dizem até que a
recuperação, faseada, pode ir além desta legislatura.”.
E acusou o Governo de negociar de forma irresponsável: “Onde o Governo fala em negociação o país só
vê prepotência”.
Costa negou a prepotência e a chantagem, dizendo que o Governo cumpriu o
compromisso que do programa – “repor o cronómetro”, ou seja, descongelar as
carreiras sem fazer referência ao tempo que ficou para trás – e fez uma
proposta em que os docentes recuperariam 2 dos 9 anos congelados, sendo que “a
proposta dos sindicatos, que nunca evoluiu, tinha um impacto de 600
milhões de euros”. Às respostas de Catarina Martins juntaram-se de
outros deputados do BE, com Mariana Mortágua e José Manuel Pureza a protestar
dos seus lugares na bancada: “Lá se vai o
défice zero, esse é que é o problema”.
Além de criticar os prazos do grupo de trabalho do Governo que está a
estudar nova lei de bases para a Saúde, que os bloquistas dizem serem impeditivos
de avançar com ela nesta legislatura, Catarina Martins criticou o facto de algumas
propostas aprovadas na concertação social não terem passado pelos partidos de
esquerda e disse que de novo o BE foi “surpreendido”:
“O Governo alterou o acordo unilateralmente
para fazer uma proposta ao patronato que anula boa parte das medidas [que
combatem a precariedade]. Porque é que o Governo nunca apresentou à esquerda o
alargamento do período experimental? Para que servem inúmeras exceções à taxa
[para empresas que abusam da rotatividade] aprovada? Com tanta exceção, quanto
pensa o Governo que a medida vale?”.
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O acordo entre o Governo e os “parceiros do costume”,
na concertação social, foi a principal preocupação referida pelo
secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, que sustentou:
“Não se combate a precariedade quando se
estabelece o nível de precariedade dita aceitável. Isto não é combater a
precariedade, é tolerá-la e legalizá-la.”.
Se para o PCP medidas como a taxa sobre empresas que
abusem da rotatividade e a extensão do período experimental nos contratos sem
termo são sinal de que o Governo não está a resolver o problema, para Costa é o
contrário: “a precariedade combate-se com as políticas que temos vindo a
adotar” – não se trata de legalizar a que é “aceitável”, mas punir a que é
“excessiva”. Mas Jerónimo discordou e, com base na experiência acumulada,
disparou a seguinte ironia:
“Já andamos cá há muito tempo. Se isto fosse
de caráter globalmente positivo para os trabalhadores, acredita que via lá a assinatura
das grandes confederações profissionais? É ingénuo e é enganar-se a si próprio.”.
O PCP classificou o caso dos professores de “inaceitável”
ao fazer-se de conta que a contagem não está prevista no Orçamento”: “Não há volta a dar”. E Costa
encastelou-se nos “600 milhões de euros” e dali não saiu.
O líder comunista questionou ainda o Governo sobre
problemas que estão a ocorrer com o IRS de pensionistas que tiveram o seu aumento
extraordinário no ano de 2017 e que deixaram, por isso, de beneficiar das
deduções, mas o Primeiro-Ministro assegurou que o problema já foi detetado e
será resolvido sem que tenham de apresentar reclamações.
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Heloísa Apolónia, do PEV, defendeu que a única questão
a ser negociada com os sindicatos dos professores era o prazo e modo para a
reposição do tempo de carreira congelado. Em resposta, Costa garantiu que
a resolução e a norma prevista no OE 2018 estão a ser cumpridas. Dizendo que
sabe o teor a Resolução da AR (que recomenda) e da
norma do OE (que obriga),
acusou os sindicatos de não terem disponibilidade para negociar e insistiu na
adução dos 600 milhões.
Heloísa Apolónia negou que os valores envolvidos ao
contar todos os anos de carreira sejam tão altos e sublinhou que seria uma
reposição faseada. “Parece que o Governo
é que queria que custasse 600 milhões”, acusou, após ter referido que o
Executivo está a fazer “chantagem” com os sindicatos e a “subverter” tudo o que
foi acordado.
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Em resposta à líder do CDS, que perguntou se o Executivo iria procurar
outro negociador – que não o Ministro da Educação – ou se iria colocar em
“risco” as conversações, Costa assegurou que, quando os sindicatos de
professores quiserem retomar as negociações, a proposta do Governo – de contar
2 anos e 9 meses para as carreiras – mantém-se em cima da mesa e que o
Executivo continua disponível para negociar. E disse:
“O Governo tem o dever de negociar com todos
os sindicatos, incluindo com a FENPROF – que vocês [CDS] tanto diabolizavam há
um ano. A resposta que tivemos foi de intransigência. Quando proponho e do
outro lado não há resposta, deixa de ser um diálogo e passa a ser um monólogo.
E uma negociação sem contraposta é um monólogo e isso não faz sentido.”.
Assunção Cristas acusou o Governo de “queimar toda a
credibilidade em áreas como a saúde e a educação”, sobretudo agora ao “fechar
as portas à negociação com professores”. E foi-lhe dito:
“O que não fazemos é um acordo
unilateralmente. A negociação é: eu proponho, o outro lado aceita ou
contrapropõe. É assim que funciona. No dia em que os sindicatos quiserem voltar
a negociar, a proposta está em cima da mesa.”.
A líder centrista perguntou ainda a Costa se o Governo
pretendia reforçar os fundos para a agricultura, pois, segundo disse, “cabe-nos exigir que não aceite nenhum corte
no envelope da PAC nem nenhum corte na agricultura portuguesa”, alertando
ainda para o “fraco” crescimento económico de Portugal se comparado com os
demais países da OCDE e UE. E o Primeiro-Ministro respondeu que isto está a ser
negociado em Bruxelas.
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E com André Silva, do PAN, fechou-se o debate pela crítica à indústria da
carne e do leite com emissão de gases com efeito estufa e por um “quadro de
destruição ambiental”, sendo o Estado acusado de “pagar para poluir” através
dos apoios e isenções a estas indústrias poluidoras. E o Primeiro-Ministro
respondeu com ironia, “prestando solidariedade aos suínos e bovinos”, pouco
acarinhados pelo PAN”, e acrescentando que na próxima década se pretendem
combater os efeitos nocivos com medidas como o aumento das energias renováveis
na atividade agrícola.
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Tanta paixão aflorou neste debate: educação, natalidade, saúde,
agricultura, pensões, fundos europeus, trabalhadores, animais…um verdadeiro mosaico! Terá o Governo a
capacidade necessária e suficiente para responder a estas paixões exacerbadas? E
que fizeram delas os anteriores governantes? Em casa onde não há pão porque foi
deitado fora pouco vale ralhar e ter razão!
2018.06.05 –
Louro de Carvalho
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