sábado, 16 de junho de 2018

São 10 os anos que temos para suster a dissolução da Antártida


Sim, os próximos dez anos são decisivos para salvar a Antártida e o resto do planeta. E isso conseguir-se-á unicamente se houver a coragem da parte dos decisores políticos e económicos, bem como o contributo dos demais cidadãos, para cortar drasticamente nas emissões de gases com efeito de estufa, permitindo com isso que a imensa cobertura de gelo da Antártida, com os seus 3 a 5 quilómetros de espessura, se mantenha praticamente intacta no próximo meio século.
Só isso evitará efeitos negativos para todo o planeta e para a humanidade. Um deles é a subida do nível do mar em mais 30 cm, que, se suceder, mudará a face das zonas costeiras em todos os continentes. Por isso, a década constitui a encruzilhada em que se encontra o planeta e a decisão política ousada constitui a janela que se pode abrir para um futuro decente para a humanidade.
O aviso ficou plasmado, no passado dia 13, na revista “Nature” por um grupo de nove cientistas polares veteranos e premiados, entre os quais se inclui o português José Carlos Caetano Xavier, professor auxiliar e investigador no Departamento de Ciências da Vida, da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
Estes especialistas mostram, no artigo “Choosing the future of Antártica” (Escolher o futuro da Antártida), que, se as emissões de gases com efeito de estufa se mantiverem como até agora durante os próximos 10 anos, haverá grandes alterações na Antártida, entre as quais sobressai o degelo, “que a partir de certo ponto se tornam irreversíveis” e a suas consequências serão dramáticas. A este respeito José Xavier explicou ao DN:
Se continuarmos durante os próximos anos no cenário mais negativo, com o atual nível de emissões, torna-se impossível retardar o degelo, como demonstramos no nosso artigo”.
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O estudo que vem sendo feito na linha do último relatório, o de 2013, que integra um conjunto de 4 relatórios do IPCC (Painel Intergovernamental da ONU para as Alterações Climáticas), parte de dois cenários climáticos e apresenta uma simulação do que sucederá ao longo do próximo meio século a todos os níveis:­ temperatura, degelo, ecossistema e biodiversidade marinha, sistema climático e custos económicos disso tudo – tanto ao nível da Antártida como a nível planetário.
Os dois cenários do IPCC selecionados no estudo pela equipa são os dois extremos: o mais problemático, em que as emissões de gases com efeito de estufa continuam mais ou menos como neste preciso momento; e o mais benéfico, “em que tudo corre bem, com o Acordo de Paris a ser posto em prática sem problemas”, como explica José Xavier, anotando que “uma das coisas mais importantes deste trabalho é o facto de ambos os cenários serem plausíveis”. Ao invés de se lançarem em exercícios de futurismo e em estimativas, os investigadores optaram pelo contrário. Obtidos os dados para cada um dos cenários, criaram duas narrativas.
Em relação à menos problemática, escrevem o artigo a partir do futuro, no ano de 2070, como se então fossem observadores a olhar para o passado da Antártida e do planeta. E José Xavier acredita que, além das conclusões propriamente ditas do estudo, esse formato acaba por dar “força e impacto ao artigo”. Segundo o especialista, a ideia “é alertar a comunidade política” para a necessidade de tomar as decisões que se impõem “nos próximos 10 anos, para evitar grandes mudanças no planeta, como acontece no pior cenário, com um aumento da temperatura global da ordem dos 3º Celsius, a subida do nível do mar em mais 30 cm, e grandes mudanças ambientais, quer para a biodiversidade, quer para os oceanos”.
Por conseguinte, fica dito que precisamos de atuar já, pois é muito importante perceber que mesmo no cenário mais positivo haverá efeitos negativos, que devem ser minimizados.
No cenário mais negativo, a diminuição da cobertura gelada da Antártica sofrerá, por exemplo, uma redução de 23%, e no verão, a perda de gelo oceânico no mar austral pode chegar aos 43%. Ao mesmo tempo, as águas, devido à absorção contínua de dióxido de carbono (CO2), tornar-se-ão mais ácidas, afetando os crustáceos e as outras espécies de carapaça. E, em efeito de cascata, isso repercutir-se-á na produtividade dos ecossistemas e em toda a cadeia alimentar.
Ora, segundo os cálculos dos cientistas, ente os quais se inclui José Xavier, nesse cenário próximo da catástrofe, é preciso mobilizar anualmente quase dois biliões de euros a fim de “promover a redução das emissões de gases com efeito de estufa, através de um acompanhamento do Acordo de Paris, de uma boa gestão do Tratado da Antártida e da adoção de tecnologias verdes, entre outras decisões”.
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A atenção dada à Antártida não resulta de uma resolução caprichosa. Pelo contrário imaginava, não se trata meramente dum local remoto e imaculado da Terra, onde um punhado de cientistas se entretém e afadiga todos os anos a realizar estudos complexos. Ora, o que ali sucede tem implicações globais. Ou seja, como diz José Xavier, “as mudanças que ali ocorrerem podem ter efeitos importantes no clima, no nível do mar e nos ecossistemas marinhos do resto do mundo”. Por isso, como sublinha, é preciso “atuar já”, pois é pertinente saber que em qualquer caso haverá “efeitos negativos”.
Se no cenário mais negativo o aumento da temperatura fica uma unidade acima dos 2.ºC (em relação à era pré-industrial), o que os especialistas consideram como o limite máximo para o sistema climático não entrar em desequilíbrio, no cenário mais positivo, a temperatura sofrerá mesmo assim (até 2070) a subida de um grau em relação à era pré-industrial, e os oceanos ganham mais 6 centímetros de altura. E, no cenário de futuro melhor, a cobertura gelada da Antártida reduzirá 8% e a perda de gelo oceânico no verão não ultrapassará os 12%. Os custos económicos calculados para mitigar os efeitos costeiros, entre outros, apesar de serem menores neste cenário, rondarão de qualquer forma os 50 mil milhões de euros. Importa, assim, discernir qual dos cenários se verificará no futuro. Isso, porém, dependerá “do que se decidir politicamente na próxima década” em relação ao ambiente, como diz Xavier, que sustenta ser ainda “tempo de agir”, no entanto, advertindo que estamos já em contagem decrescente. Além disso, um outro estudo, publicado no dia 14, também na Nature, mostra que o degelo no Polo Sul está a acelerar.
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A 30 de janeiro de 2018, registava-se que Portugal contribuía mais uma vez para a logística necessária ao transporte de cientistas para a Antártida, tendo fretado um avião para levar 105 investigadores, dos quais 4 portugueses, com trabalhos nas ciências sociais, ambiente e alterações climáticas.
O Propolar (Programa Polar Português) referia, em comunicado divulgado no predito dia 30 de janeiro, que, “pela 7.ª vez, Portugal contribui para a logística científica na Antártida fretando um avião que transportará cientistas e técnicos entre Punta Arenas, no Chile, e o aeródromo Teniente Marsh na ilha de Rei Jorge, na Antártida”.
A missão, que partiu a 31, foi a âncora da Campanha Antártica Portuguesa 2017-18, que decorreu até março, período de verão na região, em conjunto com os vários países parceiros.
Os voos de ida e volta, coordenados pelo Propolar levaram quatro investigadores portugueses à Antártida, proporcionando também transporte a 101 investigadores dos programas búlgaro, chinês, espanhol e sul coreano.
A atual campanha antártica integra seis projetos de investigação, com um total de 14 cientistas no terreno (10 portugueses, três espanhóis e um norte-americano) que trabalham nas ilhas de Rei Jorge e Livingston (Arquipélago das Shetlands do Sul) e em Cierva Cove (Costa Danco, Península Antártica).
É certo que Portugal não possui infraestruturas na Antártida, mas as campanhas nacionais apoiam-se na cooperação internacional estabelecida pelo Propolar na última década, com países como a Argentina, Bulgária, Brasil, Chile, China, Espanha, Estados Unidos da América, Peru, República da Coreia e Uruguai.
A campanha portuguesa 2017-18 é financiada pelo Propolar, através da FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia), tutelada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior.
Os projetos nacionais são coordenados por 6 universidades e centros de investigação públicos, principalmente nas áreas das ciências sociais, da criosfera, do ambiente e da Terra, alguns visando estudar os efeitos das alterações climáticas.
É de esclarecer que a “criosfera” (do termo grego “kryos”, que significa glacial, frio ou gelado) é a quinta das cinco esferas em que os cientistas classificam a Terra. É constituída por regiões da superfície terrestre cobertas permanentemente por gelo e neve e aquela parte do solo que contém gelo. Estas regiões cobrem 10% da superfície terrestre e têm enorme importância na regulação dos processos hídricos e atmosféricos.
A “criosfera” inclui: mantos e calotas de gelo, geleiras, mar congelado (gelo marinho), lagos e rios congelados, permafrost (solo e rochas congeladas) e neve sazonal.
Recorde-se que a água congelada representa 80% de toda a água doce disponível na Terra.
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Já em 12 de outubro de 2017 os cientistas alertavam para a gravidade do problema a partir da Antártida. Até ao mês anterior pensava-se sobretudo no degelo polar. Entretanto, os cientistas descobriram um enorme buraco na cobertura de gelo na Antártida. Não se via um buraco deste tamanho no gelo há 40 anos – diziam. E o buraco é maior que a Irlanda – tendo mais de 77 mil quilómetros quadrados – e é o maior do género encontrado no oceano Antártico desde 1970.
Os cientistas tentam saber que impacto o buraco – conhecido como polínia – pode ter no clima e no oceano antártico e se é resultado das alterações climáticas, segundo Kent Moore, professor de física da Universidade de Toronto, que declarou, segundo o National Geographic:
Não percebemos realmente quais são os efeitos a longo prazo desta polínia”.
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Antes de prosseguir, é de explicar o significado de alguns termos. Assim, “Polínia designa, em glaciologia, a água rodeada por gelo, ou seja, qualquer área de águas abertas no meio da banquisa ou do gelo fixo e que não tenha forma linear. E Banquisa” é a camada de gelo que cobre grandes extensões dos mares polares, com maior espessura junto das costas, proveniente da congelação da água do mar. Designa um campo de gelo, sem mais, ou banco de gelo que impede o acesso de embarcações à barra ou, ainda, banco de gelo resultante do congelamento de água do mar.
E Banquisa” ou “banco de gelo é, em qualquer caso, água do mar gelada, que começa a formar-se aos -2°C, originando uma camada delgada que se parte facilmente.
Os pedaços maiores, na banquisa, engrossam e aglomeram-se, recolhendo na periferia os pedaços mais pequenos: é um gelo em placas que se ampliam na base e acabam por soldar-se, constituindo então o “gelo novo”. Transportada pelas correntes, a banquisa fratura-se e torna a soldar-se, formando, na linha de contacto entre os blocos, “arestas de pressão”, cristais de gelo com o equivalente em profundidade. O gelo estacional forma-se na periferia das zonas polares. Noutros locais, origina a banquisa permanente (ou plurianual), que pode atingir 30m de espessura, com arestas até 70m de profundidade. A banquisa pode derreter um pouco à superfície, mas regenera-se em profundidade. O gelo do mar incorpora muito pouco sal (nunca mais de 5 g/l).
Não se confunde banquisa com icebergs, que são água doce gelada, trazida até ao mar pelos glaciares, nem com a polínia (qualquer área de águas abertas no meio da banquisa ou do gelo fixo, que não tenha forma linear).
A maior parte da banquisa ártica gira permanentemente no Oceano Ártico. Os navios de outros tempos, presos na banquisa, eram frequentemente esmagados. Os modernos quebra-gelos conseguem atravessar banquisas com alguns metros de espessura, mas certas regiões continuam inacessíveis; os Arktika conseguiram, contudo, chegar ao Polo Norte em 1977. Desde 1958, submarinos nucleares atravessam o oceano Ártico a norte da Gronelândia por baixo da banquisa.
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Em 2017, os cientistas do Observatório para o Clima e Carbono do Oceano Austral encontraram uma polínia na Antártida e, por isso, começaram a vigiar a área com satélites. O buraco agora descoberto ultrapassa em muito a dimensão do buraco anterior, que desapareceu entretanto.
Os cientistas estão espantados por encontrar este buraco, quando até ao ano passado não havia registo de novas polínias há 40 anos. Segundo o Businsess Insider, em 1970 foi encontrada uma polínia que chegou aos 778 000 Km2 e é um pouco maior do que a Turquia.
Kent Moore explicou a propósito:
É notável que esta polínia tenha desaparecido durante 40 anos e regressado. Durante o inverno, durante mais de um mês, tivemos esta área em mar aberto.”.
Estes buracos são formados porque a água profunda do oceano antártico é mais quente e salgada que à superfície, como explica a National Geographic. As correntes trazem a água mais quente para cima e esta derrete as camadas de gelo que se formaram na superfície do oceano. É então formado um ciclo, que dificulta a formação de novas camadas de gelo nas polínias: quando a água quente entra em contacto com a atmosfera fria arrefece e desce (movimento catabático, de “catábase”, descida – do grego Κατάβασις – κατὰ, “baixo”, βαίνω, “ir”). No fundo do mar reaquece e sobe (movimento anabático – de “anábase, subida, ascensão; em grego: Ἀνάβασις - Ἀνά, “para cima” + βαίνω, “ir”).
O Observatório para o Clima e Carbono do Oceano Austral quer perceber o que levou ao aparecimento desta polínia após tantos anos e como afeta a atmosfera e o oceano.3
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Enfim, é preciso ter coragem para decidir e contribuir para travar as alterações climáticas: degelo, subida das águas oceânicas, descaraterização das costas, aumento das temperaturas – com efeitos nefastos na vida das pessoas. Ainda estamos a tempo de minorar as consequências!
2018.06.15 – Louro de Carvalho

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