sábado, 29 de abril de 2023

Provedora de justiça acusa perda de confiança dos pensionistas

 

A 29 de abril, o Expresso online publicou um texto da jornalista Liliana Valente, que pouco esclarece em relação à matéria em causa, sobretudo no atinente à asserção de que a provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, decidiu não enviar para o Tribunal Constitucional (TC) “a suspensão da atualização das pensões em 2022”..  

Refere que provedora não concorda com a forma como o governo decidiu fazer a atualização das pensões ou com os métodos como está a atribuir apoios sociais, para fazer face à inflação, sustentando que está a haver uma perda de confiança. Porém, diz a jornalista, decidiu não enviar para o TC a suspensão da lei (?) de atualização das pensões que lhe tinha sido pedida pela Associação de Aposentações, Pensionistas e Reformados (APRe!).

Por outro lado, anota que a atualização das pensões não é a única medida do governo a ser avaliada pela provedora, mas que todas as medidas de apoios diretos do Estado, nos últimos meses, estão debaixo do seu escrutínio, visto que a sua atuação não se esgota na legalidade das medidas, mas visa também a avaliação da sua justiça. E, no caso das pensões, entende que o governo não foi claro e que isso causou incerteza nos pensionistas, causando perda de confiança, como consta em missiva de resposta à queixa da APRe!.

Esta associação tinha pedido, em janeiro, à provedora que avaliasse a decisão do governo, do ano passado, de aumentar as pensões de 2023, apenas pela metade do valor da inflação e atribuindo o remanescente numa prestação extraordinária, antecipada em outubro de 2022. Todavia, apesar de considerar que esta metodologia viola a “confiança” dos pensionistas, Maria Lúcia Amaral não entende que esteja em causa a violação do princípio constitucional da proteção da confiança, princípio que os juízes do TC, sendo a atual provedora, nessa altura, sua vice-presidente, julgaram ter sido posto em causa, quando decidiram, em 2013, pela inconstitucionalidade da convergência dos sistemas de pensões – da Segurança Social e da Caixa Geral de Aposentações, que levaria a um corte de 10% nas pensões que estavam em pagamento, acima de 600 euros.

Porém, o TC não se pronunciou sobre eventual decisão de cortes em pensões futuras. Além disso, o seu presidente de então, Sousa Ribeiro, esclarecia que nunca se afirmou, nem se afirmava “a intangibilidade das pensões”. Ou seja, entendiam os juízes do Palácio Ratton que mexer em todas as pensões podia, legitimamente, ocorrer no âmbito da restruturação de todo o regime por via parlamentar.  

Diz a jornalista que o envio do diploma para o TC, pela provedora, era a última esperança da APRe!, para que tal fosse avaliado, uma vez que o Presidente da República não o fez, tendo ponderado apenas fazê-lo, se, para 2024, não fosse reposta a base integral para atualização das pensões. Por sua vez, os deputados, até agora, não se uniram para requerer ao TC a apreciação sucessiva da constitucionalidade ou da legalidade do diploma ou dos diplomas em causa.

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Ora, como se joga com a ambiguidade do termo “confiança”, é oportuno refletir sobre o caso.

A provedora sustenta que os pensionistas estão a perder a “confiança” no governo (há violação da confiança), mas não vislumbra que haja violação da proteção constitucional da “confiança” (não há violação da confiança). Dá para ficarmos a pensar que, se os pensionistas perderam a confiança no governo, o problema é deles (nosso, que eu também pertenço ao clube, embora não integre a APRe!). Mas não é assim.

A legislação que serve de respaldo aos anúncios do governo sobre a matéria não suspende a fórmula da atualização das pensões, nos termos da Lei n.º 53-B/2006, de 29 de dezembro, que institui o indexante dos apoios sociais (IAS) e fixa as regras da sua atualização e das pensões e de outras prestações atribuídas pelo sistema de segurança social (SS), e na Lei n.º 52/2007, de 31 de agosto, que adapta o regime da Caixa Geral de Aposentações (CGA) ao regime geral de SS em matéria de aposentação e de cálculo de pensões. O que sucede, em meu entender, é que o governo, escudado no Parlamento, se furtou ao cumprimento dessas leis, invocando o disparo da inflação, então galopante, e a necessidade de ter as contas certas, face à incerteza criada pela guerra e pela crise energética e alimentar. Por outro lado, criou um grupo de missão para estudar o regime de pensões e para, eventualmente, surgir a alteração da fórmula da sua atualização.  

Sem falar dos apoios que o governo entendeu atribuir às empresas, no contexto da presente crise (não sei se a provedora os inclui no seu escrutínio), está em causa o Decreto-Lei n.º 57-C/2022, de 6 de setembro, que procede à criação e à definição do âmbito e das condições específicas do apoio extraordinário a titulares de rendimentos e prestações sociais; à criação e à definição do âmbito e condições específicas do complemento excecional a pensionistas; e ao estabelecimento da obrigatoriedade de menção, na fatura ou em documento equiparado, da redução efetiva da carga fiscal nos consumos de gasolina sem chumbo e de gasóleo rodoviário, refletindo-se no preço de venda ao público destes produtos.

O diploma em referência, no atinente às pensões, criou um complemento excecional a pensionistas, para compensação do aumento conjuntural de preços, correspondente a 50 % do valor total auferido em outubro de 2022, excetuando os pensionistas cuja pensão seja superior a 12 vezes o IAS.

Mais tarde, o artigo 5.º da Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro – que determina o coeficiente de atualização de rendas para 2023, cria o apoio extraordinário ao arrendamento, reduz o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) no fornecimento de eletricidade, estabelece o regime transitório de atualização das pensões, estabelece um regime de resgate de planos de poupança e determina a impenhorabilidade de apoios às famílias – criou o regime transitório de atualização das pensões.

Nos termos desse regime, as pensões regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de SS e da CGA e demais pensões, subsídios e complementos, atribuídos anteriormente a 1 de janeiro de 2022, são atualizados nos termos seguintes: em 4,43 %, as pensões de valor igual ou inferior a duas vezes o valor do IAS; em 4,07 %, as pensões de valor superior a duas vezes o valor do IAS, até seis vezes o valor do IAS; e em 3,53 %, as pensões de valor superior a seis vezes o valor do IAS, até 12 vezes o valor do IAS. O valor das pensões é atualizado com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2023.

Mais tarde, o artigo 87.º da Lei n.º 24-D/2022, de 30 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2023, estabelece que o governo atualiza, através de portaria, as pensões e demais prestações acima das percentagens previstas no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 19/2022, de 21 de outubro, em função da evolução do Índice de Preços no Consumidor (IPC) e do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).

Na sequência das referidas leis, em que fica estabelecido o regime transitório de atualização das pensões, foi publicada a Portaria n.º 24-B/2023, de 9 de janeiro, que procede à atualização anual das pensões para o ano de 2023, revisitando todos os tipos de pensões em vigor, em cujo pagamento têm responsabilidades organismos do Estado.

Nos termos do artigo 2.º da portaria em referência, as pensões estatutárias e regulamentares de invalidez e de velhice do regime geral de segurança social e as pensões de aposentação, de reforma e de invalidez, do regime de proteção social convergente, atribuídas anteriormente a 1 de janeiro de 2022, são atualizadas pela aplicação das percentagens seguintes: 4,83 %, para as pensões de montante igual ou inferior a 960,86 euros; 4,49 %, para as pensões de montante superior a 960,86 euros e igual ou inferior a 2882,58 euros; e 3,89 %, para as pensões de montante superior a 2882,58 euros. Por sua vez, os artigos 3.º e 4.º estabelecem valores mínimos de atualização e valores mínimos de pensão de invalidez e de velhice, respetivamente.

A atualização das pensões não abrangia os que a elas adquiram direito no ano de 2022, nem as que superem 12 vezes o valor do IAS.

Perante estas medidas, levantaram-se os razoáveis clamores de que os pensionistas – grupo social sem capacidade reivindicativa – perdiam poder de compra, ficando em crescente risco de empobrecimento. E esta verdade, clamada à direita e à esquerda do partido do governo, foi enfatizada pela campanha, supostamente hipócrita, dos partidos mais à direita, que tinham a solução na manga.

Tanto assim foi que, mercê dos casos e dos casinhos protagonizados ou secundados pelo governo, este, que atirava para 2024 a resolução definitiva sobre a atualização das pensões, em função da evolução da economia e da inflação, talvez devido ao decréscimo do partido do governo nas sondagens, lançou a ideia de possível aumento intercalar das pensões em outubro próximo.

Entretanto, surpreendentemente, o primeiro-ministro anunciou um novo aumento de pensões (cujos valores percentuais superam os anteriores), a vigorar a partir de julho, garantindo que esta atualização abrangia os pensionistas que entraram nessa condição em 2022 e que a fórmula, que era tida por suspensa, se manteria.

Assim, o Decreto-Lei n.º 28/2023, de 28 de abril, estabelece um regime de atualização intercalar das pensões. No quadro deste regime, as pensões atualizáveis (ou seja, as que não superem 12 vezes o valor do IAS), incluindo as definidas no ano de 2022, são aumentadas em 3,57%, a partir de 1 de julho. Só é de esperar que a portaria regulamentadora não nos faça esperar meses ou anos para que os pensionistas possam ver a sua carteira mais bem almofadada.

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Resta perguntar qual dos diplomas deveria ser submetido ao TC. O problema não é de confiança no governo, mas de incerteza em tempos de crise (de guerra e económica) subsequente à crise de covid-19, de que o Mundo ainda não estava refeito e de obsessão governativa pelas contas certas (redução da dívida e do défice). Sofre-se com a penúria, mas duvida-se de que os atuais corifeus da mudança fizessem melhor. Prometeram alívios ficais e fizeram o contrário. Prometeram melhoria do nível de vida e correção de assimetrias e as bolsas ficaram mais vazias, tendo melhorado apenas as dos mais ricos. Só Deus faz milagres!

2023.04.29 – Louro de Carvalho

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