terça-feira, 25 de abril de 2023

“O 25 de Abril está vivo”: é o tom da mensagem dos políticos

 

A festa abrilina vestiu-se de gala e de cerimónia no Parlamento, tal como de euforia, de protesto e de alegria na rua, na praça, no jardim e em alguns espaços abertos neste dia ao público.

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O dia parlamentar começou com a sessão de boas-vindas ao presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, com intervenções do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e do ilustre visitante, com a presença do Presidente da República de Portugal.

Santos Silva, depois de agradecer, em nome da Assembleia da República, a visita fraterna do presidente brasileiro, recordou as boas relações entre os dois países.

Frisou que a forma como os brasileiros elegem o presidente “é sempre bem-vinda no parlamento português”. E, tendo quatro presidentes brasileiros sido recebidos em sessão solene, em São Bento, observou que Brasília, com o atual, volta a abrir-se ao Mundo, porque ele é “o líder político cujas políticas sociais contribuíram decisivamente para a redução da pobreza e das desigualdades no Brasil” e o estadista que venceu eleições livres e que, depois, quando alguns tentaram invadir e derrubar as instituições democráticas, “soube defendê-las sem qualquer hesitação”.

Santos Silva realçou, ainda, a “cooperação bilateral que tem criado oportunidades”, sublinhou que a data da visita coincide com o 25 de Abril, a “revolução democrática que une os dois países” e referiu que o “traço de união mais firme” entre os dois países, “está nas centenas de milhares de portugueses que vivem no Brasil e de brasileiros que vivem em Portugal”. Dois países “irmãos pela história e pela liberdade democrática”.

Por sua vez, o presidente do Brasil afirmou que recebeu com “muita alegria” o convite para vir a Portugal, que “coincidiu com as celebrações do 25 de Abril”. Disse sentir-se em casa, em Portugal, e considerou o 25 de Abril um “salto para o futuro” do país com destino ao “desenvolvimento económico com justiça social”.

Os deputados do Chega interromperam-lhe o discurso com um protesto, o que levou Santos Silva a fazer o devido reparo parlamentar: “Os senhores deputados, se querem permanecer na sessão plenária, devem comportar-se com urbanidade, [com] cortesia e [com] a educação que é exigida a quaisquer representantes do povo de português, chega de degradarem as instituições, chega de porem vergonha no nome de Portugal!”

Lula da Silva – que, já fora da sessão, desvalorizaria o protesto, pois, quando as “pessoas quando não têm uma coisa boa para aparecer”, fazem “essa cena de ridículo”, um “papelão” – prosseguiu o discurso com a democracia que começou, em Portugal, depois do 25 de Abril e recordou que “a democracia, no Brasil, viveu recentes ameaças”. 

Recordou que o Brasil “está empenhado na redução das desigualdades”, condenou a “agressão territorial da Ucrânia”, vincando que “a guerra não pode seguir indefinidamente”, pelo que “é preciso falar de paz” e insistiu na reforma do conselho de segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), porfiando que o “Brasil, assim como Portugal, está obstinado pela paz”.

E terminou o discurso com a frase: “Viva a liberdade e a democracia, não ao fascismo”.

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Seguiu-se a sessão comemorativa da Revolução dos Cravos, já sem a presença de Lula da Silva, em que intervieram os representantes dos oito partidos com assento parlamentar, o presidente da Assembleia da República e o Presidente da República.

Rui Tavares, do Livre, afirmou que a “democracia não está garantida” e que “vive o maior risco da sua existência, desde o período pós-revolucionário”, sobretudo por causa dos que querem dar a mão aos autoritários, que serão sempre a minoria. E o remédio é confiar no povo.

Inês Sousa Real, do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) elogiou a atitude de Santos Silva, ao afirmar: “Partilhamos do mesmo embaraço pelo desrespeito ao nosso povo irmão.” Porém, considerou que, 49 anos depois da revolução que pôs fim à ditadura, Portugal “é ainda um país com subalimentados do sonho” e das “liberdades que Abril almejou”. E defendeu:No limiar dos 50 anos de Abril, o que falta, para uma verdadeira revolução social e ambiental, não é um revisionismo histórico de um modelo e de uma governança que todos conhecemos e [que] Abril derrubou, muito pelo contrário. Precisamos de um modelo de desenvolvimento que respeite o bem-estar e a felicidade de todas as pessoas e promova a transição ambiental que o desafio climático exige.”

Catarina Martins, do Bloco de Esquerda (BE) disse que, “à recusa de tanto que ficou por fazer, juntam-se os recuos democráticos”. E, advertindo que “o maior perigo das celebrações de Abril é que se transformem em cerimónias fúnebres”, defendeu que um “Governo que se esconde na vitimização” não cuida da semente da revolução, que o BE recusa afogar “em formol”. Porém, elogiou “todo um povo que cuida dessa semente”.

O deputado do Partido Comunista Português (PCP), Manuel Loff, diz que a democracia está ameaçada “em todos os lugares, a começar por Portugal”, onde não se cumprem “as naturais justíssimas, expectativas de quem espera que a democracia seja sempre acompanhada de bem-estar e de justiça social”, do direito à saúde, à educação, à habitação, ou ao trabalho com direitos e com garantias. “Sempre que algum ou todos estes direitos se não concretizam nas nossas vidas, alimenta-se a descrença na democracia e esta estará sempre ameaçada”, sustentou.

O líder da Iniciativa Liberal (IL), Rui Rocha, recordou que, a 25 de abril de 1974, “Portugal fez-se de novo outra vez” e frisou que a revolução não tem donos. Criticou o longo ciclo de decadência socialista que condena os portugueses “a empobrecer ou a emigrar”. E defendeu que, “em democracia, há sempre alternativa” e que “o vento da mudança já começou a soprar”.

O presidente do Chega, André Ventura, que esteve e falou sem o cravo, deixou enorme aplauso aos operadores da justiça por não terem medo dizer que “o lugar do ladrão é na prisão”, vincando que “de nada vale celebrar Abril, se a justiça não funcionar” (referência ao caso do antigo primeiro-ministro), e que os portugueses vivem um “dos momentos mais negros”.

E acusou o presidente do Parlamento e o Presidente da República de darem a mão a Zelensky, de dia, e a mão a Lula e à China, de noite – posição de “vergonha e hipocrisia tremenda”.

O líder parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), Joaquim Miranda Sarmento, frisou que o 25 de Abril deu a Portugal ter “uma democracia pluralista, parlamentar e de inspiração ocidental”. E, recordando a Ucrânia, afirmou: “Hoje homenageamos também aqueles que, na Ucrânia, combatem contra o agressor russo.”

Apesar de defender que os portugueses têm de “voltar a ter esperança no futuro”, o orador advertiu que à “degradação da vida política e da qualidade das instituições”, se segue o empobrecimento, gerando o aumento dos populismos: “A quebra da qualidade dos políticos, a descredibilização da política, a perda da autoridade e do prestígio das instituições e do Estado, bem como os fenómenos da corrupção, do compadrio e do nepotismo minam a confiança dos cidadãos na democracia”, considerou, acrescentando “o descrédito da justiça, com a morosidade e a impunidade, em casos de corrupção que atingem poderosos”.

João Torres, o “número dois” da direção parlamentar do Partido Socialista (PS), deixou o recado de que “melhorar a democracia é respeitar a vontade popular, a estabilidade, os mandatos que o povo confere”. E declarou: “Melhorar a democracia é rejeitar a vida como um campo de minas, onde quem passar passou, como nos sugerem e propõem as visões neo e ultraliberais da sociedade, ancoradas no individualismo e na negação da igualdade de oportunidades.”

Saudou todos os democratas e atacou os xenófobos, misóginos e homofóbicos, sustentando que “os ataques à democracia chegam, desde logo, dos que se sentam à extrema-direita deste hemiciclo”. E avisou a direita democrática: “Como diz a sabedoria popular, tão ladrão é o que rouba como o que consente. E, por isso, cada vez mais nos deve preocupar a influência que o populismo exerce na direita democrática, uma direita que sempre respeitamos, mas para quem parece não haver limites nem tabus, quando o que conta é a vã cobiça do poder pelo poder.”

Para o deputado, “o PS está a cumprir a vontade do povo português”.

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O discurso do presidente da Assembleia da República gravitou à volta do tempo, que a revolução nos restituiu: “O porvir passou a estar em aberto, disponível e declinável em várias possibilidades de transformação.” E definiu o tempo como “parâmetro central de transição” que pôde representar-se como o que realmente é: “um feixe de múltiplos eventos, ritmos, escalas e durações, que deixa em aberto o porvir e nos convida a pensar e fazer”.

Recordou os anos que se seguiram ao 25 de abril de 1974 e as primeiras eleições que visaram estabilizar “a ordem democrática”. E agradeceu aos capitães de Abril o terem sacudido “o imobilismo e reposto o movimento da roda da História”.

Descreveu o regime democrático como mecanismo de cíclica transição de poderes, “porque nenhum poder é eterno, devendo ser regularmente aferida a vontade das pessoas”.

Sustentando que, “em democracia tudo pode ser questionado” e que “o tempo democrático é, por natureza, passageiro, plástico, diferenciado”, frisou que há um tempo para tudo – analisar, refletir, decidir, planear, executar e avaliar – e que cada instituição tem o seu tempo: “Devemos respeitar o tempo de cada instituição sem atropelos”, frisou, colhendo o aplauso do PS.

E enfatizou: “As palavras que dizemos e as palavras que não dizemos contam muito. Deixo aqui uma defesa convicta do ciclo democrático.”

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Por fim, interveio o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que que sublinhou o facto de se assinalar, dentro de um ano, meio século da Revolução dos Cravos, sendo, agora, o tempo de evocação, de reflexão crítica, de esperança e de partilha, para se falar, a 25 de abril de 2024, “do tempo do futuro”, dos 50 anos que teremos pela frente.

Evocou os últimos tempos da ditadura, em que o pensamento único decidiu a guerra colonial sem fim à vista, que chegou a um ponto crítico em Moçambique e em Angola, perspetivando-se a independência da Guiné-Bissau, em total dissonância do sentir dos povos e da maior parte dos governos que deixaram de apoiar Portugal: havia “milhares e milhares homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por outros, missões que não tinham futuro político”.

Avisou os segmentos da sociedade que expressam saudosismo face “ao 24 de abril de 1974” de que “o tempo não volta para trás”, contestando as ficções ou mitos relativos à situação da ditadura.

Disse compreender que alguns julguem o 25 de Abril imperfeito, o que tem a ver com o 25 de Abril que os mais velhos sonharam – adivinhando diversas conceções da parte dos seus protagonistas – e que não se concretizou ou se concretizou em parte. Falou das sucessivas revisões da Constituição e das diferentes opções políticas, admitindo que, sempre, uns ganham e outros perdem. E admitiu que “a concretização dos sonhos de cada ato eleitoral foi diversas vezes largamente frustrada”, assentindo que se ansiava e se anseia por “melhor democracia”, por “menor pobreza” e por maior “coesão social e territorial”.

Vincou a posição oficial de contestação da invasão russa na Ucrânia.

Disse que “o povo vai escolhendo com sentido de Estado, com bom senso, com moderação e educação, ao longo do tempo, o 25 de Abril que quer”. E, referindo à presença de Lula da Silva, apontou a “feliz coincidência”. “O 25 de Abril começou por existir por causa da descolonização”, pelo que “faz sentido termos tido, hoje, entre nós quem foi pioneiro da descolonização 200 anos antes, o Brasil”.

Observou que é importante olharmos para trás, a propósito do Brasil, bem como a propósito de toda a colonização e toda a descolonização, e assumirmos, plenamente, a responsabilidade pelo que fizemos. Não se trata só de pedir desculpa – que é devido –, pelo que fizemos (é fácil), mas de assumir a responsabilidade para o futuro do que de bom e de mau fizemos no passado.

A colonização do Brasil teve fatores positivos: “a língua, a cultura, a unidade do território brasileiro”. De mau, teve a exploração dos povos originários, a escravatura, o sacrifício do interesse do Brasil e dos brasileiros. “Um pior da nossa presença que temos de assumir tal como assumimos o melhor dessa presença. E o mesmo se diga do melhor e do pior, do pior e do melhor da nossa presença no império ao longo de toda a colonização”, acrescentou.

Frisando que desígnio nacional não é só crescer economicamente mais ou reduzir a desigualdade, mas “sermos aquilo que somos e que fomos, em tantos casos, insubstituíveis, plataforma entre culturas e povos”, questionou: “Como podemos nós ser egoístas perante os dramas dos imigrantes que são dos outros?” E foi aplaudido por todo o Parlamento, com a exceção do Chega.

Vincando que a última palavra é do povo, assentou em que, em liberdade garantida pela democracia, o povo pode continuar a escolher o 25 de Abril que quer, mesmo que imperfeito, de pouca duração e aquém das expectativas. E augurou: “Que este 25 de Abril, que é o começo do 25 de Abril de 2024, seja um momento de evocação da democracia que ele tornou possível, da liberdade que ele permitiu que fosse vivida pelo maior número de portugueses, de passos pela descolonização e pós-descolonização tardias, é certo, mas que ele impôs, e que conheceram altos e baixos, sucessos e fracassos, do desenvolvimento que ele quis acelerar e que tem tido altos e baixos, sucessos e fracassos.”

Por fim, na certeza de que o 25 de Abril está vivo, porque nasceu para criar a ambição, a insatisfação, o não acomodamento e a exigência crescente, incessante e imparável de mais e melhor, concluiu: Viva o 25 de Abril, viva a liberdade, viva a democracia, viva Portugal!”

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Foram estes os grandes tópoi da lucidez plural do 49.º aniversário do 25 de Abril, bem vivo.

2023.04.25 – Louro de Carvalho

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