A proposta de lei do Orçamento do Estado para 2021 expõe claramente as linhas mestras para a Educação – prioridades, objetivos e recursos – que o Governo traçou, bem com as medidas que definiu. Todavia, as organizações que representam os professores estão descontentes pelo facto de este documento estratégico do Estado não contemplar a recuperação do tempo de serviço que não lhes foi contabilizado de 6 anos, 6 meses e 23 dias, bem como o regime específico de aposentação, a redução do número de alunos por turma e a eliminação da precariedade.
O Governo diz querer alargar a oferta e garantir a
universalização da educação pré-escolar, dar continuidade à descentralização de
competências em matéria educativa e apoiar os municípios nessa transição,
promover o reequipamento tecnológico das escolas, digitalizar processos,
simplificar, modernizar e tornar mais eficientes vários procedimentos. E
promete que os manuais escolares continuarão gratuitos para todos os alunos do
ensino obrigatório, vindo a ser reforçada a sua reutilização.
Para tanto, comparativamente com o ano corrente, o
Orçamento para a Educação inscreve mais 7,1% para aplicar financeiramente e
prevê a contratação de 3000 assistentes operacionais e 200 assistentes técnicos.
Ao todo, em 2021, serão mais de 9 mil novos profissionais (professores,
assistentes, psicólogos e outros funcionários). Assim, as tarefas específicas de recuperação e consolidação das
aprendizagens ocuparão 3.300 docentes e 900 técnicos de intervenção (psicólogos,
animadores, assistentes sociais, terapeutas…). Só me pergunto se os ditos técnicos de intervenção contribuem diretamente
para a recuperação das aprendizagens, que estava prevista para as primeiras 5
semanas deste ano letivo, se vêm criar condições do desbloqueamento das
personalidades dos alunos para as aprendizagens ou, ainda, se se trata de uma
medida de prevenção contra futuros estragos provocados no devir do ano letivo pela
2.ª vaga pandémica.
Pelos vistos, o rejuvenescimento do corpo docente, a
estabilidade nos quadros e o reforço da “conciliação entre a vida profissional
e familiar”, estão inscritos, mas sem medidas específicas.
Também consta do documento a remoção dos materiais de
construção com amianto na rede pública de ensino, bem como a continuidade do
processo de requalificação e modernização das escolas e a aposta em escolas
mais ecológicas com materiais ambientalmente sustentáveis e eficientes, do
ponto de vista energético e do conforto. E o Estado quer aprofundar o papel das
escolas portuguesas no estrangeiro, reforçando a cooperação nacional, e integrar
e acompanhar crianças e jovens não acompanhados no nosso sistema de ensino. A
isto António Costa diz:
“Temos de investir cada vez mais na Educação
(…). O maior défice estrutural do país ao longo de décadas, ou mesmo de
séculos, é o défice do conhecimento e qualificação dos recursos humanos. É esse
o défice que temos de vencer.”.
O Governo quer alargar, como já foi referido, a oferta
da educação pré-escolar e avançar com um estudo da rede para aumentar a
capacidade de resposta, como pretende, para a primeira infância, implementar um
sistema de deteção precoce de desenvolvimento da linguagem e da numeracia,
continuar a investir na formação de docentes e garantir a articulação e a
qualidade na transição entre a creche e o jardim de infância e o 1.º Ciclo.
Além disso, sustenta que dever ser avaliado, sempre que necessário, o modelo
das atividades extracurriculares, sublinhando os benefícios associados a essas
componentes a nível físico, psicológico e social.
Pretende-se, outrossim, reforçar os mecanismos de
promoção da igualdade e equidade, no ensino básico e no secundário, através de
respostas específicas de “mitigação das desigualdades”, de modo que todos os alunos alcancem
as competências previstas no Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade
Obrigatória.
Na verificação de que a recuperação das aprendizagens
não realizadas ou não consolidadas no ano letivo anterior, mercê da pandemia,
já está em curso com orientações definidas e o alargamento do apoio tutorial
específico aos alunos, o grande objetivo do Governo é que todas as crianças e jovens
concluam os 12 anos de escolaridade “com uma educação de qualidade e sem deixar
ninguém para trás”. Para tanto, há que reforçar a autonomia para
escolas com piores resultados, promover programas de enriquecimento e
diversificação curricular em diversas áreas, tornar mais robusto o PNPSE (Programa
Nacional de Promoção do Sucesso Escolar), definir
uma estratégia integrada de ação sobre a aprendizagem da Matemática e investir
na formação contínua de docentes e no reforço dos meios humanos, materiais e
pedagógicos.
Ao mesmo tempo, reforça-se a aposta em programas
específicos de combate ao abandono escolar por alunos com deficiência e na
transição entre a escolaridade obrigatória e a vida ativa, através de “planos
individuais de transição”; e intenta-se fortalecer a geração de
indicadores sobre o sistema educativo, nomeadamente dos relacionados com o
desempenho de alunos e escolas, e promover a melhoria da qualidade técnica e
científica dos instrumentos de avaliação externa e melhorar o processo de
classificação.
Quer ainda a tutela, com uma amostra de alunos dos
3.º, 6.º e 9.º ano, avaliar o desempenho e aferir, de modo transversal e integrado,
competências e literacias de leitura, ciências, matemática e literacia de
informação – para “devolver informação ao sistema educativo para apoio na
tomada de decisão relativa a ações a desenvolver no âmbito do currículo”.
Também permanece nos planos do Governo a dinamização
do ensino profissional, assentando a sua valorização em várias vertentes, desde
logo em ações de divulgação e promoção dirigidas a jovens, famílias e
potenciais empregadores, e querendo o Estado continuar a envolver empresas e as
comunidades intermunicipais das áreas metropolitanas na identificação das necessidades
de qualificação, planeamento de ofertas e conteúdos e análise da organização da
formação em contexto de trabalho. E outro objetivo é a promoção de práticas de
educação inclusiva nas ofertas de dupla certificação. Com efeito, o ensino
profissional é uma das apostas do Governo no Plano de Recuperação e Resiliência
(PRR) apresentado à Comissão Europeia.
O documento estratégico do Estado volta a assumir, na
área educativa, dois grandes desígnios políticos: a aposta na escola pública
como elemento de combate às desigualdades e transformador da vida do indivíduo
e da sociedade; e o combate às desigualdades à entrada na escola e à saída,
assegurando as condições de acesso à escolaridade universal desde os três anos
e o ensino obrigatório durante 12 anos.
A despesa consolidada totaliza 7017,1 milhões de
euros, sendo 73,2% do total (quase 3/4), ou seja, 5137,7
milhões, em despesas com o pessoal. As transferências correntes orçamentadas,
com um peso de 11,2%, ou seja, cerca de 784,4 milhões de euros, destinam-se
sobretudo ao financiamento da descentralização de competências da Educação para
as autarquias, já que um número significativo de trabalhadores não docentes foi
em 2020, ou será em 2021, transferido para as autarquias locais que assumiram
as competências no âmbito dessa descentralização.
“A transição digital representa um processo
fundamental para o crescimento e sustentabilidade da economia dos países
europeus. Entre outros indicadores, Portugal registava ainda, em 2019, valores
muito aquém das médias europeias, ao nível da utilização diária da internet
(65%), da utilização de serviços públicos online (41%) e dos especialistas TIC
no mercado de trabalho (2,4%).”.
***
Como já ficou dito, as organizações representativas
dos professores não estão satisfeitas com o Orçamento do Estado, pelo que fazem
várias observações reivindicativas.
Assim, a FENPROF (Federação Nacional dos Professores) entregou quatro propostas sobre diversas matérias,
como a regularização da carreira docente, horários e condições de trabalho, que
quer que sejam discutidas antes da aprovação final do Orçamento, que está
agendada para 26 de novembro, bem como a recuperação dos 6 anos, 6 meses e 23
dias de serviço prestado e não contabilizado e um regime específico de
aposentação para a classe.
Por seu turno, a FNE (Federação Nacional da Educação) afirma que a proposta do Orçamento mostra que “se continuam a adiar as soluções dos
problemas estruturais e que a aposta na educação e na formação se esgota no
discurso, por insuficiência dos recursos atribuídos”. Na sua ótica, as
medidas são insuficientes face aos problemas conhecidos e não são definidas
ações de intervenção estratégica que permitam o rejuvenescimento da classe
docente e pessoal não docente, a eliminação da precariedade e a criação de
condições para que a profissão se torne atrativa. E a FNE sustenta que a
redução do número de alunos por turma é esquecida, que o número de professores
e técnicos de intervenção, acima apontado, não é suficiente e que não há
qualquer reforço efetivo de assistentes operacionais, uma vez que “esta medida se traduzirá meramente na
substituição de contratações temporárias, que se esgotam pela exigência legal
de passarem a definitivas, e, ainda, na substituição dos trabalhadores que se
aposentam”.
***
A propósito do decurso do presente ano letivo e no
quadro do debate do Orçamento, o Ministro da Educação esteve, no dia 22 de
outubro, no Parlamento, para uma audição por requerimento dos grupos
parlamentares do PSD, BE e PAN, que o chamaram à Comissão de Educação, Ciência,
Juventude e Desporto, tendo ali sido alvo de críticas dos partidos pela forma
como geriu o regresso às aulas.
Foram diferentes as questões que motivaram o pedido
dos três partidos, mas as cerca de duas horas de audição foram sobretudo
marcadas pela covid-19 e pelo modo como a tutela geriu o início do ano letivo e
a retoma das aulas presenciais em plena pandemia, tendo os deputados referido,
entre outros problemas, a falta de professores em várias escolas e o elevado número
de alunos por turma.
No quadro das intervenções críticas, a deputada
comunista Ana Mesquita, no pressuposto de que a falta de professores é, ao
final de um mês de aulas, uma “preocupação tremenda”, frisou:
“Está à vista aquilo que foi um ataque à
escola pública, que vem de há muito tempo, uma desvalorização de recursos que
vem de há muito tempo e, como é evidente, em alguma altura isto iria correr
mal. Vem uma pandemia e coloca isto tudo de uma forma muito mais impressiva a
nu”.
E, Joana Mortágua, do BE, exemplificando com duas
escolas de Lisboa, desafiou:
“Se eu continuar por aí fora, não há escola
com quem eu fale que não me diga que há falta de algum professor”.
A deputada bloquista assinalava esta carência, a
título de exemplo, na Escola Básica 2,3 Professor Delfim Santos onde, segundo a
deputada, faltam 16 professores, e no Agrupamento de Escolas de Portela e
Moscavide, onde são 33 as turmas sem, pelo menos, um docente. Por isso,
questionou o Ministro sobre o modo como o Governo tenciona resolver o problema,
que se verifica também ao nível de outros funcionários.
Em resposta, Tiago Brandão Rodrigues apresentou os números
da proposta de Orçamento: 3300 professores na contratação inicial, 500
assistentes operacionais e 200 assistentes técnicos em concursos lançados em
julho, 1.500 assistentes operacionais em concursos lançados no início do ano
letivo mais três mil que vão ser contratados no âmbito da nova portaria de
rácios, e 900 técnicos de intervenção, incluindo psicólogos. E frisou:
“Temos neste momento nas nossas escolas 1600
psicólogos. Nunca o nosso sistema educativo teve um número de psicólogos como
temos agora nas escolas.”.
Sobre a falta de docentes, o governante considerou que
é preciso “que os professores não saiam do sistema educativo e, para o
conseguir, é necessário dar-lhes condições”, revelando que, no próximo
setembro, serão vinculados mais 2400 professores ao abrigo da chamada
norma-travão.
E a deputada do PAN Bebiana Cunha confrontou o
Ministro com o elevado número de alunos por turma e com a falta de espaço nas
salas de aula para assegurar o distanciamento físico; e a comunista Ana
Mesquita questionou sobre quando isso iria ser resolvido, observando:
“Já deveríamos ter menos alunos por turma há
bastante tempo e nós gostaríamos de questionar se há alguma perspetiva por
parte do Governo para que se concretize a redução do número de alunos por
turma. E não falamos para trás do sol posto onde já sabemos que há pouca
população e as turmas já são naturalmente pequenas, falamos dos casos críticos.”.
E, entre os temas relacionados com a pandemia da covid-19
que os deputados levaram para discussão, esteve a falta de acompanhamento dos
alunos com necessidades educativas especiais e dos que estão em casa, seja por
pertencerem a grupos de risco para a covid-19, seja por estarem a cumprir
quarentena ou isolamento profilático. E, a este propósito, Ana Rita Bessa, do
CDS-PP, alertou para o facto de “além dos alunos sem escola e dos alunos sem
professor”, há o problema dos “alunos sem aulas”, e questionou se as escolas
estavam realmente preparadas para assegurar esse acompanhamento e não o estão a
fazer ou se algumas não têm, de facto, condições para garantir o ensino a
distância.
***
Como era de esperar, continua a distonia entre Governo
e sindicatos, sobretudo no respeitante às condições de trabalho, e entre
Governo e os outros partidos com assento parlamentar, sobretudo nas medidas – suficientes
ou não, possíveis ou não – (linhas complementares e sem a concatenação das quais
a educação não tem êxito) com vista à
consecução duma educação de qualidade, que não deixe ninguém para trás e que
sirva de lastro para uma vida pessoal e social em ambiente de justiça, paz e
solidariedade.
Oxalá que o amor pela educação não se reduza a uma
paixão assolapada!
2020.10.26 – Louro de Carvalho
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