No passado dia 7 de
outubro, tomou posse como presidente da Associação Mundial de Empresários
Cristãos (UNIAPAC) o empresário Bruno Bobone, que preside à Câmara de
Comércio e Indústria Portuguesa e ao Conselho de Administração do Grupo Pinto
Basto e que, em entrevista à Renascença e à Ecclesia, do dia 9,
afirma que “há muita gente que devia estar a trabalhar todos os dias”, defende
a economia social de mercado e destaca a necessidade de estabelecer e
generalizar a trilogia vertida em epígrafe – salário digno,
participação nas decisões da empresa e fim da ideia de medo –
na correspondência à dignidade da pessoa humana e à nobreza do trabalho,
pressupostos da doutrina da Igreja Católica, mormente no respeitante à ordem
social, bem como à moldura da presente crise sistémica.
É o primeiro português a
presidir à UNIAPAC, organismo que junta associações de 41 países de todos os continentes,
o que lhe dá uma evidente marca de diversidade.
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Uma das prioridades para o
mandato de três anos é a “defesa da
gestão e do empreendedorismo como vocação nobre”, que assume, não como
algo que se faz, mas como “dom”
que se recebe com a capacidade de “organizar
os recursos que existem para melhorar a qualidade de vida das pessoas”, ou
seja, “vocação nobre” com “a responsabilidade de promover o desenvolvimento e
ser capaz de o distribuir e de o partilhar com todas as pessoas” (na linha do
carisma eclesial – digo eu), pelo que “tem
que ter resultados nobres: o foco sobre a
pessoa, o foco da razão de ser empresário, que é melhorar a qualidade de vida e
a condição de vida das pessoas”.
Porém, desses resultados nobres, o que é mesmo prioritário de alcançar é “o
foco na pessoa”, pois é isso que dá nobreza à vocação que os
empresários têm. Com efeito, o empresário é um criador de riqueza. Mas só vale
a pena criar riqueza se esta almejar “um fim bom”, que é ser distribuída por
todos aqueles que participam na sua criação.
E o presidente da UNIAPAC esclarece
que é preciso ir mais para lá da associação do lucro à promoção do bem comum, embora
priorizando este: é preciso
focarmo-nos na pessoa. E vinca:
“O bem comum é alguma coisa que beneficia
todos, é verdade. Mas temos que olhar também pela parte individual: é cada
pessoa que vale. E, nesse aspeto, é importante também, para além do bem comum,
focar no benefício da pessoa. A pessoa é a razão de ser.”.
É por isso que sustenta que o lucro, longe de ser um objetivo, é uma
ferramenta para beneficiar as pessoas, tal como a economia, que não deve ser vista
como um objetivo, mas como um meio para melhorar a vida das pessoas, pois, “se
tivermos uma economia fantástica, mas a vida das pessoas não foi cuidada e
melhorada, não serviu para nada ter essa economia” – disse para assegurar que
“é preciso focar nos objetivos” (obviamente, não em termos de objetivos bancários –
digo).
E é curiosa a nota em que supõe que, aquando da formação da primeira
empresa, se terão juntado duas pessoas para aumentarem as suas competências mais
do que a soma das duas (quando nos juntamos conseguimos produzir mais) e sobretudo para dividirem o benefício dessa
mais-valia. E sustenta: “É no conceito da divisão que está a razão de
ser da empresa”.
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Por conseguinte, em nome da dignidade da pessoa e da vida, Bobone defende
um “salário
digno” em oposição a um salário mínimo, pois a pessoa tem como objetivo
“uma vida digna” e toda a gente tem de contribuir para isso, pelo que “a
discussão sobre o salário mínimo não é um tema que seja razoável”, tendo nós de
conseguir chegar “ao salário digno”. E as condições de dignidade deste salário
impõem que permita “a qualquer pessoa pagar as suas despesas, ter a sua vida normal,
conseguir tratar da educação dos seus descendentes” e, mais do que
isso, “ter a capacidade de investir no seu próprio desenvolvimento, na sua
evolução, no seu crescimento para se tornar uma pessoa mais completa, de
maneira a poder fazer um caminho em busca da felicidade, que é o objetivo de
todos”.
E, observando que falar de felicidade como objetivo não é lamechice e
porque a felicidade “é o objetivo de vida – preocupação esquecida nas empresas
e na vida em geral – diz que este objetivo tem que estar presente nas empresas,
mais que o rendimento ou o lucro.
Ora, como o salário mínimo em Portugal não permite
chegar a essa dignidade, este empresário frisa que temos de trabalhar para
mudar a situação. Não obstante, adverte “não se pode criar um salário
digno se não aumentarmos a ‘produtividade’ para que essa riqueza
criada pela produtividade permita ser distribuída por quem contribuiu para
criar esse aumento de riqueza de maneira a que passe a ter um salário mínimo”.
Por outro lado, avisando que não se podem separar as duas componentes, salário
digno e produtividade, assegura que “não estamos a falar de caridade”, que é uma
questão importante, mas não uma competência das empresas, pois a estes compete “criar
a maximização dos seus recursos”, sendo as pessoas o seu recurso principal e significando
a maximização criar, com o trabalho das pessoas, “uma riqueza maior que possa
reverter para as próprias pessoas, tornando-se assim num fator de promoção do
salário digno”.
Questionado sobre o que é preciso para conseguir acabar com o ciclo vicioso
de salário não digno – baixa produtividade – salário não digno, Bobone é
categórico em dizer que é preciso “não ter medo”, sendo este o
problema. E explica:
“Todos sabemos que um empregado motivado é
um empregado que produz mais, está escrito em todos os livros. Mas a maioria
tem medo de arriscar, de dar mais condições a esse empregado com medo de que
não tenha o retorno para depois o poder aumentar. (…) Se continuarem com medo,
o ciclo vicioso mantém-se e é a diminuição da economia, é a diminuição das
condições de vida e é uma história perene no nosso país, que é uma pena.”.
Tendo nós “competências únicas no mundo”, com representantes nossos em
quase todas as organizações mundiais, que sobressaem pelas competências, e
sendo os nossos trabalhadores os melhores lá fora, o problema é que falta, cá
dentro, a capacidade de perder o medo e apostar neles com coragem. Ora, pela
sua experiência de empresário, garante-nos que isso funciona.
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Em ambiente de discussão
orçamental e com medidas no terreno e outras em vias de serem tomadas, o
presidente da UNIAPAC espera que o orçamento permita
“às empresas voltarem a encontrar o seu caminho de êxito, de criação de riqueza”,
sendo “promotor de uma estabilidade que permita às pessoas acreditarem” que
podem distribuir riqueza pelos trabalhadores.
Porém, mostra dúvidas sobre decisões relativas à estatização excessiva de
algum investimento, pois entende que “se devia acreditar mais nas empresas”.
Com efeito, tal como as empresas não devem ter medo de promover e motivar os
seus trabalhadores, “o Estado não pode ter medo de promover e motivar as
empresas”. No entanto, aponta méritos, como “a preocupação de crescimento”, que
é importante.
E, mais que o orçamento, que nunca nos resolverá os problemas, “o problema
é que não estamos a enfrentar esta crise com a coragem que devíamos enfrentar”
– observa para explicar a seguir:
“Já percebemos que há uma situação de
pandemia que nos deve levar a tomar cuidado e determinados cuidados com os
nossos comportamentos, e isso está certo, mas temos de parar aí. Não podemos
continuar a espalhar uma ideia de medo, não podemos continuar a criar pânico
nas pessoas porque isso está a inibir muito a recuperação económica do país.”.
Adianta que, se não levarmos as pessoas a consumir o que é normal e
utilizar a oferta que existe no país, condicionaremos o país de uma maneira que
não há orçamento que surta efeito. Por exemplo, considera que “estamos a
influenciar as nossas crianças de tal maneira negativa que o resultado não vai
produzir aquilo que mais tarde vai ser necessário produzir”.
Adverte que “o orçamento é importante”, mas que são os privados quem deve
produzir e que o Estado deve controlar verificando que a distribuição é
promovida. Por outro lado, acha que o Estado não pode inibir as pessoas de
viverem de novo, pois a não convivência é um fator negativo e “é mais negativo
porque está a ser promovido pelo medo e não pela razoabilidade”.
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Interpelado, a este
respeito, sobre “o teletrabalho”
que alastrou como sistema quase substitutivo do trabalho presencial, preconiza
o teletrabalho como medida permitida e não como medida obrigatória, achando que
“devem ser constituídas alternativas
que permitam as pessoas conviver no trabalho com o rigor que têm de ter, com o
cuidado que têm de ter, mas a estarem presentes, a viverem no dia a dia”, sendo
preciso “ter coragem para o fazer”.
Ora, sendo esta pandemia mais letal a partir dos 70 anos e havendo muita
gente que até aos 70 anos devia estar a trabalhar e a viver todos os dias, o
mundo está a prejudicar-se por uma razão que não existe – por medo, o que
redundará em mais fome, mais morte e mais desgraça.
Depois, aponta que o
teletrabalho também pode prejudicar “a
conciliação família-trabalho”. Com efeito, fez-se a apologia do teletrabalho, mas sem atenção às condições que as
pessoas têm para o executar. Por exemplo, família com dois filhos e com pai e
mãe em que todos partilham o mesmo local não pode manter o teletrabalho por
tempo indefinido.
Reconhece que a pandemia teve méritos, pois ajudou-nos “a digitalizar mais,
a adaptar-nos a novas realidades, a permitir-nos ter soluções que são, de facto,
efetivas formas de comunicação, de desenvolvimento de novas formas de
trabalhar, mas não é substituir uma coisa pela outra”. Por isso, o teletrabalho
tem de ser entendido e analisado em cada caso, sendo preciso arranjar
alternativas para quem não tenha essa possibilidade. De resto, acentuaremos as
desigualdades e “quem sofre é sempre o mais pequeno”. (E farpeia os
funcionários públicos instalados, que não querem partilhar, esquecendo as
dificuldades por que passam muitos deles).
Considera que a forma como estamos a gerir a pandemia nos trará muitas
dificuldades, sobretudo a quem já tem a vida difícil. Quem mantenha a vida
organizada poderá sair da crise em problemas, mas quem está mal ficará pior. E
o pânico está instalado: as pessoas fechadas em casa não têm condições para aí
viverem e são sobretudo essas que ficarão sem emprego.
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Às asserções do Papa de que
o despedimento não é solução para salvar as empresas e de que é preciso fazer sentir
que “há uma sociedade solidária”,
Bobone responde que “a vontade de
todo o empresário é manter emprego e aumentar emprego”. Porém, entende que, “nas
circunstâncias atuais, quem não tem atividade económica dificilmente pode
manter o emprego”, pelo que reitera que “não podemos ter medo para conseguir
garantir que as empresas tenham recursos para manter o emprego” e que urge trabalhar
para aumentar emprego e dar melhores condições.
E, confrontado com a
verificação papal de que há “países poderosos e empresas grandes que
lucram com este isolamento e preferem negociar com cada país separadamente”,
Bobone recusa a generalização, porque “haverá
empresas que se comportam de uma maneira e empresas que se comportam de outra”,
mas não duvida de que houve empresas que tiraram vantagens desta crise,
nomeadamente as ligadas à digitalização. Se isso significa tirar proveitos e
não os distribuir, pensa que terá de ser avaliado caso a caso, com conhecimento
do que se passa. Porém, no atinente ao
comércio online, que supostamente está a destruir muito do negócio que havia
porta-a-porta, pensa um pouco diferente: a pandemia obrigou a adaptação
com uma grande velocidade às novas tecnologias e uns adaptaram-se depressa e outros
nem sequer foram capazes de se adaptar, havendo, como sempre, uns que ganham e
outros que que perdem. Ora, há que fazer um esforço de acompanhamento, pois não
podemos deixar de evoluir para não prejudicar ninguém; “temos é encontrar soluções de
ajuda e apoio e funcionar em rede”.
Reconhece que o liberalismo económico não funcionou, mas entende que a
economia de mercado é uma economia boa, mas tem de se transformar numa “economia
social de mercado”, que funciona desde que seja efetivamente economia
social de mercado, não tendo limites, mas controlos e funções acrescidas. Diz
que a função do Estado é preocupar-se com a sociedade e, por isso, definir onde
vai funcionar e fazer cumprir as leis, o que funciona pouco entre nós, pois
temos leis que são normalmente boas, mas na prática não as aplicamos. Com
efeito, as pessoas, em Portugal, não gostam de confrontar as outras e, quando se
descobre um erro, obrigam os outros a ir falar com uma pessoa a dizer o que
está errado.
Julga fundamental o
princípio cristão da correção fraterna, que nos leva a gostar das pessoas todas, a preocupar-nos com elas, a
confrontá-las com os erros e a acompanhá-las. E, mais do que penalizar o erro,
por exemplo com multa, que também é legítima, há que explicar como é que não se
erra, o que dificilmente sucede em Portugal.
A propósito da discussão sobre a
contratação pública e excesso de burocracia nos concursos públicos, assente em
que, porque se tem medo de que alguém venha roubar e não queremos
confrontar as pessoas e descobrir os erros, se cria burocracia “a fingir que
isso vai evitar o erro”. Porém, o erro acontece na mesma, demora-se o triplo do
tempo, criam-se novas oportunidades de erro e aumenta o problema. Por isso,
deve “diminuir-se a burocracia e levar as pessoas a cumprirem as suas funções”.
Depois, quem fiscaliza deve fiscalizar e quem acompanha deve acompanhar. E estabelece
o paralelo com o salário digno e a produtividade, dizendo:
“Tal como o salário digno não pode existir
sem produtividade, a desburocratização não pode existir sem haver uma
fiscalização correta, consciente, que não pode ser baseada na busca do erro,
como hoje em dia faz, por exemplo, a Autoridade Tributária. (…) Assim como na
adjudicação dos concursos, a ideia deve ser descobrir e selecionar
corretamente, com o objetivo do melhor resultado. É preciso entregarmos para
depois recebermos e nós vivemos num mundo em que toda a gente quer receber e
ninguém está disposto a entregar.”.
Por fim, sobre o projeto “A Economia de Francisco”,
acentua que é uma ideia extraordinária que consiste em, ‘se chegamos à
conclusão que o que vivemos até agora não funciona, temos de trabalhar no que
vai funcionar a seguir’. Diz que o Papa não tem uma ideia económica
definida; o que pretende é envolver as pessoas para se chegar a uma conclusão,
pois, ao invés do que se faz em Portugal – ensinando de cima para baixo –, “uma mudança como esta só se faz com a
participação de todos”.
***
Em suma, as pessoas devem ter um salário digno e procurar a sua felicidade,
mas devem afastar o medo e participar nas grandes decisões da sua empresa, por
direito e por dever. Não quer dizer que se exija sempre o acordo dos
trabalhadores para a tomada de medidas, mas que sejam ouvidos e participem nas
decisões estratégicas, pois, quando uma pessoa é parte dum projeto, envolve-se
e defende-o. Assim, o trabalhador realiza-se como pessoa e aproxima-se da sua
felicidade. Por seu turno, o projeto ganha conseguindo apoiantes ativos.
Nesse sentido da participação e da mudança, a “Economia de Francisco” irá para a frente!
2020.10.12 –
Louro de Carvalho
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