O texto de Catarina Brites Soares sob o título “A
ameaça da China é real” publicado no Expresso, deste dia 24 de
outubro, que incorpora declarações de Joseph Wu,
Ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan, fez-me lembrar a pressão
veiculada, não há muito tempo, pelo embaixador dos EUA em Lisboa, segundo a
qual o Governo de Portugal teria de optar pelo velho aliado em detrimento dum alinhamento
com a República Popular da China, vindo Augusto Santos Silva, Ministro dos
Negócios Estrangeiros português, vincar que estas decisões conexas com a
soberania se tomam cá dentro.
Parecia o chefe da nossa diplomacia esquecer que a China é um país enorme
em extensão territorial e população, sendo que está esta disseminada por todo o
mundo servindo mais ou menos discretamente os desígnios hegemónicos daquele país
asiático, e que a crise que eclodiu na 1.ª década deste século com efeitos que
perduram e que se exponenciaram com a pandemia do novo coronavírus levou à
transação de muitos grupos empresariais públicos e privados para empresas
chinesas de gestão liberal, mas tão bem controladas pelos poderes estatais como
os cidadãos chineses. E Portugal, não sendo um regime totalitário, cedeu à
China setores estratégicos cuja reversão é impossível ou muito difícil. Tal é o
caso da EDP e, sobretudo, o da REN. Que fará este nosso país soberano se China
bloquear a distribuição de energia ou a produção de energia elétrica em
Portugal? Pode optar pela nacionalização, mas criará o pretexto para uma guerra
com o gigante amarelo aqui nas barbas dos EUA, da Grã-Bretanha e da UE.
Diz o chefe da diplomacia de Taiwan, receando o pior, que Xi Jinping quer que a China se prepare para a guerra, pois um
ataque a Taipé “seria o bode expiatório de que a China precisa para desviar as
atenções da crise que atravessa”, sendo que Pequim, agora a subir de tom, não
olhará a meios para alcançar a reunificação. E sublinha o risco de a comunidade
internacional ceder à pressão chinesa, pressão patente no silêncio da OMS (Organização
Mundial de Saúde) sobre o vírus
da covid-19, já que o poder de Taiwan foi prestes a perceber e a avisar a aproximação
de uma epidemia grave, mas ninguém ouviu, porque a palavra de Pequim se sobrepôs.
Não é só a pressão militar chinesa que se tem intensificado, por exemplo,
com a violação do Estreito de Taiwan, que separa ideológica e geograficamente
Taiwan da China, garantindo a estabilidade e a segurança na região há décadas, mas
é também evidente o incómodo bloqueio por parte do Governo da República Popular
da China à República da China (Taiwan).
É certo que Pequim prometeu – e tem insistido nisso – o modelo ‘Um país, dois sistemas’ para para
Taiwan, sob o princípio ‘Uma só China’, o que significa agregar aquela
República, como fez para Macau e Hong Kong, não devendo qualquer solução passar
pela força ou pela ameaça. Porém, o Governo chinês escusa-se a negociar “com
base na paz, paridade, democracia e diálogo”, princípios de que Taiwan diz não
prescindir. E Joseph Wu vê que o problema se verifica no mar Oriental da China
e no mar do Sul da China, onde os japoneses sentem crescente pressão; no
conflito com a Índia; e mesmo no que se passa na China, em Xinjiang, Mongólia,
Tibete e Hong Kong. E sabemos que algo de similar se passa em Macau, como
recentemente ocorreu com o encerramento precoce duma exposição por supostamente
exibir imagens de cenas de reivindicação de direitos políticos em Hong Kong.
Refere o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan que uma
invasão da ilha se afigura como uma preocupação, pois “os exercícios militares
chineses são cada vez mais sérios”, o que mostra que “um regime autoritário
tende a procurar uma crise externa” ao querer “desviar as atenções da crise
doméstica, como a que a China atravessa face ao desaceleramento económico e à
guerra comercial com os Estados Unidos da América”. Por outro lado, sublinha, “desde
janeiro do ano passado que o regime chinês avisa que quer tomar Taiwan
pacificamente, mas que usará a força se necessário”, o que revela que a sobrevivência
dum regime autoritário “é sempre a sua maior preocupação”, não se preocupando
com o facto de uma guerra constituir um cenário em que todos perdem. Aliás,
como Wu observa, “se olharmos para a História, a resposta dos regimes
autoritários às crises internas é procurar culpados”.
Apesar de tudo, o chefe da diplomacia de Taiwan acredita
numa solução pacífica, desde que o apoio da comunidade internacional
seja forte e consolidado com vista à coexistência pacífica, sendo que, se ambos
os lados pretendem conviver, o atual status
quo do Governo taiwanês sobre Taiwan tem
de ser respeitado. Efetivamente a Taiwan não convém o princípio ‘Um país, dois sistemas’,
que garante alguma autonomia a Macau e Hong Kong. É certo que a China prometeu
governar Hong Kong sob esse
princípio. Porém, a imposição da Lei de Segurança Nacional, este ano, tornou
clarividente que “só há um país, um sistema”. E Hong Kong, que “era um símbolo
de liberdade e prosperidade”, viu a liberdade ser progressivamente condicionada.
Ora, Taiwan, que “goza de uma democracia plena, com total liberdade de
expressão e de imprensa”, perderá o que tem, se tal princípio lhe for imposto, “como
aconteceu a Hong Kong”. E, segundo o último inquérito sobre o assunto, a
população rejeita massivamente o modelo ‘Um país, dois sistemas’ e “nenhum
Governo democraticamente eleito em Taiwan o aceitará”.
No atinte às solidariedades político-diplomáticas
dos diversos países, Joseph Wu
reconhece que, “apesar de
a China estar a conseguir angariar os aliados de Taiwan através de estratégias
financeiras e diplomáticas”, o certo é que “o apoio da comunidade internacional
a Taipé tem aumentado, e tremendamente”. Assim, vários países instam à
participação de Taipé na OMS; foi criado na UE, o “Formosa Club” por eurodeputados de diversos países, assim como na
América Latina, neste caso por iniciativa de deputados de 10 países que não têm
relações diplomáticas com Taiwan; muitos sustentam que as relações entre Taiwan
e os EUA atravessam o melhor período; e o mesmo se pode dizer do Japão. E também
a relação com a Europa é cada vez melhor, a ponto de as relações comerciais e o
investimento crescerem e sempre Taiwan contar com o apoio europeu para integrar
a OMS. Na verdade, a UE é a primeira no que concernente ao investimento direto
estrangeiro em Taiwan. E Taiwan, com a covid-19, enviou recursos de proteção individual
e dispõe-se a continuar a trabalhar “para que a UE veja que Taiwan não é só uma
democracia bem-sucedida, mas também um parceiro de confiança”.
Entretanto, Taipé condena a iniciativa “Uma Faixa,
Uma Rota”, a que aderiram 21 sócios fundadores da associação dos
ANRS (Amigos da Nova Rota da Seda) a 21 de dezembro
de 2016, aquando da outorga da escritura de constituição da associação,
convictos, segundo Fernanda Ilhéu, de que “a visão chinesa de lançar a iniciativa
‘Uma Faixa, Uma Rota’, com o objetivo
de revitalizar as antigas Rotas da Seda Terrestres e Marítimas e torná-las
novos vetores do comércio mundial, iria dar um novo impulso à globalização e um
enorme contributo para um mundo mais sustentável, desenvolvido e pacífico”, estando
o Governo chinês “determinado a trabalhar para que Portugal cooperasse com a
China nesta iniciativa e tivesse um papel importante na Rota da Seda Marítima
do Século XXI”. Com efeito, Portugal foi o primeiro país da Europa
Ocidental a assinar com a China um memorando de entendimento para enquadrar a
sua cooperação na construção da Nova Rota da Seda.
A assinatura de tal memorando
decorreu em dezembro de 2018 durante a visita do Presidente da República
Popular da China, Xi Jinping, a Portugal, tendo, desde então, as autoridades
chinesas, a começar pela Embaixada da China em Lisboa, reforçado o seu empenho
em “aproximar a cooperação dos dois povos nesta iniciativa, trazendo para
Portugal delegações governamentais, missões empresariais, académicas e culturais”.
Todavia, o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Taiwan sustenta
que se trata de “uma forma de
assegurar o investimento chinês, especialmente em infraestruturas, para depois
estender o seu domínio”, exercendo a sua influência e exportando o seu
autoritarismo. E diz que “são vários os exemplos em que o investimento ficou
aquém das expectativas: projetos de construção com problemas de qualidade e a
armadilha da dívida – muitos países não estão a conseguir pagar os colossais
empréstimos da China para financiar os projetos”. Por isso, entende que se olhe
para as motivações e se impeça o domínio da comunidade internacional com esta
iniciativa.
No quadro da aproximação de Washington a Taiwan,
não se pronuncia sobre qual dos candidatos presidência – Trump ou Biden – será
mais benéfico, antecipando que não prevê qualquer
problema, pois o regime de Taipé tem ótimas relações com republicanos e
democratas, e rejeita a ideia de que os EUA estejam a usar Taiwan contra a
China
Considera que Taiwan
provou que a transparência e a democracia são as melhores formas de lidar com a
pandemia, que a relação com Pequim se agudizou e que Taiwan
quer regressar à assembleia-geral da OMS, mas tem sido rejeitada. Na verdade, a
China domina a OMS e tem dificultado a participação de Taiwan, que tem “o
direito de receber informação em primeira mão, como os outros”. E, sustentando
que a sua participação beneficiará toda a comunidade internacional, garante que,
desde a SARS (síndrome respiratória aguda grave), que tem estado muito atenta ao que se passa na
China, tendo detetado que “algo muito similar se estava a passar em Wuhan”.
Começou a testar quem chegava da cidade e a alertava a população para tomar
medidas. Assim, logo em dezembro de 2019, se deparou com “relatórios da China que referiam similitudes com a
SARS e que os pacientes precisavam de ser curados em isolamento, sinal de que
era contagioso”. Enviou e-mail à OMS e às autoridades de saúde chinesas a
alertar para a gravidade da situação, tendo a OMS respondido que iria passar o
e-mail às entidades relevantes e as autoridades de saúde chinesas emitido um
comunicado que “basicamente não dizia nada”.
***
Enfim, a China no seu melhor: a tentação da hegemonia estratégica pela via
da dinâmica económica liberal, mas com absoluto controlo estatal, querendo
aceder a todos os cantos do orbe dominando (Quem domina exclui: não da vez nem
voz) e subentendendo que utilizará a
força, se necessário e possível. A guerra dependerá da contagem de recursos da
parte da Rússia, dos EUA e da China, sendo que esta tem desenvolvido a
inteligência e a capacidade de produção com qualidade como nunca. Tem aprendido
com o Ocidente, que deslocalizou para lá muitas das suas empresas; e tem sabido
desenvolver o conhecimento e a exerce o império do controlo.
Que papel terá nisto a UE, que não tem sido uma voz solidária e consolidada
nem a nível interno nem a nível externo? Continuará a assobiar para o lado? E Portugal,
tornado dependente da China do ponto de vista estratégico, contenta-se com que
as decisões se tomem cá dentro!
2020.10.24 –
Louro de Carvalho
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