São estas as três palavras
que definem o atual Papado, na ótica do cardeal hondurenho Oscar Andrés Rodriguez Maradiaga, em entrevista ao periódico on line “Zenit – o mundo visto de Roma” no passado dia 10 de abril.
Quem é afinal o predito príncipe da Igreja?
O cardeal arcebispo
de Tegucigalpa e presidente da Caritas Internationalis (desde 2007) é um dos principais colaboradores de topo do Papa
Francisco. Coordena, desde o mês de abril de 2013, o Conselho de Cardeais – conhecido
por C-9 – que aconselha o Papa no âmbito da reforma da Cúria Romana e do
governo da Igreja universal.
Como presidente
da Caritas Internationalis esteve
em Portugal no passado dia 13 dezembro de 2014 e proferiu uma conferência em
torno do tema Dimensão Social da
Evangelização no Mundo de Hoje. Também esteve, no passado dia 8 de abril,
em Fafe, onde interveio no âmbito da iniciativa fafense “Terra Justa” – Encontro
Internacional de Causas, Valores da Humanidade”. Conhecido pela sua luta pelos direitos
humanos, continua a desafiar as nações mais ricas a manterem as suas promessas
para aumentar e melhorar o desenvolvimento de ajuda aos países mais pobres do
mundo.
***
Na aludida entrevista, o
insigne colaborador do Papa afirmou que o balanço de dois anos de trabalho
daquele Conselho dos Cardeais é bastante
positivo. E, citando palavras do Sumo Pontífice, assegurou que ‘a Cúria está
para servir’ e que ‘não pode haver carreirismo dentro da Igreja’. Mais: aquele
que diz que não se fez nada, se não sabe, é melhor que não fale. Recorda
outrossim que, segundo palavras de Francisco, se podem reformar todas as
instituições, mas, “se as pessoas não se reformam, isso não leva a lugar
nenhum”. Ademais, “a Cúria Romana não é uma corte”, pelo que o “carreirismo
dentro da Igreja” não tem lugar. Por consequência, uma das chaves da reforma é descobrir
o modo “como fazer para que as instituições da Cúria Romana possam servir
melhor, possam servir mais agilmente”.
O Cardeal
Maradiaga não se coibiu de falar sobre o IOR, adiantando que “foram canceladas
14 mil contas”. Reconhece que o Santo Padre estava altamente preocupado com os
escândalos conexos com a economia Vaticana, mas salienta que a transparência ora
conseguida reduz muito a corrupção.
Refere-se
ainda à ideia mítica das riquezas do Vaticano, sublinhando que o “orçamento de
todo o Estado do Vaticano, não chega nem aos tornozelos da Arquidiocese de Colónia”,
por exemplo.
***
Mais em detalhe:
Quanto ao
papel da Igreja na sociedade de hoje, distingue a Igreja como hierarquia e a Igreja como povo de Deus. Como
hierarquia, a sua missão é evangelizar, em especial, a cultura (parece interessante este acento na cultura, pois, através dele se
atingirá o homem todo); como povo de Deus, compete-lhe evangelizar sobretudo com o testemunho.
Isto não retira quer à hierarquia quer ao laicado a missão comum de testemunho,
ensinamento e reflexão. Trata-se, porém de evidenciar os aspetos predominantes
de uns e de outros, acentuando a preeminência do testemunho dos valores do Evangelho.
Em conformidade com estes termos, o cardeal enuncia o desafio hodierno lançado à Igreja.
Se nós efetivamente somos o povo de Deus, se constituímos esta comunidade,
temos de apresentar a Igreja como casa de
comunhão, escola de comunhão. Frente a um mundo, marcado pelo individualismo,
onde cada um procura fechar-se nos seus próprios limites, a Igreja está chamada
“a ter um abridor de latas na mão para ir abrindo essas áreas” demasiado individualizadas
e individualistas.
Sobre o mencionado Conselho dos
Cardeais, confessa que “uma das
coisas mais belas é que temos o Santo Padre como um de nós em todas as nossas
reuniões, e está lá [nas sessões] como um irmão a mais”. Além de não impor o
seu pensamento, às vezes, até pede alguns esclarecimentos. “Está com todos nós
o tempo todo. Da Santa Eucaristia da manhã até, às vezes, à noite. Almoça connosco
e toma café connosco. Podemos ter esse acesso tão fraterno e tão bonito com o
Santo Padre”.
Já que uma
das preocupações papais era a questão económica, que abrange a gestão do
património da Sé Apostólica e o famoso IOR (Instituto para as Obras Religiosas), conhecido como o Banco do Vaticano, o Santo Padre
criou, ainda antes da primeira reunião do Conselho dos Cardeais, duas
comissões, uma para a gestão do património da Sé Apostólica e outra para os
assuntos atinentes ao IOR.
Essas
comissões entregaram os materiais que o Conselho estudou na primeira reunião de
outubro, na reunião de dezembro de 2013 e na reunião de fevereiro de 2014.
Nesta última reunião, chegou-se à conclusão clara de que era necessário criar
uma Secretaria de Economia, quase como um ministério de Finanças dentro da Igreja.
Foi criada por Motu Proprio do Papa
Francisco e está a funcionar. Quanto ao problema da administração do património
da Sé Apostólica, também passou a funcionar como as secções de um Banco Central
de um Estado, com todas as funções, nomeadamente, a económica. E o IOR também
foi submetido a uma reforma substancial, assumindo-se não como um banco, mas
como o que era originariamente, uma fundação.
Rodríguez
Maradiaga esclareceu a história e os objetivos do IOR. Trata-se de uma fundação
que o Papa Pio XII criou na iminência do perigo de que Hitler tomasse o
Vaticano e, por consequência, se perdessem os bens das comunidades religiosas. Porém,
com o passar do tempo, transformou-se praticamente num banco, no qual havia
pessoas que lá não deveriam ter conta. O cancelamento das 14 mil contas, acima
evocado, foi acompanhado da recomendação aos seus titulares de que levassem o
seu dinheiro ao Estado italiano, que era onde devia estar. Muitas vezes, estava
ali apenas para não pagar impostos, o que era um grande erro, além de ser
eticamente mau. “Agora, toda esta reforma levou a uma maior transparência”.
Hoje em dia, dizia Maradiaga que “existe uma administração muito eficiente e a
publicação de tudo. Os orçamentos estarão na internet, caso já lá não estejam.
De tal forma que seja possível ver não somente o orçamento, mas também a
execução do orçamento.” – Explicitou o cardeal.
Relativamente
à reforma da Cúria Romana, o cardeal hondurenho, salienta, escorado nas palavras do Papa, que ela
postula a reforma das pessoas, a reforma das mentalidades. E o Papa lembra recorrentemente
estes pressupostos. Por exemplo,
a Cúria Romana não é uma corte, não existe uma corte papal. Talvez no passado tenha
existido, quando era considerado como um governante, um monarca. Mas hoje não é
assim. O Papa diz que a Cúria Romana está para servir. Sendo assim, um dos
critérios da reforma é descobrir como fazer para que as Instituições da Cúria Romana
possam servir melhor e com mais agilidade. Outro critério é que não haja
carreirismo dentro da Igreja. O Papa insiste muito neste ponto do carreirismo.
No atinente ao
pontificado do Papa Francisco e no quadro
da celebração do segundo aniversário da sua eleição, o Cardeal Rodríguez
Maradiaga define-o clara e sinteticamente com três palavras: misericórdia,
alegria e pobres – assente num perfil pessoal de fraternidade, franqueza
comunicativa, simplicidade e alegria, raiando às vezes as malhas da
brincalhonice, mesmo em público nalgumas situações de informalidade.
***
Para quê, pois,
discutir até à exaustão se o Papa é teólogo ou não, se o seu Pontificado está
ou não estruturado teologicamente. O que importa é que Francisco seja “pastor”,
conforte, semeie a esperança, confirme na fé, seja ouvido no seu magistério ordinário
e de influência e, se necessário for, assuma o papel de supremo doutor da Igreja
universal. De resto, que prossiga o objetivo claro que tem em mente: a reforma
da Igreja, tornando-a em missão permanente às periferias, definitivamente cercã
dos mais pobres, dos que não têm vez e voz.
Como
Rodríguez Maradiaga, “pedimos ao Senhor que lhe dê a vida necessária para que
leve adiante esse trabalho, que é muito importante, muito importante para o
futuro e, acima de tudo, para continuar dando esperança e alegria”.
Ele, como
assegura o cardeal, “é portador de alegria; e a tristeza não tem nada a ver com
a fé cristã”.
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