O
n.º 69 do Diário da República, 1.ª série, do passado dia 9 de abril, publicou o
Decreto-Lei n.º 46/2015, de 9 de abril que “reconhece o interesse público do
conjunto patrimonial designado por Complexo Europarque”, estabelece os termos da
sua “integração no domínio privado do restado” e disciplina pormenorizadamente “a
cedência da sua utilização ao Município de Santa Maria da Feira” (cf
art.º 1.º/1.2.).
A
razão do reconhecimento do interesse público deste conjunto patrimonial
funda-se no facto de, no entender do Governo, constituir “um equipamento
estratégico âncora da região norte no âmbito do Plano Estratégico do Turismo de
Negócios do Porto e Norte de Portugal”, configurando uma “infraestrutura que
contribui para a afirmação da região norte do País como polo de referência do
empreendedorismo e da atividade empresarial” (vd art.º 1.º/1.).
O
motivo por que o Complexo Europarque é integrado no domínio privado do Estado (vd
art.º 3.º), através
de dação em cumprimento para a regularização de parte da dívida da titular do imóvel,
a associação Europarque – Centro Económico e Cultural, perante o Estado, nos
termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 121.º da Lei n.º 82 -B/2014, de 31 de
dezembro (Lei do Orçamento para 2015), segundo a qual o Governo fica
autorizado à “aceitação, como dação em cumprimento, de bens imóveis, bens móveis,
valores mobiliários e outros ativos financeiros”.
Por
que razão a gestão do património em causa fica entregue ao município de Santa
Maria da Feira, em princípio, por 50 anos?
O
n.º 2 do art.º 1.º aduz o interesse público associado à utilização do
equipamento. Porém, o preâmbulo do decreto-lei sustenta-se na explícita identificação
do Município de Santa Maria da Feira “como a entidade pública com vocação e
condições para assegurar a sua exploração direcionada, contribuindo assim para
o desenvolvimento sustentado da economia e para a manutenção das externalidades
positivas para a região norte do País, reunindo as condições para assumir a
prossecução destes mesmos fins”.
***
Quais
são as peças que integram, segundo mencionado normativo legal, o património do
Complexo Europarque? São as descritas no seu anexo II, conforme determina o n.º
2 do art.º 2.º: o Edifício técnico; o Edifício Administrativo; o Pavilhão de Exposições;
o Centro de Congressos; o Auditório; o “Restaurante do Lago”; os Arranjos Exteriores
e Parque de Estacionamento; e o Heliporto.
Ficam
de fora os terrenos anexos, que continuam a pertencer à Associação Empresarial
de Portugal (AEP),
entidade que criou, em 3 de abril de 1992, a associação Europarque — Centro
Económico e Cultura, vulgarmente designada por Associação Europarque ou apenas
Europarque, a qual mandou construir o complexo em referência e contraiu 3 empréstimos
na Banca com os avales do Estado (agora, acrescidos de
juros, totalizam € 34 915 853).
Refere
o preâmbulo do mencionado decreto-lei que, “em 22 de junho de 2010, para
contragarantia da prestação dos referidos avales, a Associação Europarque
constituiu uma hipoteca voluntária a favor do Estado sobre o Complexo
Europarque, e os empréstimos concedidos foram prorrogados e os respetivos
planos de reembolso ajustados mediante sucessivos despachos de manutenção das
garantias pessoais do Estado”.
Como
a predita associação não cumpriu com o pagamento dos empréstimos, o equipamento
foi entregue ao Estado pelo valor de € 21 400 000, livre de ónus ou encargos (vd
preâmbulo e art.º 3.º/2.).
***
De
acordo com o art.º 5.º do decreto-lei, na data da celebração do auto de dação, pelo
qual se torna efetiva a transferência do Complexo Europarque para o domínio
privado do Estado, a utilização do mesmo é cedida ao Município de Santa Maria
da Feira, pelo prazo de 50 anos, regressando o referido Complexo à posse do
Estado, na totalidade, caso seja alterada a finalidade, ainda que parcialmente,
dos usos associados ao reconhecimento do seu interesse público, ou caso o mesmo
Complexo seja alterado de forma significativa sem o consentimento prévio e
expresso do Estado, através da Direção-Geral do Tesouro e Finanças (vd
n.º 1).
Como
contrapartida pela predita cedência, o Município de Santa Maria da Feira assume
a responsabilidade integral pelos investimentos necessários para que o Complexo
Europarque continue a ser utilizado no âmbito dos fins de interesse público a
que se destina, como polo de desenvolvimento da região, e a de suportar todas
as despesas e encargos de conservação e de manutenção do Complexo Europarque
pelo período da cedência, nos termos legais (vd n.º 2).
Quer
dizer: o município gere o Europarque durante 50 anos, período após o qual, o
Complexo regressa ao regime de utilização por parte do Estado. O decreto-lei não
prevê renovação do período de cedência de utilização nem prorrogação do prazo. Por
outro lado, o período de 50 anos parece demasiado se o mesmo servir apenas para
testar a capacidade do município.
Todavia,
o Complexo regressará à posse do Estado se for alterada a finalidade total ou parcial
da utilização associada ao interesse público dos equipamentos ou se o conjunto patrimonial
for significativamente descaraterizado, sem autorização da entidade governativa
a quem compete a administração do património.
Ademais,
é de perguntar se o município tem efetiva capacidade de planeamento,
organização e agendamento de eventos que garantam a manutenção a custo zero das
instalações e espaços exteriores do Complexo, capacidade que a AEP de todo não
manifestou, deixando mesmo que o empreendimento acuse visível degradação.
Depois,
vai o município, através dos seus serviços, assumir as ações de investimento e a
gestão do empreendimento e a organização dos eventos a que se destina ou irá
alocá-lo, no todo ou em parte, por concurso a alguma entidade privada?
Finalmente,
em que medida os encargos com a manutenção do Complexo Europarque se vão
refletir na bolsa dos munícipes, já que, dada a situação financeira da
autarquia, os seus clientes são abrangidos por taxas de IMI, IRS (na
parte que compete ao município)
e outras no máximo previsto legalmente? Diga-se que o município, se dispõe de
uma considerável oferta cultural, não dispõe de uma rede viária desenhada em
termos de adequação aos tempos de hoje, apresentando-se a existente com
visíveis sinais de degradação generalizada, com destaque para o mau estado do
pavimento e, em imensos troços, para a excessiva sinuosidade e estreiteza de perfil
transversal. E vê degradar-se o porque empresarial como insigne e qualificado
espectador!
Em
suma, Quo vadis, Europarque neste
município e nesta região? Que economia?
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