domingo, 16 de outubro de 2016

O espectro da insegurança nacional


O país ficou abalado com o ocorrido perto de Aguiar da Beira no passado dia 11 de outubro. Um indivíduo armado ceifou a vida de um militar da GNR, feriu gravemente outro que obrigou a meter o falecido na bagageira do carro-patrulha da corporação, carro com que fugiu levando consigo falecido e ferido e que acabou por abandonar. Em seguida, fez parar um carro em que seguia um casal, matou o marido e deixou maltratada a esposa, que ainda se mantém com prognóstico reservado. Depois, pôs-se em fuga, deixando documentos, mas levando armas da GNR.
As forças da ordem cercaram a zona onde presumivelmente o foragido se acobertava e difundiram conselhos de autossegurança às populações interessadas, mas passadas várias horas, as forças desmobilizaram e mantiveram policiamento de proximidade às populações.
O certo é que o rasto do homem se perdeu até que hoje, dia 16, surgiram notícias que davam como certo um assalto a dois idosos, que sequestrou, numa das aldeias do concelho de Arouca, donde se terá evadido com uma viatura que furtou de um deles.  
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O episódio dá-me azo a alguns comentários. Em primeiro lugar, aponto a série de informações contraditórias sobre factos presuntivamente relacionados com o ocorrido. Não se sabia se o episódio do morticínio ocorreu no âmbito duma operação policial de rotina, se na interceptação de um assalto. Não foram dadas com detalhe as caraterísticas do suspeito ou os antecedentes. Foi dada a notícia precipitada do óbito da senhora cujo marido foi morto para roubo da viatura em que seguia com ela a uma consulta de fertilidade em Coimbra, notícia que teve de ser desmentida.
Sobre a atuação das forças de segurança, devo dizer que lamento a morte do militar da GNR, eficiente, simpático e bom homem, cujo perfil reconheci; e imagino o sofrimento do seu colega a receber ordens estúpidas dum energúmeno armado e todo-poderoso. Porém, tenho de lamentar que alguém supostamente dum posto ou de uma central informe via rádio a patrulha de que o homem que tem em presença é perigoso e que está armado. Se o tivessem feito por telemóvel, provavelmente o circunstante não teria ouvido o recado. Depois, não percebo como é que a GNR difunde o facto de ter abandonado o cerco à zona em que o suspeito poderia estar a abrigar-se. Fazia o que podia e continuava a dar instruções de autodefesa às populações. E mais nada. Aliás, pergunto-me o que estaria a patrulha a fazer no início da noite no local do crime: a ver quem passava, a mostrar que policiava o local, com que fim, a tentar ver se algum condutor ultrapassava o limite de velocidade?
Outro fenómeno a lamentar são as informações laterais que até serão verdadeiras, mas que constituem um fait divers e outras que circunstancialmente constituem de momento um insulto aos habitantes dos aglomerado populacionais mais vulneráveis. Quero lá saber se o homem estava casado ou junto com uma mulher e se depois se juntou com outra e a deixou; se era bom tipo e teve azar ou se já era de humor variável ou bipolar. Se já fora arguido de violência doméstica, porque não foi convenientemente punido? Dizem os jornais de hoje que é sociopata. Então porque não o tratam? Ou será que um relatório psiquiátrico serve apenas para declarar a inimputabilidade do presumível arguido e não para postular um tratamento com vista à defesa das populações indefesas, sobretudo rurais, que têm de se autodefender dos intocáveis criminosos, psicopatas, sociopatas, econnomicopatas, medicopatas, advocatopatas, etc? Imaginem que um jornal até noticiou que o sacerdote que presidiu a um funeral teve de chamar à razão, à calma os participantes na celebração religiosa, coisa que é usual fazer-se em circunstâncias destas de forte emoção, ou que a Ministra se emocionou, pois também ela é gente. Porque não?
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Há um outro tipo de comentário a fazer, que atinge a postura dos poderes em relação ao regime jurídico-constitucional. Este nosso regime é garantístico. Porém, é preciso saber como o leem.
O art.º 9.º da CRP inscreve no quadro das tarefas fundamentais do Estado a garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático (alínea b) e a promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação e modernização das estruturas económicas e sociais (alínea d). O n.º 1 do art.º 25.º garante a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas; e o n.º 1 do art.º 27.º garante o direito de todos à liberdade e à segurança. Aqui, interrogo-me como é que alguns, nomeadamente advogados e magistrados só leem as normas atinentes à restrição da limitação das liberdades. Parece que o Estado aposta na defesa absoluta do indivíduo em detrimento da defesa e segurança da comunidade. Então o crime pode compensar, o que é inaceitável. É óbvio que a nossa lei processual vai no sentido garantístico do indivíduo: há demasiada e duradoura presunção de inocência e demasiadas dúvidas em que “standum est pro reo”.
Ora, no quadro das políticas de segurança e defesa nacional está definida, ao nível do conceito estratégico de defesa, como um dos objetivos permanentes a garantia da liberdade e da segurança das populações, bem como dos seus bens e da proteção do património nacional. Então, se as nossas forças de segurança não são capazes de capturar um foragido em seis dias, como não foram capazes de capturar um foragido em um mês, no ano passado, que garantia nos dão de prevenção e/ou resposta a ameaças de natureza global que podem pôr diretamente em causa a segurança do país?
O manual do conceito estratégico nacional de 2014 elenca como ameaças globais:
- O terrorismo, dado que a liberdade de acesso e a identidade de Portugal como uma democracia de tipo ocidental tornam o país um dos alvos do terrorismo internacional;
- A proliferação de armas de destruição massiva, que representa a ameaça mais imediata e preocupante, se na posse de grupos terroristas ou se redundar em crises sérias na segurança regional de áreas vitais;
- A criminalidade transnacional organizada, já que a nossa posição geográfica como ampla fronteira da UE e o vasto espaço aéreo e marítimo sob sua jurisdição nos impõem particulares responsabilidades;
- A cibercriminalidade, visto que os ciberataques são ameaça crescente a infraestruturas críticas, em que potenciais agressores (terroristas, criminalidade organizada, Estados ou indivíduos isolados) poderão fazer colapsar a estrutura tecnológica de uma organização social moderna;
- A pirataria, pela dependência energética e alimentar, pela importância do transporte marítimo para a economia nacional e pelas crescentes responsabilidades na segurança cooperativa dos recursos globais. (vd Governo de Portugal. Conceito estratégico de defesa nacional. Portal do Governo, 2014).
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Não há homens nem meios infalíveis, mas não se devem menosprezar meios, pessoas, leis e procedimentos adequados. Não há recursos humanos e financeiros suficientes? Arranjem-se.
Nunca percebi como é que um país pobre de recursos disponíveis se dá ao luxo de prescindir dum período exigível a cada jovem de serviço cívico ou serviço militar. Talvez se ganhasse mística, solidariedade e sentido do todo e seria sobretudo uma oportunidade de formação. Reconheço que muitos jovens dão esse contributo cívico, promocional ou missionário de forma devotada e altruísta. Porém, a sociedade organizada em Estado deveria ser mais inteligente a aproveitar a pequenez do que os cidadãos lhe podem dar com esforço, é certo, mas sem sacrifício cruento da vida.
Não se contentem em mandar-nos trancar as portas, não sair de casa ou colocar alarmes. Num instante se chega, rouba, destrói mata e foge… e se pode voltar.
Enfim, sejam humildes, sejam bons e tolerantes, mas apanhem os suspeitos e entreguem-nos à justiça!

2016.10.16 – Louro de Carvalho

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