O
país ficou abalado com o ocorrido perto de Aguiar da Beira no passado dia 11 de
outubro. Um indivíduo armado ceifou a vida de um militar da GNR, feriu
gravemente outro que obrigou a meter o falecido na bagageira do carro-patrulha
da corporação, carro com que fugiu levando consigo falecido e ferido e que
acabou por abandonar. Em seguida, fez parar um carro em que seguia um casal,
matou o marido e deixou maltratada a esposa, que ainda se mantém com
prognóstico reservado. Depois, pôs-se em fuga, deixando documentos, mas levando
armas da GNR.
As
forças da ordem cercaram a zona onde presumivelmente o foragido se acobertava e
difundiram conselhos de autossegurança às populações interessadas, mas passadas
várias horas, as forças desmobilizaram e mantiveram policiamento de proximidade
às populações.
O
certo é que o rasto do homem se perdeu até que hoje, dia 16, surgiram notícias
que davam como certo um assalto a dois idosos, que sequestrou, numa das aldeias
do concelho de Arouca, donde se terá evadido com uma viatura que furtou de um
deles.
***
O
episódio dá-me azo a alguns comentários. Em primeiro lugar, aponto a série de informações
contraditórias sobre factos presuntivamente relacionados com o ocorrido. Não se
sabia se o episódio do morticínio ocorreu no âmbito duma operação policial de
rotina, se na interceptação de um assalto. Não foram dadas com detalhe as
caraterísticas do suspeito ou os antecedentes. Foi dada a notícia precipitada do
óbito da senhora cujo marido foi morto para roubo da viatura em que seguia com
ela a uma consulta de fertilidade em Coimbra, notícia que teve de ser
desmentida.
Sobre
a atuação das forças de segurança, devo dizer que lamento a morte do militar da
GNR, eficiente, simpático e bom homem, cujo perfil reconheci; e imagino o
sofrimento do seu colega a receber ordens estúpidas dum energúmeno armado e
todo-poderoso. Porém, tenho de lamentar que alguém supostamente dum posto ou de
uma central informe via rádio a patrulha de que o homem que tem em presença é
perigoso e que está armado. Se o tivessem feito por telemóvel, provavelmente o
circunstante não teria ouvido o recado. Depois, não percebo como é que a GNR difunde
o facto de ter abandonado o cerco à zona em que o suspeito poderia estar a abrigar-se.
Fazia o que podia e continuava a dar instruções de autodefesa às populações. E
mais nada. Aliás, pergunto-me o que estaria a patrulha a fazer no início da
noite no local do crime: a ver quem passava, a mostrar que policiava o local,
com que fim, a tentar ver se algum condutor ultrapassava o limite de velocidade?
Outro
fenómeno a lamentar são as informações laterais que até serão verdadeiras, mas
que constituem um fait divers e
outras que circunstancialmente constituem de momento um insulto aos habitantes dos
aglomerado populacionais mais vulneráveis. Quero lá saber se o homem estava
casado ou junto com uma mulher e se depois se juntou com outra e a deixou; se
era bom tipo e teve azar ou se já era de humor variável ou bipolar. Se já fora
arguido de violência doméstica, porque não foi convenientemente punido? Dizem os
jornais de hoje que é sociopata. Então porque não o tratam? Ou será que um
relatório psiquiátrico serve apenas para declarar a inimputabilidade do presumível
arguido e não para postular um tratamento com vista à defesa das populações
indefesas, sobretudo rurais, que têm de se autodefender dos intocáveis criminosos,
psicopatas, sociopatas, econnomicopatas, medicopatas, advocatopatas, etc? Imaginem
que um jornal até noticiou que o sacerdote que presidiu a um funeral teve de
chamar à razão, à calma os participantes na celebração religiosa, coisa que é
usual fazer-se em circunstâncias destas de forte emoção, ou que a Ministra se
emocionou, pois também ela é gente. Porque não?
***
Há
um outro tipo de comentário a fazer, que atinge a postura dos poderes em
relação ao regime jurídico-constitucional. Este nosso regime é garantístico. Porém,
é preciso saber como o leem.
O
art.º 9.º da CRP inscreve no quadro das tarefas fundamentais do Estado a
garantia dos direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios
do Estado de direito democrático (alínea b) e a promoção do bem-estar e da
qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses, bem como a efetivação
dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais, mediante a transformação
e modernização das estruturas económicas e sociais (alínea
d). O n.º 1 do art.º
25.º garante a inviolabilidade da integridade moral e física das pessoas; e o
n.º 1 do art.º 27.º garante o direito de todos à liberdade e à segurança. Aqui,
interrogo-me como é que alguns, nomeadamente advogados e magistrados só leem as
normas atinentes à restrição da limitação das liberdades. Parece que o Estado
aposta na defesa absoluta do indivíduo em detrimento da defesa e segurança da
comunidade. Então o crime pode compensar, o que é inaceitável. É óbvio que a
nossa lei processual vai no sentido garantístico do indivíduo: há demasiada e duradoura
presunção de inocência e demasiadas dúvidas em que “standum est pro reo”.
Ora,
no quadro das políticas de segurança e defesa nacional está definida, ao nível do
conceito estratégico de defesa, como um dos objetivos permanentes a garantia da
liberdade e da segurança das populações, bem como dos seus bens e da proteção
do património nacional. Então, se as nossas forças de segurança não são capazes
de capturar um foragido em seis dias, como não foram capazes de capturar um
foragido em um mês, no ano passado, que garantia nos dão de prevenção e/ou
resposta a ameaças de natureza global que podem pôr diretamente em causa a
segurança do país?
O
manual do conceito estratégico nacional de 2014 elenca como ameaças globais:
-
O terrorismo, dado que a liberdade de
acesso e a identidade de Portugal como uma democracia de tipo ocidental tornam
o país um dos alvos do terrorismo internacional;
-
A proliferação de armas de destruição
massiva, que representa a ameaça mais imediata e preocupante, se na posse
de grupos terroristas ou se redundar em crises sérias na segurança regional de
áreas vitais;
-
A criminalidade transnacional organizada,
já que a nossa posição geográfica como ampla fronteira da UE e o vasto espaço
aéreo e marítimo sob sua jurisdição nos impõem particulares responsabilidades;
-
A cibercriminalidade, visto que os
ciberataques são ameaça crescente a infraestruturas críticas, em que potenciais
agressores (terroristas, criminalidade organizada, Estados ou
indivíduos isolados)
poderão fazer colapsar a estrutura tecnológica de uma organização social
moderna;
-
A pirataria, pela dependência
energética e alimentar, pela importância do transporte marítimo para a economia
nacional e pelas crescentes responsabilidades na segurança cooperativa dos
recursos globais. (vd Governo de Portugal. Conceito estratégico de defesa nacional.
Portal do Governo, 2014).
***
Não
há homens nem meios infalíveis, mas não se devem menosprezar meios, pessoas,
leis e procedimentos adequados. Não há recursos humanos e financeiros suficientes?
Arranjem-se.
Nunca
percebi como é que um país pobre de recursos disponíveis se dá ao luxo de prescindir
dum período exigível a cada jovem de serviço cívico ou serviço militar. Talvez se
ganhasse mística, solidariedade e sentido do todo e seria sobretudo uma oportunidade
de formação. Reconheço que muitos jovens dão esse contributo cívico,
promocional ou missionário de forma devotada e altruísta. Porém, a sociedade
organizada em Estado deveria ser mais inteligente a aproveitar a pequenez do
que os cidadãos lhe podem dar com esforço, é certo, mas sem sacrifício cruento
da vida.
Não
se contentem em mandar-nos trancar as portas, não sair de casa ou colocar alarmes.
Num instante se chega, rouba, destrói mata e foge… e se pode voltar.
Enfim,
sejam humildes, sejam bons e tolerantes, mas apanhem os suspeitos e entreguem-nos
à justiça!
2016.10.16 – Louro de Carvalho
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