sexta-feira, 14 de outubro de 2016

Nobel da Literatura em 2016 é para Bob Dylan

Bob Dylan, músico e compositor de 75 anos, é o vencedor do Prémio Nobel da Literatura de 2016, segundo o anúncio de ontem, dia 13, da Real Academia Sueca das Ciências, que distinguiu o cantor e compositor norte-americano por “ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”.
Entre os favoritos à atribuição do galardão estavam o queniano Ngugi Wai Thiong'o, Haruki Murakami, Philip Roth, o poeta sírio Ali Ahmad Said Esber (conhecido por Adónis) e nomes menos óbvios como Don DeLillo, cuja obra mais recente – “Zero K” (edição da Sextante) – acaba de ser publicada em Portugal, e o escritor espanhol Javier Marías.
A escolha de Dylan acaba por ser surpreendente para muitos. Porém, segundo a Academia Sueca, o laureado foi escolhido por “ter criado uma nova expressão poética dentro da grande tradição americana da canção”. A Academia compara canções de Dylan às obras de Homero e Safo – o que é manifestamente excessivo.
Reconhecendo a putativa surpresa da opinião pública, Sara Danius, a secretária permanente da Academia Sueca e porta-voz do júri, em Estocolmo, disse esperar que a escolha não venha a ser criticada, aduzindo que “talvez os tempos estejam mesmo a mudar” e comparando as canções de Dylan às obras de Homero e Safo, que, tal como o músico, “escreveram textos poéticos destinados a ser representados”.
Ele encarna a tradição americana e anglo-saxónica, nas palavras daquela responsável, que lembrou que há 54 anos que o cantor, poeta e compositor se reinventa, criando novas identidades.
Instada a escolher uma canção emblemática do agora Nobel da Literatura, Sara Darius disse que o álbum “Blonde on Blonde”, de 1966, “é um exemplo extraordinário da sua forma brilhante de rimar e do seu pensamento pictórico” (vd também JN on line de hoje).
E explicitou:
“É óbvio que ele merece o prémio. É um grande poeta - um grande poeta na tradição da grande literatura de língua inglesa. Durante 54 anos de carreira, ele foi capaz de se reinventar constantemente, criando novas identidades.”.
Exatamente por ser acusada de conservadorismo durante décadas a fio, mantendo-se indiferente às transformações sociais e literárias, a Academia quis provar que está a acompanhar o ritmo do mundo e confessa que “os tempos estão a mudar”, como reza uma conhecida música do contemplado.   
Para muitos observadores a escolha foi ousada a ponto de romper com o esquema tradicional supostamente inquestionável e intocável, segundo o qual o Prémio Nobel da Literatura seria o corolário de uma carreira exclusivamente literária, “com destaque para o romance”.
Já o ano passado a escolha recaiu sobre o trabalho duma jornalista. Com efeito, em 2015, a vencedora do Prémio Nobel da Literatura foi a bielorrusa Svetlana Alexievich, autora de obras como “O Fim do Homem Soviético” (Porto Editora), “Vozes de Chernobyl” (Elsinore) e “A Guerra não Tem Rosto de Mulher” (Elsinore), tendo a Academia Sueca justificado a decisão “pela sua escrita polifónica, um monumento ao sofrimento e à coragem no nosso tempo”.
A atribuição do Nobel da Literatura, em 2016, fica marcada pela morte, ontem, como ficou susodito, do escritor e dramaturgo italiano Dario Fo, aos 90 anos de idade, que foi distinguido pela Academia Sueca em 1997.
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O JN de hoje, a pgs. 40, refere que “há quase 20 anos – desde o anúncio de Dario Fo, dramaturgo italiano ontem falecido – que uma escolha da Real Academia Sueca não causava tanto brado”.
O próprio atraso no anúncio do vencedor do prémio – que usualmente é revelado na primeira quinta-feira de outubro – gerou muita polémica ao longo das últimas semanas, havendo quem tenha interpretado – diz o Expresso on line – este adiamento como sintoma de que a escolha do vencedor estava a ser mais difícil este ano ou que não haveria consenso entre os académicos, rumores que um representante da Academia Sueca veio desmentir publicamente.
“Da aclamação ao choque” – acentua o JN –, “do consentimento à repulsa, a surpresa foi o denominador comum” logo que foi conhecido o nome do 113.º vencedor do Prémio Nobel da Literatura. Formaram-se nas redes sociais, em poucas horas, dois blocos com posições extremadas: um concordante cujo rosto mais visível é Salman Rushdie; e outro de detratores, em maioria, em que se incluem Irvine Welsh e Joanne Harris.
Porém, a porta-voz do júri mencionada sustenta que “o maior poeta vivo” integrava, há muitos anos, a lista de putativos candidatos, embora nunca tenha estado perto de ser apontado como um dos favoritos. Chegou a ser consensual, no meio literário, que a opção mais óbvia, caso vingasse a ideia de premiar um criador do círculo musical, recairia no canadiano Leonard Cohen, cuja produção literária é mais extensa e academicamente mais respeitável.   
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Nascido em Duluth, em 1941, no Minnesota, numa família de proveniência russa e judaica, Robert Allen Zimmerman (Bob Dylan é o seu pseudónimo) começou a escrever poemas aos 10 anos. Aprendeu sozinho piano e guitarra. Em 1959, foi estudar para a Universidade do Minnesota (EUA). No ano seguinte, deixou a Faculdade e partiu para Nova Iorque, cada vez mais interessado nas origens do rock and roll e em intérpretes e criadores como Woody Guthrie, sua grande referência musical. Escreveu no 1.º volume das suas crónicas:
“Já tinha passado por muitas coisas e visto muitas outras. Mas agora o destino ia revelar-se. Senti que [Guthrie] estava a olhar diretamente para mim e para mais ninguém”.
Recorde-se que, em 1966, Dylan publicou “Tarântula” (Quasi Edições), a sua única obra de ficção e quase autobiográfica, que mistura poesia e prosa e espelha as mesmas preocupações artísticas refletidas em algumas das suas canções. Em 1962, lançara o seu primeiro álbum, “Bob Dylan”, seguindo-se outros discos, como “Blonde On Blonde” (1966) e “Blood On The Tracks” (1975), reconhecidos como obras maiores e eternas, dada a sua importância e legado. Este ano, Dylan lançou “Fallen Angels”, o seu 37.º álbum gravado em estúdio, homenagem a Frank Sinatra. Esteve em Tóquio, em tournée, a apresentá-lo, seguindo-se sete concertos no Japão e uma digressão pelos Estados Unidos, que representou mais uma etapa da sua “Never Ending Tour”. No ano passado, o cantor e compositor lançou “Shadows in the Night” e, em 2012, “Tempest”, disco que levou alguns fãs a crer que seria a sua última produção, dado ter o título da última peça de Shakespeare. Em março deste ano, anunciou a venda dos seus arquivos pessoais (cerca de 6 mil itens relacionados com a sua carreira) à Biblioteca de Tulsa, no Oklahoma, onde se encontra o Museu de Woody Guthrie, o folk singer que tanto admirava.
Apesar de não reconhecida consensualmente pelos seus pares, a produção dyliana não se resume às letras das canções que o celebrizaram e constituem ícones da cultura pop contemporânea, como “Blow in the wind” ou “The times they are achangin”.
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Dylan ainda não reagiu ao anúncio e escolha da Academia. Contudo, não se esperam reações eufóricas dele, que é conhecido por ser um homem reservado, de poucas e às vezes más falas e sempre muito metido consigo mesmo. Disse um dia:
“Ninguém me conhece. O que é que as pessoas realmente sabem? Que o nome do meu pai é Zimmerman e que a família da minha mãe é de classe média? Não vou andar por aí a dizer às pessoas que isso é falso... Não vou estar a encobrir o que quer que tenha feito. Não vou voltar atrás com coisa nenhuma, nenhuma declaração nem nada do que tenha feito... Já desisti de tentar dizer às pessoas que estão enganadas no que pensam sobre seja o que for, sobre o mundo, sobre mim, sobre qualquer coisa.”.
Quando fez 75 anos, Dylan que não compreendia por que razões lhe faziam, desde os anos 60, “as mesmas perguntas que fariam a um médico, um psiquiatra, um professor ou um político” respondeu: “Sou apenas um músico”.
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O editor Francisco Vale, da “Relógio d’Água”, que publicou em dois volumes a poesia de Bob Dylan, de 1962 a 2001, afirmou que a atribuição do Nobel ao poeta e compositor foi “uma surpresa relativa”. Disse o editor à Lusa:
“Foi uma surpresa relativa, porque havia outros escritores, mas o Bob Dylan é um grande poeta que soube inserir a poesia nas tradições musicais norte-americanas. Nomeadamente na pop e na folk”.
Para o declarante, esta distinção “só revela uma capacidade de atualização da Academia Sueca ao escolher um autor de canções, mas que é um grande poeta”. E rematou Francisco Vale:
“Bob Dylan está, de facto, inserido, e muito bem, na tradição poética anglo-saxónica, havendo claro, influências diretas de poetas/cantores como Leonard Cohen, de modo mais imediato, e de outros também, mas toda a grande poesia norte-americana, desde o Walt Whitman ao John Ashbery, está muito presente na poesia de Dylan”.
A Relógio d'Água publicou, em 2004, o 1.º volume da poesia de Bob Dylan, “Canções I”, respeitante ao período de 1962 a 1973 e, em 2008, o 2.º, “Canções II”, que reúne poesia de 1974 a 2001, numa tradução para português de Angelina Barbosa e Pedro Serranos.
Em Portugal, além da obra discográfica, está também publicado, pela Ulisseia, em 2005, o primeiro volume da autobiografia de Bob Dylan, “Crónicas”.
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Não sei se me convencem os argumentos da Real Academia Sueca das Ciências. Não creio que um prémio desta envergadura recaia sobre produção literária predominantemente expressa em letras de canções. Por um lado, se a música vem valorizar a expressão literária veiculada pelas canções, o âmbito do prémio extrapola o campo literário. E então deveria ser redefinido o seu âmbito, por exemplo, Nobel das Artes ou Nobel das Artes Dramáticas. Por outro lado, se as letras de canções (e muitas têm imenso valor expressivo, que não se nega nem desvaloriza), então pesa a injustiça de não se terem galardoado nomes – e para falar apenas de nomes portugueses – Miguel Torga, Fernando Pessoa, Aquilino Ribeiro, Sérgio Godinho ou Zeca Afonso, Manuel Alegre, entre outros, que nem sequer eram propostos porque à partida não seriam favoritos. Dizia-se que não tinham obra de fôlego ou que não era romance a sua obra (pouco extensa a narrativa, de universo limitado, etc.). Mas era poesia, novela, poesia e espelhava os dramas humanos e sociais ou servia de suporte a canções tradicionais, populares ou de intervenção. Porquê só agora estão os tempos a mudar? Ou será que é o Nobel que cri ao mérito da produção literária. Agora Dylan é o maior. Será mesmo?

2016.10.14 – Louro de Carvalho

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