Ainda nos lembramos de que a FPT (Federação Portuguesa do Táxi) e a ANTRAL (Associação
nacional dos transportadores rodoviários em automóveis ligeiros) organizaram em conjunto uma manifestação contra a
legalização e regulamentação de plataformas tecnológicas de transporte de
passageiros, como a Uber e a Cabify. O protesto foi antecedido de declarações
impróprias da parte do responsável da ANTRAL, dizendo que não queriam, como é
óbvio, violência durante a manifestação, mas que não se responsabilizava pelo
que viesse a acontecer.
Como é de
exigir a pessoas competentes, quando organizam um evento, têm de se
responsabilizar pelo êxito desse empreendimento, pelo fracasso e pelos danos
colaterais. Caso contrário, não organiza nada e, se o querem arrastar para uma
iniciativa com que não concorda, melhor que lhe repugna, demarca-se e até se
demite. Uma vez entrado no barco, não salta fora nem prevê tempestades nem as
fomenta. Um homem de bem responde pelos seus atos!
O protesto
foi suspenso e remarcado, mas parece ter desfalecido, talvez porque o
Presidente da República terá resolvido – e bem – não lhes passar a mão pelo “pelo”.
***
Não resisto a
dizer duas coisas sobre táxis. Uma é a positiva, pelo lado do trabalho sofrido
sob chuva ou seca, frio ou calor, a suportar silêncios, doestos e caprichos de
clientes ou assaltos de amigos do alheio e da alteração da segurança de pessoas
e bens. A outra é a negativa e abusiva, concretizada de várias formas, como:
abandonarem o local de estacionamento que lhes é concessionado e fazerem
viagens de largo percurso, incluindo viagens aos estrangeiro; deixarem os
utentes em terminal de transportes públicos sujeitos a terem de se socorrer de
automóveis particulares (já me vi em casos desses em tempos); colocarem-se perto de lugares de paragem de
autocarros ou de estação ferroviária a oferecerem transporte pelo preço do
autocarro ou do comboio (já vi disso); ou a
juntarem-se para bloquearem transporte de cliente que previamente solicitou ao
taxista A ou B que o fosse esperar ao autocarro (também me aconteceu e tive de fazer
valer os meus direitos de escolha).
***
Mas
voltemos ao caso da manifestação. Toda a gente viu como o protesto não seguiu
as instruções da polícia e parou na Rotunda junto ao Aeroporto Humberto Delgado
sem chegar a São Bento. E um carro da Uber foi
violentamente afagado e acariciado por mãos extremamente amigas e pés
claramente suaves, ficando bom para a sucata. E o pior em sensibilização da opinião pública
surgiu pela boca dum manifestante ao referir com a boca todo aberta a polémica
frase “as leis são como as meninas virgens, são para ser violadas”.
A frase, que
foi proferida em direto, é considerada pela Federação Portuguesa do Táxi (FPT) “frase-vergonha”. Ela não foi isolada dum contexto
linguístico, mas bem enquadrada como se tivesse sido premeditada: “As leis, dizem eles, são para se cumprir.
Mas é mentira. As leis, sabe como é que são? São como as meninas virgens. São
para serem violadas”.
Como reação
ao doesto, a CIG (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género), “enquanto organismo público responsável pela
promoção e defesa da igualdade de género e do combate à violência doméstica e
de género”, veio, na altura, “publicamente repudiar a afirmação” do taxista e
veiculada pela comunicação social, como referiu a agência Lusa. E aduziu:
“Estas declarações são reveladoras de um menosprezo relativamente à
dignidade, liberdade e autodeterminação sexual das mulheres e meninas, bem como
à sua integridade física e moral, sendo suscetíveis de legitimar e provocar
atos de discriminação e de violência. Uma vez que esta conduta pode configurar
a prática de crimes de discriminação sexual e de instigação pública à prática
de crimes previstos e punidos no Código Penal, a CIG apresentou queixa junto do
Ministério Público.”.
Assim, a
polémica declaração do taxista Jorge Máximo, que marcou a manifestação de
taxistas do passado dia 10 de outubro, é agora alvo de investigação. A
Procuradoria-Geral da República abriu um inquérito na sequência de uma queixa
feita ao Ministério Público pela CIG, segundo apurou o jornal digital Observador.
Entretanto,
o taxista, a iludir a opinião pública, tentou redimir-se ao afirmar ao Expresso:
“Peço desculpa a todos. O que eu queria dizer era o contrário, que as leis
são como as meninas virgens, não devem ser violadas.”.
Todos
sabemos que a frase é corriqueira em determinados ambientes, nomeadamente em
realização linguística de gíria profissional ou em linguagem marginal.
Todavia,
quando se usa da palavra em público e em ambiente familiar ou em circunstâncias
cerimoniosas, esta linguagem objetivamente suscetível de ser ouvida como
desrespeitosa e atentatória do pudor não pode ser utilizada. E o grande dom dum
cavalheiro é o respeito pela donzela e pela dama. E nem a mulher dissoluta
aceita ser tratada com desdém ou ser enxovalhada publicamente, quanto mais as
pessoas decentes. Além disso, o taxista, que todos entendemos como um prestador
de serviço ao público, não podia colocar-se em situação que possa ser
interpretada como também neste aspeto estar a representar a sua classe
profissional.
Mais: o rico
pode e deve pedir publicamente desculpas, às pessoas ofendidas representadas na
CIG e aos seus colegas de profissão, bem como à sua família, que provavelmente
nunca pensou ser representada na praça pública por um seu tão famoso
componente. Não obstante, não tem o direito de se comportar como palhaço de
circo (peço
desculpa aos palhaços) ou como
menino de coro (peço desculpa aos pueri
cantores) e vir
dizer-nos que “o
que eu queria dizer era o contrário, que as leis são como as meninas virgens,
não devem ser violadas”.
Ademais,
este homem de sociedade devia saber que não têm sido objeto de violação apenas
as meninas virgens, mas também outras raparigas e mulheres e mesmo crianças,
rapazes e homens. Além disso, o homem culto que o taxista diz que é deve saber
que as meninas virgens são candidatas ao namoro e subsequente casamento ou
equivalente e podem ser também candidatas ao celibato por motivos científicos e
humanitários e mesmo por causa do Reino de Deus.
Com o
que disse, o taxista arrisca-se a ser alvo de um processo-crime. A plataforma
feminista Capazes está a preparar uma
queixa e a ponderar uma carta aberta. A Procuradoria-Geral da República,
referindo que está em marcha um inquérito, ainda não se pronunciou sobre a
índole criminal do incidente, mas uma jurista da Associação de Mulheres Juristas sustenta que há matéria para
abertura de inquérito.
A este
respeito, Rita Ferro Rodrigues, representante da plataforma feminista Capazes, disse ao Expresso:
“É uma declaração muito mais que
ofensiva. Consideramos que encerra comportamento criminoso contra as mulheres.
É uma declaração produzida na televisão que é real e que incide sobre a
dignidade das mulheres. É um incentivo a um ataque sexual e tem de haver uma resposta.”.
As
juristas da plataforma estão efetivamente a analisar a matéria legal para
enquadrar a queixa, mas as Capazes
pensam também em fazer uma carta aberta à Federação Portuguesa do Táxi no
sentido de esta se demarcar.
E a
FPT fez saber da sua posição pela voz do presidente e por comunicado adrede
produzido.
Carlos
Ramos, presidente da Federação Portuguesa do Táxi, em declarações ao Expresso, condenou as declarações e
disse que a associação se irá demarcar delas publicamente, pois, esta não terá
sido a primeira vez que Jorge Máximo disse a frase e acrescentou:
“É condenável a todos os níveis. É
mais uma expressão de um industrial que contribuiu para a má imagem que nós já
temos. Deixou mal a classe, e já não é a primeira vez que o diz. Há uns tempos
repetiu a frase numa reunião e tivemos de o chamar à atenção.”.
E o comunicado
da Federação vai alinhado com as declarações do presidente.
Também
Leonor Valente Monteiro, da Associação de Mulheres Juristas, considera que as palavras
do taxista – que participa em programas de futebol na televisão como adepto
benfiquista – podem configurar crime de instigação à violência sexual, à luz do
artigo 297.º do Código Penal (CP), em termos de
instigação pública a um crime, pois, “instigar a um crime é incitar à violência
e o crime incitado é o de violação sexual de meninas virgens”. E a PGR, em nome
do dever que o Estado tem de “criar uma sociedade mais justa e equilibrada”,
tem de providenciar ao caso.
Veja-se, a
propósito, o que diz a lei sobre provocação ou incitação à prática de crime:
“Quem, em
reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de
escrito ou outro meio de reprodução técnica, provocar ou incitar à prática de
um crime determinado é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de
multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal” (CP,
art.º 297.º/1).
E sobre apologia pública
de um crime também está prevista sanção proporcionada:
“Quem,
em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de
escrito ou outro meio de reprodução técnica, recompensar ou louvar outra pessoa
por ter praticado um crime, de forma adequada a criar perigo da prática de
outro crime da mesma espécie, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com
pena de multa até 60 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal” (CP, art.º 298.º/1).
Ambos os artigos têm
um n.º 2 que estabelece:
“É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo
295.º”.
E
este estabelece:
“A
pena não pode ser superior à prevista para o facto ilícito típico praticado”.
***
A
frase-vergonha percorreu as redes sociais. Pouco tempo depois, as Capazes começaram a receber textos
vindos de várias jovens. A título de exemplo, transcreve-se um texto de Flávia
Ferreira, que reza:
“Jorge Máximo, espero que nunca
nenhuma das ‘meninas virgens’ que tem lá em casa seja obrigada a passar por
este tipo de violência e falta de respeito só para poder ser transportada do
ponto A para o ponto B. Porque eu sou uma menina virgem e ontem o meu medo de
andar de táxi sozinha deixou de ser visto como irracional.”.
***
Não haverá autoridades policiais
e judiciais que digam a este homem que há frases que um homem que se preze não profere,
pelo menos em público e em família. Não há ninguém que lhe diga que um homem
não se retrata dizendo que pretendia dizer o contrário. Ao menos que tenha
barba na cara e assuma as suas responsabilidades de cidadão, profissional e
homem de família. Inútil para ele a escola que frequentou e talvez a catequese
por que passou!
2016.10.24 – Louro de Carvalho
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