O
enunciado em epígrafe tem a ver com o duplo critério de medida como o Ministro
da Defesa Nacional encara o perigo entre exercícios na Força Aérea e no
Exército e/ou revelando premonitoriamente resultados de inquéritos em curso.
Na verdade, José
Alberto Azeredo Lopes assegura que o acidente que levou à perda de controlo da
aeronave, um C-130 da Esquadra 501 da Força Aérea, na base aérea n.º 6, do
Montijo, em 11 de julho passado, não foi causado por um “erro humano”, antes “fator
humano”, considerando que a hipótese de aquele treino específico não correr bem
“é natural”.
Neste
sentido, declarou aos jornalistas à margem da reunião de ministros da Defesa da
NATO, que se iniciou no dia 26 de outubro, no quartel-general da Aliança
Atlântica, em Bruxelas:
“Eu não posso falar em erro humano, posso falar quando muito num fator
humano envolvido no acidente, mas em que daí não resulta um qualquer juízo de
censura perante o que aconteceu. Estamos a testar situações-limite e, nessas
situações, a hipótese de não correr bem é uma hipótese que tem que se
considerar como natural”.
Do referido
acidente na fase de descolagem resultaram três mortos e quatro feridos, um
deles em estado grave.
Em
comunicado recente, a Força Aérea Portuguesa refere que o “acidente ocorreu
devido à impossibilidade da tripulação em controlar eficazmente a aeronave no
decurso de uma manobra que visava treinar a interrupção da respetiva corrida de
descolagem – manobra designada de aborto
à descolagem”; e que durante a execução dessa “manobra de aborto à
descolagem, a tripulação perdeu o controlo da aeronave, a qual descreveu uma
trajetória para a direita sem hipótese de correção, saindo da pista e
imobilizando-se”.
Sem que o
documento divulgado adiante as razões que levaram à perda de controlo da aeronave,
refere que o “erro humano” durou 10 segundos. Porém, Azeredo Lopes sublinhou
que “o que foi testado foi uma situação de dificuldade máxima” e considerou que
dizer, nessas circunstâncias, que foi “erro humano pressupõe uma atuação aquém
do nível de exigência”. E adiantou que “neste caso não se verificou isso”, sustentando
que o caso “ajuda de alguma maneira a compreender a condição militar”, já que
“para que um piloto esteja preparado para atuar em qualquer teatro de operações
com aquela aeronave, mesmo na formação e treino, é sujeito a situações-limite
que pela natureza das coisas pode colocar em risco a sua vida”.
É claro que
tinha que defender a pele da governação ao ser questionado sobre se os cortes
orçamentais ocorridos no passado em manutenção e operação podem ter prejudicado
o treino dos militares. Obviamente que rejeitou responsabilidades com base no
Orçamento. E a sua atitude foi irónica não em palavras, mas na postura de fuga
para frente, ao dizer:
“Há de haver outras circunstâncias em que podemos discutir se os cortes em
operação e manutenção têm ou não impacto na capacidade das Forças Armadas, mas
seguramente não há de ser este o caso”.
E reforçou:
“Nem que tivéssemos um génio da aviação se for testado 200 vezes, podem as
coisas não correr bem. Não consigo ver nem direta nem indiretamente uma relação
entre os cortes que ocorreram no orçamento da Defesa e aquilo que veio a
acontecer”.
O Ministro
elogiou ainda a Força Aérea por ter elaborado um relatório “esclarecedor, sem
zonas de penumbra” e por tê-lo divulgado, considerando que foi “um ato de
louvar”.
***
Já
quanto ao sucedido com o curso de comandos em que pereceram dois instruendos, o
governante esteve longe da prudência declarativa e imiscuiu-se demasiado na
questão. Não confiou na capacidade do Exército em apurar responsabilidades e
precipitou-se no avanço com hipóteses de suspensão de cursos e até fez crer que
se podia pensar na extinção daquela tropa especial.
A isto, o
general Rovisco Duarte, Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), que tardou em pronunciar-se publicamente sobre o
caso “comandos”, falou agora pela primeira vez sobre a morte dos militares,
assegurando que o relatório resultante dos processos de inquérito instaurados
ainda está sem data para ser conhecido. No entanto, 160 comandos vão para
República Centro-Africana, no âmbito da NATO, para uma missão de seis meses. Há cerca de quatro meses que os
homens estão prontos, mas
falta acertar “questões de logística” para que o contingente possa embarcar. Neste
momento, todo o planeamento tático está feito. Falta esclarecer alguns assuntos
de âmbito logístico no teatro de operações. Será necessário talvez fazer mais
um reconhecimento no teatro.
Sobre o
grave incidente de setembro passado, o general CEME disse, no passado dia 25, durante
uma visita com deputados à Unidade de Comandos da Carregueira, que as mortes recentes de dois comandos eram
situações “anómalas” no treino dos militares e garantiu que o Exército
vai “corrigir o que tiver de ser corrigido” para evitar novas mortes durante a
formação.
O Chefe do
Estado-Maior do Exército disse ainda esperar “tranquilamente” pelos resultados
dos inquéritos às mortes, mas garantiu que o Exército vai agirá “em conformidade” com as conclusões divulgadas.
Referindo que “o Exército é uma instituição fortemente hierarquizada” e que “há
responsabilidades de comando aos diferentes níveis” a sua atuação será “em
função dos relatórios que estão a ser preparados”.
A dificultar a conclusão e a entrega dos relatórios – tudo se encaminhava
para que estivessem prontos há uma semana – está o relatório das autópsias
feitas aos dois instruendos. Porém, a
RTP – desta vez não foi o Correio da Manhã! – já deu como certo que a autópsia
concluiu que as mortes se deveram ao dito golpe de calor, sem que haja qualquer
relação com ela eventuais agressões e comportamentos desviantes. É estranho que
os resultados das autópsias sejam inequivocamente tão claros e que sejam
divulgados na fase inquérito.
Com efeito,
há três processos em curso: dois do Exército e um do próprio Ministério
Público. Um dos processos foi instaurado para avaliar se houve
responsabilidades disciplinares nos incidentes que levaram à morte dos
militares e deverá estar concluído “muito em breve”, mas não tem ainda data
para que seja conhecido.
Diz-se que,
nas semanas subsequentes à morte dos militares, alguns instruendos do 127.º
curso (não eram
propriamente recrutas) garantiram
ter sido privados de água em formação e ter assistido a agressões a militares
que integravam o grupo, por parte dos instrutores. Em contrapartida, fontes da
Unidade referiram que em cursos anteriores foram detetados formandos com anabolizantes
e suplementos sem receita (motivo de expulsão do curso). Porém, sobre isto a Comunicação Social disse
“nada”. Falou-se ainda de negligência na ação médica no acidente e ordens
inadequadas e impróprias daquelas circunstâncias e na insuficiência dos
recursos humanos e logísticos Hospital da Forças Armadas, tendo-se verificado a
necessidade da utilização de hospitais civis. A própria Ordem dos Médicos
lamentou que o Exército nada tenha comunicado sobre a alegada eventual atuação
irregular da parte dos médicos militares, se realmente ela existiu.
O CEME
recusou comentar tais informações, mas disse o que o Ministro não disse:
“Temos a certeza de que os portugueses vão confiar nos Comandos. Eu estou
seguro. O Exército é uma instituição credível”.
O número de
militares que vão para a República Centro-Africana foi conhecido no dia 26, na
predita visita do CEME à Unidade de Comandos, na serra da Carregueira, e dos
deputados da comissão de Defesa da Assembleia da República. A assinalar essa
deslocação, os militares simularam uma missão em teatro de operações tentando
chegar com sucesso a um líder dum grupo rebelde, o general “Cava”. Em cerca de
5 minutos, e com várias explosões pelo caminho, os Comandos neutralizaram a
dezena de inimigos, entraram no edifício onde estava o High Value
Target (alvo de elevado valor) da sua missão e levaram consigo o líder dos insurgentes.
Segundo o
Presidente da Comissão de Defesa, Marco António Costa (PSD), os exercícios (antes, tinha havido luta corpo a
corpo com armas e exercício de tiro)
“demonstram as capacidades operacionais e revelam alto grau de treino, preparação física e robustez psicológica,
essenciais para garantir a eficácia e a competência” destes militares. Os
deputados estiveram naquela Unidade para “manifestar a solidariedade” do Parlamento
aos militares, mês e meio depois de dois instruendos do 127.º curso terem
morrido em formação, e para garantir que vão prestar “total atenção” às conclusões
dos inquéritos em curso, tanto no caso dos Comandos como no acidente com o
C-130, na Base Aérea do Montijo, em que morreram três militares, em julho
passado.
Por seu
turno, o Ministro da Defesa disse
registar os passos dados pelo inquérito criminal à morte de dois instruendos no
curso de Comandos e recusou ligações entre as condições de treino naquela
Unidade do Exército e na Força Aérea. E insistiu que “não deixaria de se
ir até às últimas consequências”, destacando o empenho do Ministério no
objetivo de apurar o que se passou no 127.º curso de Comandos e retirar “com
calma e serenidade” as “lições devidas”.
Tem razão ao
considerar que “as tragédias devem-nos fazer refletir” e que devemos tomar
todas as medidas para avaliar todos os planos” devendo “ver, com calma e
serenidade, como é que retiramos daqui as lições devidas para que não tornem a
ocorrer”.
Teceu estas
considerações em resposta aos jornalistas que o questionaram sobre a
constituição como arguidos de dois enfermeiros militares, que foram ouvidos no
dia 25 como arguidos no âmbito do inquérito às circunstâncias do treino que
levaram à morte de dois alunos do curso de Comandos e ficaram com termo de
identidade e residência. Sobre a audição dos arguidos, limitou-se – e bem – a
dizer que registava. Todavia não sei se deveria ter afirmado que há
aparentemente uma articulação virtuosa com o poder judicial porque a
investigação decorreu de forma muito rápida”. Primeiro, o Primeiro-Ministro não
se cansa de dizer que não se devem misturar as questões de justiça com as
políticas; depois, a investigação está longe de terminar.
Mais: Um dia
depois da divulgação do comunicado da Força Aérea sobre as conclusões do
acidente com o C-130, no dia 11 de julho, apontando para a perda de controlo do
C-130 durante um exercício de treino, Azeredo Lopes recusou ligações entre as
duas situações: comandos e acidente aeronáutico militar. E afirmou as diferenças
entre os dois tipos de treino, dizendo:
“Se se refere à situação posterior que ocorre nos Comandos, não consigo ver
qual é a relação entre uma situação e a outra. Os pilotos de C-130 têm de ser
testados em situações que não sejam fáceis, porque tratando-se de pilotos das
Forças Armadas, que têm de estar preparados para todos os teatros de operações,
sejam eles quais forem, o que se trata não é de violentar ou de exigir
fisicamente para além daquilo que é aceitável, é de testar dentro de padrões de
que, tenho a certeza, a Força Aérea estabelece de forma muito rigorosa, mas sem
ser absurda”.
O Ministro
não pode valorizar um ramo militar e minimizar o outro, nem aceitar o perigo num
caso e desvalorizá-lo no outro, exceto se for fã da acrobacia. Duplo critério,
não.
2016.10.29 – Louro de Carvalho
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