domingo, 12 de julho de 2020

Falar através de parábolas, um recurso de Jesus


Há quem pense que Jesus utiliza dados da vida quotidiana ou de relevantes eventos para ilustrar o ensino sobre os mistérios do Reino, ou seja, que fala através de parábolas para que todos O entendam bem. Seria, mas Ele próprio assegura que assim as multidões “veem sem ver e ouvem sem ouvir nem entender”, cumprindo-se o que profetiza Isaías (Is 6,9-10): “ouvindo ouvireis, mas sem compreender; olhando olhareis, mas não vereis, porque o coração deste povo tornou-se duro: endureceram os seus ouvidos e fecharam os seus olhos” (Mt 13,13-15).
Os discípulos estranharam este discurso parabólico feito as multidões, mas o Senhor garantiu que a eles foi dado (perfeito do verbo grego dídomi) conhecer os mistérios do Reino, a eles que são felizes porque os seus olhos veem e os seus ouvidos ouvem (cf Mt 13,16). Isto significa, antes de mais, que, para entender e acolher a pregação evangélica, se requer coração e alma de discípulo, bem como o propósito de apostolado, o que implica a docilidade conducente à perceção do mistério escondido, mas disponível para os homens, e à conquista do benefício inerente a tal mistério, a salvação – que não se conseguem com pescoço duro e coração de pedra.       
Assim, a longa perícopa evangélica (Mt 13,1-23) proclamada neste XV domingo do Tempo Comum no Ano A dá pleno cumprimento ao passo de Isaías (Is 55,10-11), que garante que, tal como a chuva rega o chão e faz germinar o pão, assim a Palavra de Deus rega o coração e faz germinar a conversão, realizando assim a sua missão. Esta passagem profética visa relevar a importância da Palavra segundo a qual Deus não abandona o seu povo, mas gera o consolo e a prosperidade. E a imagem da chuva é convincente para os judeus exilados na Babilónia. Com efeito, a água da chuva que cai no norte de Israel e a das neves do monte Hermon alimentam o rio Jordão; e este corre por toda a terra de Israel deixando larga pegada de vida e fecundidade.
A citada perícopa evangélica configura o primeiro episódio do Discurso das Parábolas de Jesus, que preenche todo o capítulo 13 do Evangelho de Mateus e constitui o centro deste Evangelho. E, sendo o primeiro episódio, apresenta-nos a propedêutica das parábolas como referido acima.
Este capítulo contém sete parábolas: a do semeador que sai a lançar a semente (13,1-23), hoje proclamada, a do trigo e da cizânia (13,24-30), a do grão de mostarda (13,31-32), a do fermento (13,33), a do tesouro escondido no campo (13,44), a da pérola (13,45-46) e a da rede (13,47-50) – todas a constituir símiles do Reino dos Céus. E, ao invés da tendência humana para a rapidez das decisões e para a impaciência pelo que não acontece, bem como para o gosto pelas grandezas e pelas quantidades, aqui sobressai a lentidão, a espera, a tolerância e a paciência, a pequenez, o que não se pode trocar por nada, a contenção nos juízos sobre os outros e a não destruição daquilo que não nos agrada.    
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A parábola do semeador que saiu a lançar a semente à terra (são importantes, para se perceber o dinamismo do Reino, os 5 elementos: semeador, saída, semente, lançamento e terra) – é uma das mais conhecidas e emblemáticas das parábolas de Jesus. Porém, o texto não se cinge à parábola em si. Apresenta momentos: a parábola (vv 1-9), uns ditos sobre a função das parábolas (vv. 10-17) e a explicação da parábola (vv 18-23).
O quadro apresentado na parábola supõe o conhecimento das técnicas agrárias usadas na Palestina de então: o agricultor lançava a semente à terra e arava o terreno. Assim, compreende-se que uma parte da semente caia “à beira do caminho”, outra em “sítios pedregosos onde não havia muita terra” e outra “entre os espinhos”. Daqui se deduz (à parábola não interessam todas as técnicas), que as diferenças do terreno são a metáfora das diferentes formas de acolhimento da semente. E, mais do que isso, o que é verdadeiramente significativo é a enorme quantidade de frutos que a semente lançada na boa terra produz, pois, considerando que, à época, uma colheita de 7 por um era farta, os 100, os 60 ou os 30 trinta por um pareceriam aos ouvintes de Jesus algo de milagroso.
Ora, a parábola parece bofetada de luva branca às cidades do lago (Corozaim, Betsaida, Cafarnaum), que rejeitaram a pregação de Jesus; aos fariseus, que O atacavam por não respeitar o sábado e O queriam matar; aos que O acusavam de agir, não pelo poder de Deus, mas pelo poder do príncipe dos demónios; e ao que não acreditavam nas suas palavras e Lhe exigiam sinais.
E, com esta parábola, Jesus exorta os discípulos desiludidos a que não desanimem, pois, apesar do aparente fracasso, o Reino é uma realidade imparável e o resultado final será surpreendente.
Depois, vem a reflexão sobre a função das parábolas, na sequência da interpelação dos discípulos a Jesus sobre o uso desta linguagem. Na verdade, as parábolas apresentam a proposta do Reino numa linguagem sugestiva e interpeladora. Tornam tudo evidente para os ouvintes, de modo que só não percebe e aceita a mensagem quem tiver o coração endurecido e não estiver mesmo interessado nela. Ao invés, quem acolher a mensagem receberá mais e terá em abundância. Assim, os discípulos são os e as que escutam os segredos do Reino e estão dispostos/as a acolhê-Lo. São felizes, porque abriram o coração a Jesus, escutaram as suas palavras, viram e entenderam os seus gestos e sinais.
Por fim, vem a explicação da parábola, que desloca o foco da grandiosidade do Reino para as diversas atitudes com que o crente e a comunidade acolhem a Palavra, o que deve ser a grande preocupação da Igreja. Na ótica da catequese veiculada pela parábola, o acolhimento da Boa Nova não depende da semente nem de quem semeia nem da sementeira, mas da qualidade da terra. Assim, face à Palavra, que é a semente, posicionam-se vários tipos de ouvintes: os que têm o coração duro como o chão dos caminhos, em que Palavra não penetra para frutificar; os que têm o coração inconstante, que se entusiasma, mas desanima aos primeiros embates, em que a Palavra não cria raízes; os que, levados pelo coração materialista, dão prioridade à riqueza e aos bens deste mundo, em que a Palavra é facilmente sufocada por esses espinhosos interesses dominantes; e aqueles e aquelas que têm o coração disponível e bom, aberto aos desafios de Deus, nos quais a Palavra é acolhida e dá muito fruto. Assim, os verdadeiros discípulos, que são a boa terra, identificam-se com os que escutam as parábolas, as entendem e acolhem o Reino.
Dom António Couto, acentua que o modelo ou esquema da parábola é, per se, ilustrativo, já que nos põe diante dos olhos um quadro de situações diferentes e falsas, as três primeiras, para depois nos deixar clarividente a situação boa e verdadeira. Com este percurso pedagógico, devemos acompanhar o misterioso percurso desde a sementeira até à colheita. É dito, contra a nossa tentação da eficácia da rapidez, que a semente que germina depressa seca depressa:
Outras [sementes], porém, caíram em cima das pedras, onde não havia muita terra, e logo (euthéôs) germinaram por não haver profundidade; mas, ao nascer o sol, foram queimadas e, por não terem raiz, secaram” (Mt 13,5-6).
O terreno semeado sobre os terrenos pedregosos é o coração que escuta a palavra e logo (euthýs) a recebe com alegria, mas, como não tem raiz em si mesmo, é inconstante. E, ao surgir a tribulação por causa da palavra, logo (euthýs) se escandaliza (cf Mt 13,20-21). Frederico Lourenço, traduzindo a forma verbal grega ‘skandalízetai’ por ‘escandaliza-se’, precisa que é no sentido de ‘tropeça’, ‘cai’, ‘desiste’.
Dom António Couto, prelado lamecense, chama a atenção para as virtualidades da semente, que é o que há de mais pequeno. Caída à terra, dará o grão e o pão, morre para renascer. É assim todo o processo ou parábola de Jesus a passar diante dos nossos olhos: da semente à Paixão por nós e ao Pão repartido pela vida do mundo. Ora, para a correta compreensão das parábolas de Jesus, ou da parábola que é Jesus, importa ler atentamente a missão e lição de Isaías (Is 6,9-13), que Jesus faz sua, citando o profeta (cf Mt 13,14-15). Trata-se de missão, estranha e aparentemente votada ao fracasso. É esta a parábola da Palavra e do profeta e de Jesus. Só caindo à terra, como a semente, dará fruto (cf Jo 12,24). Jesus fala em parábolas para que, segundo a lição de Isaías, “vejam sem ver e oiçam sem ouvir” (Mt 13,13). Razão têm, pois, os discípulos quando pedem explicações (cf Mt 13,36; Mc 4,10). Só a eles Jesus explica tudo ao pormenor (cf Mc 4,34).
Na verdade, a parábola que é Jesus, passa despercebida às multidões e até os discípulos saem de cena desconcertados (cf Mc 14,50). Poucos chegam a ver e a compreender que Jesus é a semente que cai à terra e morre para viver e fazer viver ou que Jesus é o toco seco, uma semente santa, vinda de Deus e por Deus semeada para dar muito fruto.
Temos aqui, pois, como cristãos uma exortação a acolhermos a Palavra sem deixarmos que as dificuldades, os acidentes da vida, os outros valores a afoguem e a tornem semente estéril. A Palavra é o caminho, a verdade e a vida.Temos que deixar de ser a multidão amorfa e passar a ser discípulos. Só assim passaremos a ser Povo e Povo de Deus, conscientes do ser e da missão. 
2020.07.12 – Louro de Carvalho

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