sábado, 25 de julho de 2020

O debate do estado da nação no contexto da pandemia


O debate do Estado da Nação, que decorreu no dia 24 de julho (em 4 horas), ficou marcado pelo desafio do Primeiro-Ministro ao PCP e BE para um “entendimento sólido e duradouro” e por acesa discussão entre PS e PSD, com Rui Rio preocupado com rendas excessivas no hidrogénio e Costa a responder que “não podemos contar com o PSD para o futuro”. Por fim, surgiu a mensagem de que o país tem ainda um longo caminho de recuperação desta crise pandémica, “um caminho que não durará apenas um ano e não se fará com um orçamento”.
A intervenção inicial coube ao Primeiro-Ministro, tendo os partidos direito a pedidos de esclarecimento e intervenções, pela seguinte ordem: PSD, PS, BE, PCP, CDS-PP, PAN, PEV, Chega e IL (Iniciativa Liberal). O primeiro pedido de esclarecimento de cada partido pôde ter a duração de 5 minutos e os restantes de dois. O Chefe do Governo respondeu, sem direito de réplica, a cada um dos primeiros pedidos de esclarecimento e, em conjunto, aos restantes pedidos dos grupos parlamentares. Dos líderes partidários, apenas o presidente do CDS-PP, deputado, não esteve no hemiciclo.
Este foi o primeiro debate do Estado da Nação em que participam o Chega, a IL e as duas deputadas independentes. Após um clima de tréguas políticas (de março a junho),em que foram aprovadas no Parlamento leis de resposta ao surto pandémico com apoios à esquerda e à direita, o ambiente político voltou a adensar-se no Orçamento Suplementar para fazer face às despesas com a pandemia que quase paralisou o país e o pôs em estado de emergência.
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O Primeiro-Ministro começou por dizer que somos uma nação “mobilizada para o luto” e preparada para uma segunda vaga pandémica (com o aumento da capacidade de testagem), tendo de “prosseguir o controlo da pandemia e dar continuidade ao Plano de Estabilização”, pois “a destruição do emprego é um vírus demolidor que tem de ser travado”. Tendo sido particularmente afetados pela pandemia de covid-19 os lares de idosos, anunciou um reforço de 12 milhões de euros para estas instituições e, admitindo que “o encerramento das escolas teve um custo social”, anunciou que o próximo ano letivo terá um reforço de 125 milhões de euros.
António Costa mostrou-se confiante na capacidade do país em ultrapassar a crise, considerando que “dispomos de condições únicas que nos permitem estar confiantes” e afirmou que o acordo histórico no Conselho Europeu “garante-nos envelope financeiro sem precedentes”.
Porém, considerou que precisamos duma base de entendimento política sólida, afirmando que tal condição é indispensável com a atual crise e rejeitando “competições de descolagem” entre partidos e calculismos eleitorais. E, sustentando que, entre as forças de esquerda no Parlamento, são várias as posições que as aproximam – desígnio de reforçar a capacidade produtiva e a valorização dos nossos recursos, prioridade ao fortalecimento dos serviços públicos e ao reforço do investimento público, combate às precariedades na habitação e no trabalho e luta contra as desigualdades – disse que “estes são objetivos que partilhamos e em torno dos quais é possível estruturar um roteiro de ação a médio/longo prazo”, sem prejuízo das “diferenças que definem a identidade de cada um ou das visões distintas sobre a Europa e a importância da estabilidade do quadro macroeconómico, com que temos sabido conviver”. Com efeito, a resposta à crise não passa pela austeridade ou qualquer retrocesso nos progressos alcançados nos últimos 5 anos.
Rui Rio começou por questionar o Governo sobre a estratégia para o hidrogénio, considerando que Portugal não tem “condições para aventuras, nem para ideias megalómanas”.
Porém, para Costa, “Portugal tem condições únicas para ser o grande produtor de hidrogénio verde na Europa”. E Ana Catarina Mendes, do PS, atacou o discurso de Rio como se nada tivesse acontecido nesta sessão legislativa e elogiou a resposta do Governo à atual pandemia.
E, em resposta à deputada do PS, Costa reforçou que “temos boas razões para poder encarar com confiança e realismo os tempos que temos pela frente”, nomeadamente com os fundos mobilizados pela UE no último conselho europeu, e atacou o conservadorismo do PSD.
O presidente do PSD fez duras críticas à preocupante gestão dos dossiês da falida TAP e do Novo Banco, sugerindo uma investigação à venda desta instituição.
Catarina Martins, do BE disse, acerca das rendas de energia, que “o cinismo deve ter limites”, lembrando que uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) concluiu pelas rendas excessivas e a bancada de Rio votou contra a maioria das conclusões a que agora o MP (Ministério Público) dá razão e o PS, apesar de votar a favor, nada fez contra essas rendas. E perguntou a Costa onde estão as contratações dos profissionais para o SNS previstas no orçamento deste ano e quando terá o Parlamento acesso à auditoria do Novo Banco.
O líder do PCP deixou sem resposta o apelo do Primeiro-Ministro a uma base política “de entendimento sólida e duradoura”, defendendo uma política de esquerda e patriótica.
Para Jerónimo de Sousa, foi um “péssimo sinal dado pelo PS” a cambalhota de recusar o suplemento e acusou os socialistas de, apesar das palavras de elogio aos trabalhadores, soçobrarem “aos critérios do Ministério das Finanças”.
Para o CDS-PP, António Costa descreveu um “país das maravilhas” no discurso de abertura e pediu “respostas concretas” que ajudem as pequenas empresas a ultrapassar a crise. Cecília Meireles assinalou que, segundo as previsões, a recessão será pior do que se esperava. E esclareceu que as moratórias não significam o fim de impostos, rendas ou pagamentos ao banco.
Em resposta, Costa recusou ter falado num país das maravilhas e frisou que traçou “a realidade de um país que está a atravessar uma crise económica e social gravíssima do ponto de vista do emprego, do ponto de vista da perda de rendimentos e do ponto de vista da quebra do produto”. Adiantou que a resposta é a aprovada no programa de estabilização, que enquadra e estabiliza a intervenção até ao final do ano, para dar tempo a que se elabore o programa de recuperação e este seja aprovado e regulamentado pela Comissão Europeia e possa entrar em vigor.
Quanto ao fundo de recuperação, a deputada centrista quis saber se o Governo pensa num mecanismo de execução curto, rápido, simples e objetivo, que permita às empresas rapidamente candidatarem-se; ou se, ao invés, será um mecanismo de burocracia, de administração pública e de indústria de candidaturas a que muito poucos acederão e, sobretudo, a que acederão os que menos merecem e de acordo com critérios que são profundamente dirigistas discutíveis.
André Silva, do PAN, lembrou a importância das questões ambientais, considerando que “podemos reconstruir melhor e emergir da crise mais forte e resilientes”, o que implica escolher “políticas e ações que protejam o ambiente e a natureza”, para que esta “nos possa proteger”. Apontou o dedo ao “massacre de animais” que ocorreu em abrigos de Santo Tirso. Para lá da conduta criminosa das proprietárias dos abrigos, das falhas do presidente da câmara e do veterinário, questionou se o Ministro Eduardo Cabrita não viu nenhuma falha na atitude dos militares da GNR que impediram o cumprimento do dever de auxílio. E lembrou que o aeroporto do Montijo irá destruir habitats e afetar a qualidade de vida da população.
O Partido Ecologista “Os Verdes”, pela voz de José Luís Ferreira, acusou o Governo de ponderar ultrapassar a lei para “passar por cima” das Câmaras que discordam do Governo sobre o futuro aeroporto. E questionou Costa se, no plano europeu, o Governo corre o risco de ver o plano de recuperação económica ficar “em águas de bacalhau”, caso algum Estado membro acione “algum supertravão”. Por sua vez, o Primeiro-Ministro disse que o Governo “tem feito um grande esforço negocial”, que não há problema no Seixal e que não haverá aeroporto do Montijo sem resolver os problemas ambientais da Moita e, em particular, na Baixa da Banheira”. E garantiu que “nenhum país tem direito a veto”, acrescentando que o acordo europeu “foi arrancado a ferros, mas foi arrancado”.
André Ventura, do Chega, acusou Costa do renamoro à esquerda e de imitar Sócrates na posição de pedinte junto das instituições europeias. E António Costa surpreendeu-se por o deputado considerar que “obter a solidariedade da Europa não é servir o nosso povo e país”.
João Cotrim Figueiredo, da IL, mencionando o fim dos debates quinzenais, considerou que “é mais um sinal de uma nação submissa que esta governação está a criar” e pediu transparência, velocidade, critério e racionalidade na aplicação dos fundos europeus para responder à crise pandémica, criticando “o catálogo” de Costa Silva, “um delírio dirigista por parte do Estado”.
E Costa respondeu que, pela primeira vez, conseguia concordar com 4 palavras: transparência, velocidade, critério e racionalidade”.
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A discussão prosseguiu em torno da resolução do BES, ruinosa, e da venda do Novo Banco, também ruinosa, da tacanhez das medidas de recuperação avançadas, da falta de proteção aos trabalhadores ou do aumento da dívida.  
Entretanto, chegou a vez de a Ministra da Saúde tecer considerações em relação à pandemia. Começou por afirmar que o surto pandémico mostrou que o Governo tinha razão ao definir, no OE 2020, a Saúde como prioridade nacional. Sendo fundamental a resposta da UE e tendo nós de estar preparados para responder à persistência da covid-19 e ao aparecimento da gripe sazonal, prometeu duplicar o número de vagas em saúde pública, de forma excecional e imediata. E disse que, para lá do reforço dos efetivos do SNS em 20 mil e do aumento da força de trabalho do sistema, Portugal está a trabalhar “na duplicação da capacidade de testagem”, estimando que possa atingir, só na rede pública, os 22 mil testes por dia até ao final do ano.
Marta Temido assinalou os seguintes aspetos na área da saúde: os medicamentos e dispositivos médicos e a aposta na indústria são essenciais para garantir autonomia; a saúde é multifatorial; e as respostas para a doença implicam intervenções de proximidade e a sociedade digital. Assim, os serviços de saúde têm de ampliar o recurso à teletriagem e à teleconsulta para se melhorar o acesso e a vida das pessoas, porque “as pessoas são o centro da nova lei de bases da saúde e vão continuar a ser o centro do nosso trabalho”, pois “é por elas que não nos cansamos, que não baixamos os braços, que continuamos a luta e é esta a garantia que vos deixo”, afirmou.
Respondendo às dúvidas do PSD, nomeadamente sobre a denúncia das multas pagas pela TAP à ANAC e à Vinci sobre os passageiros que chegam sem teste, disse que “os testes realizados a quem não os traga na origem não são despesa do SNS, mas sim dos próprios”. Lembrou, entre parêntesis, que não foi este Governo que “privatizou” a ANA e que não tem qualquer intervenção na decisão da empresa entregar o dinheiro das multas à VINCI. Sobre as vacinas, revelou que se está a trabalhar “com 8 companhias farmacêuticas, algumas numa fase mais avançada de investigação, numa fase 3”. E, referindo que “é ainda precoce dar mais informações sobre este tema”, frisou que “o individualismo nunca nos conduzirá a lado nenhum”, pelo que “estamos com a União Europeia neste processo”.
Sobre as questões do PAN relativas ao distanciamento dos alunos nas salas de aula, no regresso às aulas presenciais, ressalvou que, além da “distância em metros”, há outros” métodos de barreira” para impedir o contágio em ambiente escolar.
E, relativamente às questões levantadas pelo BE e PCP sobre recursos humanos no SNS, a ministra diz que “a maior força do SNS são os seus profissionais”.
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Por fim, coube a Mariana Vieira da Silva, Ministra de Estado e da Presidência, encerrar este debate sobre o Estado da Nação.
Assegurou que “poucos fizeram melhor do que o SNS português”. E, se “ouvimos falar das falhas do Estado”, o certo é que aconteceu o oposto: “o SNS esteve à altura”.
E, em jeito de balanço, considerou que o Governo soube encarar o desafio da pandemia com “uma transparência sem precedentes”, na convicção, nunca escondida ou mascarada, de que “este é, porventura, o maior desafio da vida de muitos de nós”.
E Mariana Vieira da Silva terminou sustentando que “estamos preparados – o governo e o país – para responder a esta crise de forma diferente” e que “há um caminho de recuperação para fazer, um caminho que não durará apenas um ano e não se fará com um orçamento”.
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Esperemos que o Governo, em vez de trilhar o caminho de Canossa, leve a carta a Garcia!
2020.07.24 – Louro de Carvalho

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