terça-feira, 21 de julho de 2020

Foi apresentado o plano de recuperação económica de Costa e Silva


Conhecida, há cerca de 15 dias, a versão preliminar da “Visão Estratégica para o plano de recuperação económica e social de Portugal 2020-2030”, foi apresentada hoje, dia 21, no CCB, a versão final da “Visão Estratégica para o plano de recuperação económica de Portugal 2020-2030(caiu o “social”), documento de 142 páginas da autoria de António Costa Silva, consultor do Governo, agora com vários contributos de políticos, incluindo membros do Governo.
Das propostas apresentadas, destacam-se as seguintes:
- O fundo soberano e banco de fomento para apoiar as empresas. O fundo será de base pública, de capital e quase capital, aberto a fundos privados, para operações preferencialmente em coinvestimento, para empresas exportadoras e com potencialidades de exploração de escala. O banco de fomento será para segmentos de empresas com maior capacidade de arrastamento.
- A promoção da cultura em rede, descentralizada e aposta no digital, com a promoção de redes de equipamentos culturais e de criação artística e em “áreas ainda insuficientemente exploradas” ligadas ao digital, devendo ser criado um fundo público para a criatividade digital.
- O reforço do investimento no ‘cluster’ da Defesa, como uma prioridade, pelo facto de funcionar como “alavanca para o desenvolvimento tecnológico”.
- A assunção de Portugal como ‘player’ atlântico e não só europeu, reforçando, ampliando e integrando o trabalho extraordinário das forças armadas e da rede diplomática, para abrir linhas de cooperação geopolítica e económica.
- A avaliação periódica dos reguladores, para aumentar a sua eficácia, o que implica a aposta na sua qualificação dotando-os do conhecimento adequado ao exercício das suas funções.
- A assunção do papel de ‘Fábrica da Europa’ na Saúde por parte de Portugal, organizando a investigação de base, a transferência de tecnologia e as condições para desenvolver e consolidar empresas de alta tecnologia, já que a procura dos meios de proteção individual continuará para lá da pandemia, pelo que o país deve “rever o sistema de certificação” destes equipamentos para que as empresas e os centros tecnológicos que os criaram “sejam capazes de os exportar e consolidar uma nova fileira exportadora do país.
- A eliminação do prazo de reporte de prejuízos fiscais, para bancos e empresas, extensível às PME e às microempresas, apoiando a tesouraria das empresas viáveis economicamente. Além disso, importa criar um mecanismo que permitia a “dedução dos prejuízos fiscais de 2020 e 2021 aos lucros dos últimos exercícios e usar mecanismos de incentivo e créditos fiscais para fomentar a revitalização das empresas e o seu crescimento.
- A criação da “Universidade do Atlântico” nos Açores, com um polo na Madeira, para estudo do oceano, clima, terra e atmosfera, em ligação com o ensino superior e centros de investigação.
- A expansão dos metros de Lisboa e Porto e uma nova ponte sobre o Douro. A pari, nas cidades de média dimensão, devem desenvolver-se sistemas de transportes coletivos, com aumento da oferta de transportes públicos de passageiros que induza a redução da dependência de transporte individual no acesso aos principais centros urbanos e à descarbonização.
- A atração de alunos para os cursos de engenharia, pois “é vital que o país reforce o seu papel como centro europeu de engenharia”.
- O estabelecimento dum pacto Estado/empresas, em que o Estado as condicione a uma gestão eficiente, a áreas e produtos de maior rentabilidade e a manutenção de empregos.
- A promoção duma justiça económica e fiscal, com mais e melhor utilização dos meios alternativos de resolução dos litígios.
- A aposta na qualificação dos portugueses, com o reforço das qualificações e competências desde os jovens à formação contínua dos adultos menos qualificados, pelo que se preconiza a criação de condições para aumentar o número de jovens que frequentam, com sucesso, o ensino superior e a promoção da formação avançada em todas as áreas do conhecimento.
- A ajuda às PME de comércio que promovam produtos nacionais, através dum programa de ajuda financeira às PME de comércio a retalho que promovam a oferta de produtos nacionais e dum programa de “incentivos à reparação de equipamentos”, orientada para a ligação entre o consumidor e as empresas de serviços de reparação, “aproveitando sinergias existentes com pontos de atendimento disseminados pelo território e redes logísticas já existentes”.
- A retoma da alta velocidade e novo aeroporto, havendo que reassumir o projeto de ligação entre Porto e Lisboa por alta velocidade ferroviária, o do novo aeroporto de Lisboa e o da posterior ligação a Espanha – e devendo ser equacionada, no médio prazo, a ligação Porto-Vigo, bem como outras “amarrações ibéricas”.
- A recuperação centrada nas pessoas, reforçando setor social, designadamente no combate à pobreza, ao desemprego, à exclusão social.
- O cumprimento do Pacto Ecológico Europeu, nomeadamente reafirmando o compromisso “de neutralidade carbónica e a trajetória de redução de emissões”, cumprindo as metas para 2030 para a energia e economia circular, bem como a utilização de 80% de energias renováveis.
- A criação de ‘clusters’ para desenvolver o interior, em várias áreas – da floresta às ciências biomédicas – numa lógica de “descentralizar o país”.
- A criação dum centro de competências para a gestão de riscos naturais e a investigação de soluções para combater a escassez da água, pois é importante que o país invista nas suas “capacidades e recursos humanos direcionados para a identificação e prevenção de risco, e desenvolvimento de estratégias de resposta e resiliência do território”.
- O estabelecimento de consórcios internacionais para explorar recursos nacionais, para aproveitar os recursos estratégicos, como minérios fundamentais à transição energética, devendo desenvolver-se, para os mercados internacionais, um selo verde da ‘Marca Portugal’. Neste âmbito, Portugal tem de reforçar a atração de investimento externo, sobretudo para recursos estratégicos – como recursos minerais (lítio, cobalto, níquel, nióbio, tântalo, terras raras…) importantes na transição energética (fabrico das novas baterias, indústria eletrónica de alta precisão…) e o mar – que, a médio e longo prazo, possam transformar-se em “fontes de criação de riqueza e valor”.
- A criação de habitação social, preferencialmente em meios residenciais já existentes, para evitar a criação de guetos e a contínua recuperação de património devoluto. Com efeito, as diferentes vulnerabilidades ao contágio demonstradas na pandemia de covid-19 tornam ainda mais urgente a necessidade de acabar com as debilidades no acesso à habitação, que é “um fator de desigualdade social e segregação territorial”.
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É de interesse ver o que mudou da versão preliminar para a versão final do documento, além da epígrafe e do número de páginas.
O que foi introduzido diz respeito: aos incentivos fiscais e parafiscais, para travar o desemprego, promover o emprego, qualificar as pessoas e converter as empresas; ao repensar de todo o sistema da proteção social, lembrando que “há uma interação forte entre a pobreza e exclusão social e a menor capacidade de crescimento da economia”; os incentivos ao abate de carros, para induzir a aquisição de híbridos e elétricos; à desmaterialização da bilhética e do controlo do fluxo de passageiros, assegurando perfeita interoperabilidade entre os diferentes componentes do sistema intermodal, sendo líderes desta mudança as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; ao investimento no Alfeite, “como empresa-âncora para o setor da construção naval”; à requalificação urbana, reabilitando as casas, descarbonizando os edifícios, a ponto de os tornar energeticamente mais eficientes e promovendo a adoção de energia de fontes renováveis; ao investimento na educação, na qualificação da população adulta, na inovação e I&D, no Estado Social e nos serviços públicos, em particular na Saúde; e à criação de lojas do cidadão virtuais.
Por seu turno, caíram, por exemplo: o turismo covid free, designadamente a campanha com o lema “Portugal Turismo no Confinamento” servindo de plataforma de reanimação do setor e promovendo a imagem do país como destino seguro (proposta hoje de efeito quase nulo); e a dependência das renováveis, que não representa o problema como Costa e Silva o encarava.
É significativo que o consultor do Governo tenha afirmado que a crise da covid-19 demonstrou que as teorias do Estado mínimo foram derrotadas pela História e que tenha criticado as teses da autorregulação dos mercados. Mais enfatizou que a atual crise sanitária “demonstrou a validade extraordinária do Serviço Nacional de Saúde” (SNS), classificando como “notável” a resposta dada no combate à pandemia, e sustentou que, face a grandes ameaças externas, “o Estado é a nossa única e última barreira de proteção”.
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Sobre a utilidade do documento apresentado a todo o Governo (com exceção do Primeiro-Ministro, retido em Bruxelas pelo prolongamento do Conselho Europeu) e ao público, o Ministro de Estado, da Economia e da Transição Digital, deixou pistas de resposta. Para já, serve de base ao programa de recuperação que Portugal vai apresentar em Bruxelas em outubro. É um esboço para levar à Comissão Europeia tendo em conta o envelope financeiro aprovado no Conselho Europeu. Entretanto, diz o governante, “precisamos duma conversa sobre esta visão estratégica” e “o documento convoca-nos a todos para pensarmos nos constrangimentos que o nosso país vive e nos caminhos possíveis para Portugal”, ajudando-nos “a consolidar ideias, a acelerar tendências ou a descartar opções”. Enfim, “servirá de base à elaboração do programa de recuperação”.
Para tanto, o texto está disponível no portal do Governo (https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22) para debate até 21 de agosto e todos podem enviar contributos para “plano.recuperação@pm.pt”.
Por mim, continuam as dúvidas que apresentei em tempo sobre a exequibilidade política e económica. Porém, quem tenha ideias sólidas – pessoas singulares e entidades coletivas, bancos empresas, sociedades, associações –, chegue-se à frente.
2020.07.21 – Louro de Carvalho

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