O Conselho Europeu (ou, simplesmente, Conselho), após a maratona de 5 dias e 4 noites, com sérias divergências,
acabou por chegar a acordo quanto ao Quadro Financeiro Plurianual (QFP) 2021-2027 e ao Fundo de Recuperação europeu (Próxima
Geração UE). Serão
1.824,3 mil milhões de euros: 1.074,3 mil milhões para o QFP durante 7 anos e
750 mil milhões, para responder à crise pandémica, divididos por 390 mil
milhões em subvenções a fundo perdido e 360 mil milhões em empréstimos, utilizáveis
até 2026. Para muitos, é um acordo histórico por permitir que a Comissão Europeia
(ou, simplesmente, Comissão), em nome da UE, se endivide em 750 mil milhões de euros junto dos mercados
financeiros para fazer transferências diretas para os Estados-membros e lhes emprestar
dinheiro para obviar à crise pandémica.
Porém, há que respeitar o calendário. No caso do fundo de
recuperação, os valores têm de ficar comprometidos até ao fim
de 2023, pois precisa-se de celeridade para obviar à crise pandémica, e os
pagamentos terão de ser concluídos até 2026. Para já, estarão
automaticamente disponíveis 9,6 mil milhões de euros, ficando 5,7 mil milhões
dependentes da evolução da economia.
É o caso de 30% das subvenções do IRR (Instrumento de Recuperação e
Resiliência), que terá
de ser confirmado consoante a variação do PIB em 2020 e 2021, e do montante para
o REACT EU, que terá de ser confirmado no outono deste ano e no do próximo ano,
consoante a evolução do PIB, do desemprego total e, em especial, do desemprego
jovem.
Pela necessidade de rapidez, haverá um pré-financiamento do IRR, cerca de
10%, já no próximo ano, e deverá ser permitida
retroatividade aos Estados-membros, ou seja, poderem alocar despesas feitas
desde que a pandemia atingiu a Europa em fevereiro ou março deste ano. Além
disso, a Comissão apresentará propostas sobre como acelerar e facilitar os
procedimentos dos projetos de investimentos nos Estados-membros, com vista à
sua rápida implementação. Assim, cada Governo apresentará um plano de
recuperação à Comissão onde consta o que farão com o dinheiro a receber e que
a Comissão avaliará dentro de dois meses após a receção do plano, avaliação que
terá de ser aprovada pelo Conselho por maioria qualificada.
Além disso, os chefes de Estado e de Governo acordaram numa espécie de travão de emergência que pode ser acionado por um ou mais
Estados-membros. Nestes termos, se excecionalmente algum país achar que há
desvios sérios do cumprimento das metas instituídas no plano de recuperação de
outro país, pode ser pedida ao presidente do Conselho uma discussão
política sobre o tema, o que poderá levar a que, durante três meses (prazo
máximo), os pagamentos sejam suspensos
originando eventuais atrasos. Ora, sendo o calendário apertado, corre-se o
risco da perda de fundos. Todavia, Costa assegurou que este
mecanismo, não permitindo um veto (pelo menos duradouro) dum país às transferências, garante que não há
cheques em branco aos países.
O referido plano deve estar em conformidade com os objetivos da UE:
transição climática, digital e reindustrialização europeia. Ou seja, os
Estados-membros e a Comissão comprometem-se a dedicar 30% das verbas totais
deste pacote financeiro em políticas que contribuam para a transição energética
e para o combate às alterações climáticas.
Face à proposta da Comissão e do eixo franco-alemão de 500 mil milhões em
subvenções a fundo perdido, houve uma redução em 110 mil
milhões de euros com o acordo alcançado no Conselho. Segundo António Costa,
Portugal registou uma perda líquida de 220 milhões de euros face à proposta
anterior. E, de momento, ainda não é possível perceber quem ganha
ou perde mais por Estado-membro. Não obstante, dentro do bolo total, entre os
programas europeus, já é possível ver os sacrificados, confirmando-se
praticamente todos os valores da última proposta do presidente do Conselho: o Fundo
de Transição Justa, cujo objetivo é ajudar certas regiões europeias a fazerem a
transição climática, passa de 30 mil milhões para 10 mil milhões; o Horizon
Europe passa de 13,4 mil milhões para 5 mil milhões; e o InvestEU de 15,3 mil
milhões para 5,6 mil milhões (acima dos 2,1 mil milhões da última proposta do
presidente do Conselho). E havia
reforços em instrumentos financiados pelo QFP, com uma verba extra do Próxima
Geração UE, que desaparece.
É neste âmbito que há lugar para as queixas da presidente da Comissão, que
elogiou o acordo, apesar de ter apelidado de lamentável o que ficou pelo
caminho, maioritariamente gavetas da ação de Bruxelas. É o caso da nova iniciativa da Comissão para a saúde, no valor de 5 mil
milhões, que desapareceu, tal como o instrumento para a solvência no valor de
26 mil milhões. Há ainda uma redução dos valores para áreas como a
migração e a ação externa da UE.
O Parlamento Europeu – que tem poder de veto – terá agora de dar a luz
verde ao acordo do Conselho. Os eurodeputados eram bem mais ambiciosos nas suas
intenções para o Fundo de Recuperação europeu e para o QFP 2021-2027, não sendo
certo que haja uma aprovação imediata sem mais negociação, ainda que a
emergência da situação pese na decisão. Assim, o plenário discutirá o tema no
dia 23, seguindo-se uma reunião entre os grupos parlamentares e o presidente
David Sassoli, que já disse que “não desiste” de incluir mais ambição neste
pacote. Depois, também alguns parlamentos nacionais terão de aprovar
as garantias que os Estados-membros darão para o orçamento europeu para que a
Comissão possa ir aos mercados financeiros financiar-se em 750 mil milhões de
euros.
E já há um texto preliminar de resolução. Os
eurodeputados, para aprovação do acordo, põem
como condição terem um papel formal na gestão do IRR, que representa a parte
mais significativa do Próxima Geração UE (fundo de recuperação da crise
pandémica). Há ainda divergências quanto à
ligação do QFP ao Estado de Direito, ao aumento dos “rebates” (descontos) para os “frugais” e sobre a forma como a dívida
contraída pela Comissão em nome da UE será paga no futuro, nomeadamente através
de recursos próprios.
Os eurodeputados criticam também a redução da proporção de subvenções face
à proposta da Comissão, as quais passaram de 500 mil milhões para 390 mil
milhões de euros. No entanto, a principal oposição é à dimensão do QFP 21-27 e
às suas prioridades, “alertando que os cortes no QFP vão contra os
objetivos da UE”. Os grupos parlamentares apelidam de “perigosos”, no
contexto de uma pandemia, os cortes nos programas conexos com as áreas da
saúde, da investigação, da educação (nomeadamente no programa Erasmus+), da transformação digital, da inovação, do Fundo de
Transição Justa, da migração e da gestão de fronteiras.
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Não se podem dar já foguetes, mas, se tudo correr bem, dos 390 mil milhões
de euros em subvenções, Portugal poderá receber 15.266
milhões, que se dividem em 4 instrumentos: 12,9 mil milhões para o IRR, que
financiará o plano de recuperação do país; 1,8 mil milhões através do REACT EU;
116 milhões através dum reforço para o Fundo de Transição Justa; e 329 milhões
de euros através dum reforço para o desenvolvimento rural (no âmbito
da PAC, Política Agrícola Comum). A este
dinheiro acrescem os 29,8 mil milhões de euros do QFP 2021-2027 (o
chamado orçamento europeu a executar em 7 anos), maioritariamente para a política de coesão, onde se incluem 300 milhões
para o Algarve. Além disso, Portugal tem ainda 12,8 mil milhões de euros do QFP
anterior para investir até 2023, ano a partir do qual os fundos são anulados.
Ao abrigo do fundo de recuperação, Portugal poderá ainda pedir emprestado
à Comissão 10,8 mil milhões de euros. Juntando estas três
componentes (QFP anterior, novo QFP e Próxima Geração UE, somando subvenções e
empréstimos), Portugal
disporá de 57,9 milhões (cerca de 6,4 milhões por ano, comparação com os 2 a 3
milhões atuais) e poderá
recorrer aos apoios acordados pelo Eurogrupo no passado mês de junho.
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O cardeal
Jean Claude Hollerich, presidente da COMECE (Comissão das Conferências
Episcopais da Comunidade Europeia), expressou
apreço pela decisão que permite a recuperação económica, referindo que não
consegue imaginar “uma Europa que não seja solidária” e que, estando todos na
mesma situação, ajudar os outros também será uma bênção para a própria economia”,
que se deve refletir também para lá das fronteiras continentais.
Este acordo
histórico da UE, alcançado pelos líderes europeus para o Plano de Recuperação no
final das negociações representa um novo e importante rumo, não só pelos
efeitos concretos que terá ao superar a crise causada pela pandemia, mas porque
dá ao futuro da UE uma nova maneira para administrar as relações entre os
países membros.
O Primeiro-Ministro
holandês, Mark Rutte, diz-se satisfeito com os maiores descontos resultantes
dos “rebates” (as restituições de parte dos fundos pagos por um país europeu) e chamou o plano aprovado de “um bom pacote para os
Países Baixos e para a Europa”. O Primeiro-Ministro italiano, Giuseppe Conte,
disse que, “com 209 mil milhões temos a chance de retomar com força a Itália e
mudar a cara do país, pelo que “agora devemos correr”. Para a Itália irão 28%.
O Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sanchez, está satisfeito, pois, como diz,
“hoje lançámos as bases para uma resposta à crise da covid-19 sem esquecer o
amanhã”. Também satisfeita está a chanceler alemã, Angela Merkel, e o
presidente francês Macron, porque “é um dia histórico para a Europa”.
O presidente
da COMECE, em entrevista ao Vatican News,
comenta positivamente o momento decisivo do Plano de Recuperação como uma abertura
significativa da Europa à lógica de solidariedade, que faz parte do ADN da UE.
E diz-se feliz pelo facto de os 27
terem chegado lá.
Admitindo que a Europa hoje tem alguns problemas, pois “não é mais o
centro económico do mundo com os Estados Unidos”, tendo a crise de covid-19
acelerado a mudança que o mundo iniciou há uns tempos, sustenta que “devemos
ainda carregar as consequências desta pandemia”, mas espera que isso permita,
sobre tudo aos jovens, “terem as suas vidas em paz e sempre conscientes de que
devemos ajudar os outros”.
E diz que a Igreja tem um papel de relevo, mesmo que discreto, neste
contexto: estando ao lado dos mais pobres, dando recursos aos que mais
precisam, mais do que o supérfluo, sempre numa linha de partilha, com prontidão
para dar e para receber.
Neste dinamismo, a abertura da Europa também a beneficiará.
2020.07.22
– Louro de Carvalho
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