domingo, 19 de julho de 2020

Um apelo ao perdão da dívida dos países mais pobres


A Caritas Internationalis, na apresentação do seu relatório anual relativo a 2019, que elenca 34 apelos de emergência por causa de crises em todo o mundo, ao longo desse ano, apelou ao cessar-fogo global e ao perdão da dívida dos países mais pobres como a única via para “salvar as vidas de milhões de pessoas”. Fê-lo a dois dias da reunião virtual de ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais do G20 (agendada para o dia 18), reforçando os apelos já feitos pelo secretário-geral das Nações Unidas, o português António Guterres, e pelo Papa Francisco.
A este respeito, o cardeal Luis Antonio Tagle, presidente daquele organismo eclesial e Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, relevou, na conferência de imprensa virtual de apresentação do relatório, que “a dívida internacional dos países mais pobres da África, algumas partes da América Latina e Ásia teve grandes consequências sociais e económicas”, pelo que Francisco tem sempre insistido em que a dívida seja cancelada para dar a esses países “a possibilidade de seguir caminhos de recuperação e desenvolvimento”.
Recordando que somos “uma só família humana”, Tagle assinalou que “o sentimento de proximidade que a pandemia despertou, afetando a todos, não pode ser esquecido sem deixar um sinal”. Um sinal que, para o presidente da Caritas Internationalis, deve refletir-se na “capacidade de combater com força as condições dramáticas como a fome mundial, guerras e violência que esmagam vidas humanas e a dignidade das pessoas”, recuperar o olhar inclusivo de Francisco na encíclica Laudato si’ e trabalhar por ações concretas, como a de “um cessar-fogo global”.
Segundo este estratega eclesial e colaborador do Papa, a Cáritas procura “novas respostas aos desafios contemporâneos”, tendo em mente as “consequências dramáticas da pandemia” na saúde e no risco de “fome para milhões de pessoas”, sendo que a ameaça de covid-19 torna mais precária a vida já difícil das populações do Líbano, Síria e outros países do Médio Oriente, vítimas de “sanções económicas”.
Aloysius John, secretário-geral da Caritas Internationalis, reforçou o apelo ao perdão da dívida dos países mais pobres, pedindo expressamente ao G20 o cancelamento dessas dívidas, para que esses montantes sejam aplicados em “projetos de desenvolvimento locais”, sublinhando que mesmo com uma pequena parte desse montante é possível “salvar as vidas de milhões de pessoas”. E, no encalço do cardeal Tagle, frisou que a situação no Médio Oriente se “deteriorou significativamente” nos últimos seis meses, em particular no Líbano, ponto de referência para o envio de ajuda humanitária para países como a Síria ou a Iraque.
Por seu turno, Rita Rhayem, diretora da Cáritas Libanesa, apresentou o seu país como um dos exemplos em que o perdão da dívida, o fim das sanções económicas e o cessar-fogo seriam determinantes. E, falando dum “país à “beira do colapso” e face à inoperância da comunidade internacional, declarou que “estamos a combater duas pandemias: a covid-19 e a fome”. E alertou para a “pior situação económica de sempre” do Líbano, com a moeda a desvalorizar em 80%, pois, “com a inflação, torna-se muito difícil comprar comida”.
E o cardeal Wilfrid Fox Napier, presidente da Cáritas da África do Sul, para quem a “dívida internacional” é uma “grande limitação ao crescimento e desenvolvimento da África”, criticou as relações desiguais entre os países ocidentais e africanos, com “uma dependência quase total das antigas potências ocupantes”.
Apesar do cenário de crise, o secretário-geral da Caritas Internationalis assegurou que a organização, que desde o início da pandemia já mobilizou mais de 12 milhões de euros para ajudar 15 milhões de pessoas, está a preparar-se para o pós-pandemia. Segundo Aloysius John, a ajuda vital da Cáritas tem estado a chegar aos mais vulneráveis em países como Myanmar, Brasil, Venezuela, República Centro-Africana e Líbano, e chegará a muitos mais.
Com efeito, segundo o seu secretário-geral, a Confederação Internacional da Cáritas ou Caritas Internationalis é um organismo vivo que está em permanente mudança e adaptação” e, de certeza, “continuará a defender, servir e acompanhar os pobres”, estando cada vez mais comprometida com a missão da “globalização da solidariedade”.
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A par do predito relatório da Caritas Internationalis, chegou ao conhecimento público um estudo anual da FAO/IFAD/UNICEF/PAM/OMS, que revela o aumento da fome no mundo e a não diminuição da má nutrição.
De acordo com o referido estudo, nos últimos 5 anos, a fome afetou um número crescente de pessoas, dezenas de milhões de pessoas em todo o mundo entraram para as fileiras dos subnutridos crónicos e vários países estão a lutar contra múltiplas formas de desnutrição.
O maior número de pessoas famintas encontra-se na Ásia (381 milhões), mas a África conta 250 milhões e a América Latina e Caribe 48 milhões.
E, segundo o último relatório sobre o Estado da Segurança Alimentar e da Nutrição no mundo, publicado a 13 de julho passado, a pandemia de covid-19 irá agravar o quadro.
O mesmo relatório mostra que sofreram de fome, em 2019, quase 690 milhões de pessoas, ou seja, 10 milhões a mais que em 2018 e pouco menos de 60 milhões em cinco anos. A estes somam-se biliões de pessoas que, devido ao aumento de custos e à escassa disponibilidade de recursos, não têm acesso a uma dieta saudável ou nutritiva. E o alarme lançado é que, até ao final de 2020, em todo o planeta, a pandemia de covid-19 poderá lançar outros 130 milhões de pessoas na situação de fome crónica, um número que provavelmente crescerá mais como resultado dos surtos agudos de fome no contexto da pandemia.
Acresce referir que o Estudo da Segurança Alimentar e da Nutrição no mundo é o estudo com maior autoridade e reconhecimento publicado em nível mundial, que verifica os progressos alcançados no combate à fome e à desnutrição. E o seu relatório é fruto da colaboração entre a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura), o IFAD (Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola), a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), o PAM (Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas) e a OMS (Organização Mundial de Saúde).
Tanta coisa por fazer em prol das pessoas e os poderes públicos na promoção da guerra, na mesquinhez em relação à solidariedade, na compactuação com a gula do poder financeiro e na tolerância ao crime organizado! O clamor dos pobres brada ao Céu.
2020.07.19 – Louro de Carvalho

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