terça-feira, 30 de junho de 2020

Caído o mérito da gestão privada, emerge a hipótese da nacionalização


Ante a falta de acordo entre o Governo e os acionistas privados da TAP sobre os termos da ajuda do Estado, a nacionalização é um cenário que volta a estar em cima da mesa. É certo que decorrem negociações, mas o Governo quer dispor de uma “intervenção assertiva”. E o Ministro das Infraestruturas ainda vai submeter proposta ao sócio privado.
Expresso avançou hoje, dia 30, que a companhia será nacionalizada, depois de os acionistas privados terem inviabilizado um acordo na noite do dia 29, relativo à ajuda pública até 1.200 milhões de euros, ao recusarem as condições do Governo. E Pedro Nuno Santos, que tem a tutela sobre a TAP, confirmou a informação pouco depois em audição parlamentar na comissão de Economia e Obras Públicas. Na verdade, a proposta de ajuda estatal foi chumbada no Conselho de Administração. Era preciso ter maioria qualificada, ou oito votos a favor. Os privados abstiveram-se e, por isso, foi chumbada – disse o Ministro. Não obstante, as negociações prosseguem até 1 de julho. E, caso não haja acordo, a nacionalização será a forma de o Estado intervir na TAP. Assim, como disse o Ministro no Parlamento, “se [o sócio privado] aceitar, aceita; se não aceitar, não aceita; e acabou”. O caminho a seguir será o Estado aceitar a proposta duma saída acordada, negativa para todos, “mas que garanta a paz à TAP e evite o litígio futuro”, como frisou o governante.
Pedro Nuno Santos assegurou que, se a proposta do Governo não for aceite, o Estado fará “uma intervenção mais assertiva na empresa”, mas não explicitou que tipo de intervenção.
Assim, a nacionalização é hipótese a ganhar força depois de ter sido dado como iminente um acordo entre o Estado e os acionistas David Neeleman e Humberto Pedrosa, sobre as condições que o Estado pretende impor à gestão. Ainda no dia 29, o empresário americano-brasileiro se afirmava disponível para a entrada do Estado na comissão executiva da empresa, o que o Governo não pretende. Contudo, o principal obstáculo é de natureza financeira, sendo que os privados querem converter em capital todos os empréstimos concedidos à TAP.
Os acionistas estão reunidos em assembleia geral para aprovar as contas do ano passado depois de a transportadora ter anunciado prejuízos de 395 milhões de euros no 1.º trimestre, ainda sem o impacto mais negativo da pandemia, e poderão subscrever o acordo.
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Na predita audição parlamentar, perante questões do PSD sobre a ajuda do Estado, o Ministro insistiu nas virtudes do plano criado e aprovado pela Comissão Europeia, que inclui ajudas de 1.200 milhões de euros e um plano de reestruturação, e disse que o debate mais difícil para quem crê na nacionalização da TAP é saber se vale a pena. Respondendo ao BE, esclareceu que não há um braço de ferro, mas “apenas da atitude intransigente e firme do Estado, que é a de defender o povo português”, estando o Governo disponível para salvar a TAP, mas sob “condições mínimas, equilibradas e razoáveis”. Na verdade, a TAP é uma das maiores exportadoras nacionais, que traz metade dos turistas que chegam a Portugal, ajuda a manter mais de 10 mil postos de trabalho e compra 1.300 milhões de euros por ano a empresas nacionais. Por tudo isso, o governante assenta em que “seria um desastre para o país perder a TAP” e não é verdade que, no dia seguinte, seria substituída “por outra companhia qualquer”. Depois, pelo PSD, aludiu a alegada cláusula secreta do contrato de reprivatização da companhia que permitia a David Neeleman ser indemnizado em caso de nacionalização. Com efeito, o jornalista Pedro Santos Guerreiro evocou-a no Jornal das 8 da TVI24. Segundo tal cláusula, avançou o jornalista, “se algum dia a TAP fosse nacionalizada, Neeleman receberia o valor dos empréstimos que entretanto tivesse feito à TAP mais um valor a partir de uma avaliação profissional a realizar”. Todavia, Nuno Santos rejeitou o secretismo de qualquer cláusula, reiterando que a cláusula foi explicada e abordada num relatório do Tribunal de Contas, de junho de 2018. E, comentando, as notícias que estão a surgir, disse claramente:
Nós ainda vamos submeter a proposta ao nosso sócio privado [a Atlantic Gateway, de David Neeleman e Humberto Pedrosa] e esperamos que seja aceite”.
Para o Ministro, as notícias da inevitabilidade da nacionalização da TAP correspondem a “um jogo negocial feito na comunicação social” em que o Governo não entra e o jogo não acabou. Porém, sobre as declarações de David Neeleman, que se disse pronto a aceitar a presença dum representante do Estado na comissão executiva da TAP, Pedro Nuno Santos ironizou:
É até um bocado ridículo. Pedir 1.500 milhões de euros ao Estado e depois vir dizer que até tem disponibilidade para aceitar um representante.”.
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Já a 20 de abril, Anabela Campos, no Expresso, referia o estado das companhias aéreas que “estão a viver a maior crise de sempre”, frisando que só sobreviverão com o apoio dos Estados. E, sobre a TAP, onde o Estado detém 50% do capital, sobressaía, a par do segredo sobre a solução, o discurso alinhado e concordante de três das mais relevantes figuras do Governo, o Primeiro-Ministro, o ministro das Finanças e o da Economia, a vincar “a relevância estratégica da TAP para o país, para a economia portuguesa e para a ligação de Portugal à comunidade de língua portuguesa”, deixando em aberto a hipótese da nacionalização.
No entanto, o Executivo fará tudo para evitar a nacionalização porque dificultará a confiança no país da parte dos mercados, quando a economia voltar à normalidade, e por ser entendida como gasto desnecessário de dinheiro público pelo Governo. Isto não quer dizer que o Estado não aumente a sua participação, o que acontece por ter de ser injetado dinheiro pelos acionistas, o que os privados não podem ou não o querem fazer. Humberto Pedrosa mostrou-se disponível para o aumento de capital, deixando claro que não tenciona deixar de ser acionista da TAP, e admitia que a TAP precisava de 350 a 400 milhões de euros até final do ano, defendendo como solução um empréstimo com garantia do Estado, convertível em ações, e a entrada dum gestor indicado pelo Estado na comissão executiva – o que o Governo põe em causa. Porém, Neeleman estará com pouca margem de manobra, pois, em março, teve de vender 47% da sua participação na brasileira “Azul”, para liquidar um crédito pessoal de 27 milhões de euros que tinha como garantia parte das ações na Azul, passando a ficar só com 3,34% dos direitos de voto.
O plano de resgate do setor aéreo (TAP, SATA, Groundforce, Portway, euroAtlantic, Hifly Portugal, ANA, OGMA, e outros pequenos atores do setor) parecia demorar mais tempo que o previsto mercê da espera da luz verde de Centeno, focado, enquanto presidente do Eurogrupo, no pacote de medidas de apoio aos Estados membros, por causa da pandemia. Entretanto, a Comissão Europeia foi célere na elaboração e aprovação do plano.
A TAP tinha em caixa cerca de 300 milhões de euros no começo da crise, o que lhe permite esperar com alguma tranquilidade a chegada do auxílio estatal. O processo de lay-off, em curso, permite-lhe baixar os custos com pessoal mensalmente para 21 milhões de euros.
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É companhia de bandeira e estão muitos empregos em causa, mas o afã da UE e do Governo não será para salvação da banca, à nossa custa, no âmbito das aquisições de frota por leasing?
2020.06.30 – Louro de Carvalho

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