Vozes mais que muitas antecipam que Mário Centeno se prepara
para, em meados de julho, deixar o Ministério das Finanças e passar a
Governador do Banco de Portugal (BdP), sucedendo no
cargo a Carlos Costa. Como era de esperar, depois das muitas vozes críticas, o
Governo enveredou pelo silêncio prudente. Porém, é provável que o trabalho do
técnico independente na construção da análise macroeconómica com que o PS
concorreu às eleições legislativas de outubro de 2015 venha a ser pago com a
ocupação dum cargo de relevo, tal como o desempenho ministerial das contas
certas, que o superavit que a
Covid-19 veio eclipsar.
E,
apesar das críticas associadas a possíveis conflitos de interesse na passagem
de Centeno das Finanças para o BdP, tanto o Presidente da República como o
Primeiro-Ministro já rejeitaram a existência do problema e Carlos Costa atual
governador, disse que Centeno seria “um grande governador do Banco de
Portugal”.
Para
António de Sousa, antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos
e antigo governador do BdP, Centeno “tem caraterísticas
semelhantes a vários outros governadores” e a passagem direta do Governo para o Banco Central é algo “quase
habitual” na Europa. E, entre os preditos outros, destaca Miguel Beleza,
Vítor Constâncio, Silva Lopes e Jacinto Nunes – que foram ministros das Finanças
e governadores do Banco de Portugal”, sendo que “uns terão feito melhor, outros
pior”. Questionado sobre a passagem direta do Executivo para o Banco de
Portugal, António de Sousa, lembra que “na Europa é
quase habitual”. E ele próprio também protagonizou uma passagem
idêntica, pois era Secretário de Estado adjunto e das Finanças de Eduardo
Catroga antes de ter assumido o cargo de governador em 1994. Porém,
escusou-se a comentar se o Ministro das Finanças ficou fragilizado com o
episódio da recente transferência de 850 milhões de euros para o Fundo de
Resolução para este injetar no Novo Banco.
Segundo o n.º 2 do art.º 27.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, na redação que lhe foi dada pela
Lei n.º 39/2015, de
25 de maio, “a designação do Governador é feita por resolução do Conselho de
Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição por parte da
comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar o respetivo
relatório descritivo”. O n.º 1 do
mesmo artigo, na sua atual redação, estabelece que “o Governador e os demais membros do conselho de administração são
escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência
de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária”.
E o n.º 3 estabelece que “os restantes
membros do conselho de administração são designados por resolução do Conselho
de Ministros, sob proposta do Governador do Banco de Portugal e após audição
por parte da comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar
o respetivo relatório descritivo”, sendo que, nos termos do n.º 4, “o provimento dos membros do conselho de
administração deve procurar, tendencialmente, a representação mínima de 33 % de
cada género”.
Algumas
vozes partidárias, e não só, têm sustentado que o Governador deve ser nomeado
pelo Presidente da República sob proposta do Governo e passado o crivo
parlamentar. Dizem outros que, para isso poder acontecer, seria necessário
rever a Constituição. Não vejo que tal seja necessário porque a lei fundamental
é omissa nessa matéria, não impondo qualquer solução. O que precisaria de ser
alterada, para isso, era a Lei Orgânica
do Banco de Portugal.
Porém, está
a caminho nova hipótese de solução, que não terá saída, dada a correlação de forças.
A pouco
tempo da sucessão de Carlos Costa no banco central e no contexto da opacidade governativa
sobre o futuro de Centeno, a IL (Iniciativa Liberal) quer mudar as regras de nomeação
do governador do BdP e dos restantes membros do conselho de administração. Com
efeito, João Cotrim Figueiredo, presidente do partido e seu deputado único,
apresentou um projeto de lei no Parlamento para que a seleção do novo
governador se faça por concurso internacional, “de forma
a promover que as escolhas recaiam sobre pessoas eminentemente qualificadas
para o lugar e livres de conflitos de interesses”.
No
projeto da IL, considera-se que “atualmente, não se avalia a independência de
espírito e os conflitos de interesses de candidatos aos órgãos do Banco de
Portugal, o que cria uma brecha relevante nessa avaliação, dada a importância
crucial desses requisitos para o exercício adequado das funções”. E “não se
avaliam os órgãos sociais como um todo, ao decidir sobre candidatos, não se
tendo em conta requisitos globais para esses órgãos funcionarem devidamente,
como seja a diversidade (em
todas as suas vertentes)”,
pelo que se propõe que tais avaliações “sejam realizadas durante o processo de
designação”.
Por
outro lado, a IL avança com a necessidade de assegurar a independência do órgão
de fiscalização do conselho do banco central. Refere o texto do projeto de lei:
“Importa
assegurar que a função de fiscalização dentro do Banco de Portugal tem
competências adequadas, incluindo o controlo da gestão do Banco de Portugal e
poderes sobre o sistema de gestão de riscos e controlo interno”.
Defendem
também os liberais que “os membros do órgão de administração e fiscalização
tenham mandatos não renováveis de 7 anos, contrariamente ao que sucede nos
termos da atual lei, segundo a qual Governador e os demais membros do órgão de
administração do Banco de Portugal têm mandatos de cinco ano, renováveis”. E propõem
a criação dum conselho de ética, nomeações e remunerações, substituindo a atual
comissão de vencimentos, explicando:
“O
conselho de ética, nomeações e remunerações aqui proposto é composto por 3 um
presidente e dois vogais, todos de reconhecida idoneidade e independência,
designados pelo Ministro das Finanças, após proposta do conselho de auditoria
do Banco de Portugal e parecer da comissão competente da Assembleia da
República, e assume responsabilidades ao nível de matérias relacionadas com a
ética, nomeações e remunerações”.
***
Em relação a esta matéria, entendo que a nomeação do Governador do BdP
deveria competir ao Presidente da República sob proposta do Governo após
audição parlamentar sobre a idoneidade e capacidade de desempenho, já que o
supervisor do sistema financeiro é demasiado importante para ser deixado só ao
Governo. Não me parece curial o recurso a concurso internacional de que possa
surgir candidatura não portuguesa para regular e supervisionar o nosso sistema
financeiro (podia ser a raposa no galinheiro). A escolha
do Governador do BdP e dos restantes membros do conselho de administração não
tem a ver com a livre circulação de capitais. Concordo que, durante o processo
de seleção devem ser feitas as avaliações que a IL propõe, para o que o
Parlamento pode dispor da competente comissão ou mesmo criar um júri, como concordo
com a criação da susodita comissão de ética, nomeações e remunerações.
Nada se opõe ao perfil de Centeno, mas há uma razão circunstancial a
ponderar (di-lo-ia também
de V. Gaspar e M. Albuquerque). Ao invés de
ministros e governadores que Sousa apontou, o Ronaldo das Finanças tem
responsabilidades (que não
pode alijar) sobre atos do passado (Banif, NB e BP) em que o seu Ministério deveria ter estado mais atento.
E compará-lo com Constâncio é complicado, se nos lembrarmos do BPN e as falhas
da supervisão.
2020.06.02 –
Louro de Carvalho
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