terça-feira, 2 de junho de 2020

Sobre a designação do próximo Governador do Banco de Portugal


Vozes mais que muitas antecipam que Mário Centeno se prepara para, em meados de julho, deixar o Ministério das Finanças e passar a Governador do Banco de Portugal (BdP), sucedendo no cargo a Carlos Costa. Como era de esperar, depois das muitas vozes críticas, o Governo enveredou pelo silêncio prudente. Porém, é provável que o trabalho do técnico independente na construção da análise macroeconómica com que o PS concorreu às eleições legislativas de outubro de 2015 venha a ser pago com a ocupação dum cargo de relevo, tal como o desempenho ministerial das contas certas, que o superavit que a Covid-19 veio eclipsar.
E, apesar das críticas associadas a possíveis conflitos de interesse na passagem de Centeno das Finanças para o BdP, tanto o Presidente da República como o Primeiro-Ministro já rejeitaram a existência do problema e Carlos Costa atual governador, disse que Centeno seria “um grande governador do Banco de Portugal”.
Para António de Sousa, antigo presidente da Caixa Geral de Depósitos e antigo governador do BdP, Centeno “tem caraterísticas semelhantes a vários outros governadores” e a passagem direta do Governo para o Banco Central é algo “quase habitual” na Europa. E, entre os preditos outros, destaca Miguel Beleza, Vítor Constâncio, Silva Lopes e Jacinto Nunes – que foram ministros das Finanças e governadores do Banco de Portugal”, sendo que “uns terão feito melhor, outros pior”. Questionado sobre a passagem direta do Executivo para o Banco de Portugal, António de Sousa, lembra que “na Europa é quase habitual”. E ele próprio também protagonizou uma passagem idêntica, pois era Secretário de Estado adjunto e das Finanças de Eduardo Catroga antes de ter assumido o cargo de governador em 1994. Porém, escusou-se a comentar se o Ministro das Finanças ficou fragilizado com o episódio da recente transferência de 850 milhões de euros para o Fundo de Resolução para este injetar no Novo Banco. 
Segundo o n.º 2 do art.º 27.º da Lei Orgânica do Banco de Portugal, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 39/2015, de 25 de maio, “a designação do Governador é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar o respetivo relatório descritivo”. O n.º 1 do mesmo artigo, na sua atual redação, estabelece que o Governador e os demais membros do conselho de administração são escolhidos de entre pessoas com comprovada idoneidade, capacidade e experiência de gestão, bem como domínio de conhecimento nas áreas bancária e monetária”. E o n.º 3 estabelece que “os restantes membros do conselho de administração são designados por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Governador do Banco de Portugal e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar o respetivo relatório descritivo”, sendo que, nos termos do n.º 4, “o provimento dos membros do conselho de administração deve procurar, tendencialmente, a representação mínima de 33 % de cada género”.
Algumas vozes partidárias, e não só, têm sustentado que o Governador deve ser nomeado pelo Presidente da República sob proposta do Governo e passado o crivo parlamentar. Dizem outros que, para isso poder acontecer, seria necessário rever a Constituição. Não vejo que tal seja necessário porque a lei fundamental é omissa nessa matéria, não impondo qualquer solução. O que precisaria de ser alterada, para isso, era a Lei Orgânica do Banco de Portugal.  
Porém, está a caminho nova hipótese de solução, que não terá saída, dada a correlação de forças.
A pouco tempo da sucessão de Carlos Costa no banco central e no contexto da opacidade governativa sobre o futuro de Centeno, a IL (Iniciativa Liberal) quer mudar as regras de nomeação do governador do BdP e dos restantes membros do conselho de administração. Com efeito, João Cotrim Figueiredo, presidente do partido e seu deputado único, apresentou um projeto de lei no Parlamento para que a seleção do novo governador se faça por concurso internacional, “de forma a promover que as escolhas recaiam sobre pessoas eminentemente qualificadas para o lugar e livres de conflitos de interesses”.
No projeto da IL, considera-se que “atualmente, não se avalia a independência de espírito e os conflitos de interesses de candidatos aos órgãos do Banco de Portugal, o que cria uma brecha relevante nessa avaliação, dada a importância crucial desses requisitos para o exercício adequado das funções”. E “não se avaliam os órgãos sociais como um todo, ao decidir sobre candidatos, não se tendo em conta requisitos globais para esses órgãos funcionarem devidamente, como seja a diversidade (em todas as suas vertentes)”, pelo que se propõe que tais avaliações “sejam realizadas durante o processo de designação”.
Por outro lado, a IL avança com a necessidade de assegurar a independência do órgão de fiscalização do conselho do banco central. Refere o texto do projeto de lei:
Importa assegurar que a função de fiscalização dentro do Banco de Portugal tem competências adequadas, incluindo o controlo da gestão do Banco de Portugal e poderes sobre o sistema de gestão de riscos e controlo interno”.
Defendem também os liberais que “os membros do órgão de administração e fiscalização tenham mandatos não renováveis de 7 anos, contrariamente ao que sucede nos termos da atual lei, segundo a qual Governador e os demais membros do órgão de administração do Banco de Portugal têm mandatos de cinco ano, renováveis”. E propõem a criação dum conselho de ética, nomeações e remunerações, substituindo a atual comissão de vencimentos, explicando:
O conselho de ética, nomeações e remunerações aqui proposto é composto por 3 um presidente e dois vogais, todos de reconhecida idoneidade e independência, designados pelo Ministro das Finanças, após proposta do conselho de auditoria do Banco de Portugal e parecer da comissão competente da Assembleia da República, e assume responsabilidades ao nível de matérias relacionadas com a ética, nomeações e remunerações”.
***
Em relação a esta matéria, entendo que a nomeação do Governador do BdP deveria competir ao Presidente da República sob proposta do Governo após audição parlamentar sobre a idoneidade e capacidade de desempenho, já que o supervisor do sistema financeiro é demasiado importante para ser deixado só ao Governo. Não me parece curial o recurso a concurso internacional de que possa surgir candidatura não portuguesa para regular e supervisionar o nosso sistema financeiro (podia ser a raposa no galinheiro). A escolha do Governador do BdP e dos restantes membros do conselho de administração não tem a ver com a livre circulação de capitais. Concordo que, durante o processo de seleção devem ser feitas as avaliações que a IL propõe, para o que o Parlamento pode dispor da competente comissão ou mesmo criar um júri, como concordo com a criação da susodita comissão de ética, nomeações e remunerações.
Quanto à independência do governador, depende da pessoa, pois dificilmente o podem demitir.
Nada se opõe ao perfil de Centeno, mas há uma razão circunstancial a ponderar (di-lo-ia também de V. Gaspar e M. Albuquerque). Ao invés de ministros e governadores que Sousa apontou, o Ronaldo das Finanças tem responsabilidades (que não pode alijar) sobre atos do passado (Banif, NB e BP) em que o seu Ministério deveria ter estado mais atento. E compará-lo com Constâncio é complicado, se nos lembrarmos do BPN e as falhas da supervisão.
2020.06.02 – Louro de Carvalho

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