terça-feira, 23 de junho de 2020

Mário Centeno vai ser nomeado governador do Banco de Portugal



Não é surpresa, mas ontem, dia 23, ficou preto no branco: o Primeiro-Ministro comunicou a Carlos Costa, atual Governador do Banco de Portugal (BdP) que a escolha do Governo para lhe suceder recairá em Mário Centeno, faltando apenas acertar a data de sucessão.
A reunião entre António Costa e Carlos Costa, em que participou João Leão, Ministro de Estado e das Finanças, tinha sido anunciada como a primeira sobre o assunto, ainda antes dos encontros com os partidos com assento parlamentar prévios à escolha do novo governador. Oficialmente, não se comenta o teor da conversa, mas vários órgãos de comunicação social, como o ECO, o Económico e o Dinheiro Vivo, confirmaram junto de várias fontes que o Chefe do Governo fora claro na comunicação que fez.
O governador termina formalmente o seu mandato no início de julho e Centeno termina o mandato na presidência do Eurogrupo a 9 de julho. Nas próximas duas semanas, o Primeiro-Ministro ouvirá os partidos com assento na Assembleia da República e, depois, o Conselho de Ministros, aprovará o nome sob proposta do Ministro das Finanças. E, num calendário apertado, a comissão de economia e finanças ouvirá o candidato aprovado pelo Conselho de Ministros e dar parecer, sendo que as férias parlamentares começam na segunda quinzena de julho.
Já, após a cerimónia posse de João Leão como Ministro de Estado e das Finanças, António Costa admitira que Centeno “é uma hipótese” para o cargo de governador do BdP.
Atualmente, nos termos da Lei Orgânica do Banco de Portugal, “a designação do governador é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro das Finanças e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da República, que deve elaborar o respetivo relatório descritivo”.
Entretanto, está em debate na Assembleia da República, em sede de comissão da especialidade, o diploma sobre as regras de nomeação do governador do BdP, com princípios que, se fossem aprovados atempadamente, impediriam a escolha de Centeno por suposto conflito de interesses. Na verdade, na Assembleia da República, foi aprovado na generalidade, com os votos contra do PS e abstenções de PCP e PEV, o projeto de lei do PAN para alterar a lei orgânica do BdP, que se encontra em debate na especialidade. Essa norma, no entanto, além da oposição do PS, não merece, por oportunidade, o apoio do Bloco de Esquerda (BE) e o do PCP e do PEV, não tendo assim maioria suficiente para ser aprovada, tal como está formulada, em votação na especialidade e, consequentemente, em votação final global.
O diploma, da iniciativa do PAN, entre outras normas, impede que seja governador do BdP quem tenha nos 5 anos anteriores à designação ocupado o cargo de Primeiro-Ministro ou cargos no Governo na área das Finanças, tal como estabelece que a audição parlamentar do nome proposto pelo executivo para o cargo de governador do BdP seja objeto de parecer vinculativo, ponto em relação ao qual o PS está também contra e o BE manifestou dúvidas.
O BE, através de Mariana Mortágua, levantou dúvidas de segurança jurídica e de ordem constitucional relativamente à aplicação dessa nova norma já a este processo de substituição de Carlos Costa no cargo de governador do BdP, embora do ponto de vista político, PSD, BE, PAN e CDS-PP estejam contra a eventual nomeação do ex-ministro das Finanças Mário Centeno para o cargo de governador do Banco de Portugal. Do ponto de vista do PCP, deverá ser criado um período de nojo para “banqueiros e auditores”, mas não para antigos governantes. Por isso, o secretário-geral disse, no passado dia 16, que não vê incompatibilidade em que o ex-ministro Centeno seja nomeado para o supervisor. Os bloquistas anunciaram, no dia 15, que vão votar contra o período de nojo para quem exerceu funções em cargos públicos, como prevê a proposta do PAN, pois, segundo Mariana Mortágua, as incompatibilidades apenas valem para quem vem do privado. Apesar desta posição, a deputada considerou que Centeno não tem condições políticas para o cargo uma avaliação política e que deve ser feita pelo Parlamento. E Rui Rio entende como excessivo o período de nojo de cinco anos e propõe que seja fixado em dois anos e, politicamente, está contra a governamentalização do BdP.
António Costa, por seu turno, incitou os seus pares de partido a irem à luta contra o travão à ida de Centeno para governador do BdP.
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Tem-se dito que o projeto de lei do PAN visa a formulação duma lei ad hominem, tendo em vista uma pessoa em concreto, como se isso estivesse a acontecer pela primeira vez, e destinando-se apenas a impedir que Centeno seja governador do BdP e que, se os deputados a queriam, deveriam ter apresentado o projeto há mais tempo. Esquecemo-nos de que o Governo apresentou ao Parlamento ainda na anterior legislatura uma proposta de lei cujo processo legislativo não chegou ao seu termo e caducou com o termo da XIII Legislatura.
Recordo-me duma lei que inicialmente estava pensada para limitar mandatos de executivos, sobretudo os dos líderes das regiões autónomas. Não se aplicou a estes, mas apenas a presidentes da câmara municipal e da junta de freguesia, tal como, com o protelamento da entrada em vigor e por ali vir expressamente estabelecido, não se aplicou aos que estavam em exercício de funções à data da promulgação e publicação (podendo os destinatários perfazer mais um mandato além do iniciado, se reeleitos). E, por uma interpretação restritiva adotada pelo Tribunal Constitucional deu um pouco para tudo, como: eleição para órgão similar noutro território ou em território com alteração de configuração e o sobe-e-desce nos cargos, passando o anterior n.º 1 para n.º 2, podendo futuramente alternar-se as posições. Lembro-me de que alguns deputados aquando da revisão constitucional de 1982 no quadro da alteração dos poderes presidenciais tinham em mente o uso que Ramalho Eanes estava a fazer deles. E, não há pouco tempo, um decreto-lei foi elaborado, promulgado e publicado a pensar em António Domingues e seus pares na CGD. Leis ad hominem podem ser ponto de partida para leis válidas, logo que haja expurgo dessa componente. E, quanto ao predito projeto do PAN, considero que seja conveniente estabelecer algumas condições para que determinadas personalidades ocupem lugares na direção do BdP: nojo, assentimento parlamentar, capacidade de independência em relação ao Governo, nomeação presidencial… – mas nunca um concurso internacional, como quer a IL, nem que a lei se aplique ao próximo ato de sucessão de Carlos Costa.
Quanto a Centeno, parece-me que o problema atualmente não é de incompatibilidades nem mesmo de conflito de interesses stricto sensu, mas simplesmente a dúvida sobre a postura de independência numa eventualmente necessária avaliação da atenção do ex-governante e sua equipa aos processos do Novo Banco, da CGD e do Banif. Nem vale a pena contabilizar quais os partidos que mais pontuam na transição de ex-governantes para lugares cimeiros do BdP e não me comovem os “politicamente convenientes” pareceres favoráveis de Marcelo ou de Carlos Costa.         
2020.06.23 – Louro de Carvalho

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