Não é surpresa, mas ontem, dia 23, ficou preto no
branco: o Primeiro-Ministro comunicou a Carlos Costa, atual Governador
do Banco de Portugal (BdP) que a escolha do Governo
para lhe suceder recairá em Mário Centeno, faltando apenas acertar a data de
sucessão.
A reunião entre António Costa e Carlos Costa, em que participou João Leão,
Ministro de Estado e das Finanças, tinha sido anunciada como a primeira sobre o
assunto, ainda antes dos encontros com os partidos com assento parlamentar prévios
à escolha do novo governador. Oficialmente, não se comenta o teor da conversa,
mas vários órgãos de comunicação social, como o ECO, o Económico e o Dinheiro Vivo, confirmaram junto de
várias fontes que o Chefe do Governo fora claro na comunicação que fez.
O governador termina formalmente o seu mandato no início de julho e Centeno
termina o mandato na presidência do Eurogrupo a 9 de julho. Nas próximas duas
semanas, o Primeiro-Ministro ouvirá os partidos com assento na Assembleia da
República e, depois, o Conselho de Ministros, aprovará o nome sob proposta do
Ministro das Finanças. E, num calendário apertado, a comissão de economia e
finanças ouvirá o candidato aprovado pelo Conselho de Ministros e dar parecer,
sendo que as férias parlamentares começam na segunda quinzena de julho.
Já, após a cerimónia posse de João Leão como Ministro de Estado e das
Finanças, António Costa admitira que Centeno “é uma hipótese” para o cargo
de governador do BdP.
Atualmente, nos termos da Lei Orgânica do Banco de Portugal, “a designação
do governador é feita por resolução do Conselho de Ministros, sob proposta do Ministro
das Finanças e após audição por parte da comissão competente da Assembleia da
República, que deve elaborar o respetivo relatório descritivo”.
Entretanto, está em debate na Assembleia da República, em sede de comissão
da especialidade, o diploma sobre as regras de nomeação do governador do BdP,
com princípios que, se fossem aprovados atempadamente, impediriam a escolha de
Centeno por suposto conflito de interesses. Na verdade, na Assembleia da
República, foi aprovado na generalidade, com os votos contra do PS e abstenções
de PCP e PEV, o projeto de lei do PAN para alterar a lei orgânica do BdP, que
se encontra em debate na especialidade. Essa norma, no entanto, além da oposição
do PS, não merece, por oportunidade, o apoio do Bloco de Esquerda (BE) e o do PCP e do PEV, não tendo assim maioria suficiente
para ser aprovada, tal como está formulada, em votação na especialidade e, consequentemente,
em votação final global.
O diploma,
da iniciativa do PAN, entre outras normas, impede que seja governador do BdP
quem tenha nos 5 anos anteriores à designação ocupado o cargo de Primeiro-Ministro
ou cargos no Governo na área das Finanças, tal como estabelece que a audição
parlamentar do nome proposto pelo executivo para o cargo de governador do BdP
seja objeto de parecer vinculativo, ponto em relação ao qual o PS está também
contra e o BE manifestou dúvidas.
O BE,
através de Mariana Mortágua, levantou dúvidas de segurança jurídica e de ordem
constitucional relativamente à aplicação dessa nova norma já a este
processo de substituição de Carlos Costa no cargo de governador do BdP, embora
do ponto de vista político, PSD, BE, PAN e CDS-PP estejam contra a eventual
nomeação do ex-ministro das Finanças Mário Centeno para o cargo de governador
do Banco de Portugal. Do ponto de vista do PCP, deverá ser criado um período de nojo para
“banqueiros e auditores”, mas não para antigos governantes. Por isso, o
secretário-geral disse, no passado dia 16, que não vê incompatibilidade em que
o ex-ministro Centeno seja nomeado para o supervisor. Os bloquistas anunciaram,
no dia 15, que vão votar contra o período de nojo para quem exerceu funções em
cargos públicos, como prevê a proposta do PAN, pois, segundo Mariana Mortágua,
as incompatibilidades apenas valem para quem vem do privado. Apesar desta
posição, a deputada considerou que Centeno não tem condições políticas para o
cargo uma avaliação política e que deve ser feita pelo Parlamento. E Rui
Rio entende como excessivo o período de nojo de cinco anos e propõe que seja fixado
em dois anos e, politicamente, está contra a governamentalização do BdP.
António
Costa, por seu turno, incitou os seus pares de partido a irem à luta contra o travão
à ida de Centeno para governador do BdP.
***
Tem-se
dito que o projeto de lei do PAN visa a formulação duma lei ad hominem, tendo em vista uma pessoa em
concreto, como se isso estivesse a acontecer pela primeira vez, e destinando-se
apenas a impedir que Centeno seja governador do BdP e que, se os deputados a queriam,
deveriam ter apresentado o projeto há mais tempo. Esquecemo-nos de que o
Governo apresentou ao Parlamento ainda na anterior legislatura uma proposta de
lei cujo processo legislativo não chegou ao seu termo e caducou com o termo da
XIII Legislatura.
Recordo-me
duma lei que inicialmente estava pensada para limitar mandatos de executivos, sobretudo
os dos líderes das regiões autónomas. Não se aplicou a estes, mas apenas a
presidentes da câmara municipal e da junta de freguesia, tal como, com o
protelamento da entrada em vigor e por ali vir expressamente estabelecido, não
se aplicou aos que estavam em exercício de funções à data da promulgação e publicação
(podendo os destinatários
perfazer mais um mandato além do iniciado, se reeleitos). E, por uma interpretação restritiva
adotada pelo Tribunal Constitucional deu um pouco para tudo, como: eleição para
órgão similar noutro território ou em território com alteração de configuração e
o sobe-e-desce nos cargos, passando o anterior n.º 1 para n.º 2, podendo futuramente
alternar-se as posições. Lembro-me de que alguns deputados aquando da revisão
constitucional de 1982 no quadro da alteração dos poderes presidenciais tinham
em mente o uso que Ramalho Eanes estava a fazer deles. E, não há pouco tempo,
um decreto-lei foi elaborado, promulgado e publicado a pensar em António
Domingues e seus pares na CGD. Leis ad
hominem podem ser ponto de partida para leis válidas, logo que haja expurgo
dessa componente. E, quanto ao predito projeto do PAN, considero que seja
conveniente estabelecer algumas condições para que determinadas personalidades ocupem
lugares na direção do BdP: nojo, assentimento parlamentar, capacidade de independência
em relação ao Governo, nomeação presidencial… – mas nunca um concurso
internacional, como quer a IL, nem que a lei se aplique ao próximo ato de
sucessão de Carlos Costa.
Quanto
a Centeno, parece-me que o problema atualmente não é de incompatibilidades nem
mesmo de conflito de interesses stricto
sensu, mas simplesmente a dúvida sobre a postura de independência numa eventualmente
necessária avaliação da atenção do ex-governante e sua equipa aos processos do
Novo Banco, da CGD e do Banif. Nem vale a pena contabilizar quais os partidos
que mais pontuam na transição de ex-governantes para lugares cimeiros do BdP e
não me comovem os “politicamente convenientes” pareceres favoráveis de Marcelo
ou de Carlos Costa.
2020.06.23 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário