No passado dia 18 de junho, pelo 5.º aniversário
da publicação da Encíclica ‘Laudato si’,
como se pode ler no “Vatican News”, a
Santa Sé divulgou um documento sob o título “A caminho dos cuidados da casa comum”, que exorta os cristãos a uma relação
saudável com a Criação, oferecendo-lhe uma orientação às ações dos
católicos nesta magna causa, concretizada em evidências, apelos, exortações,
sugestões e propostas.
A apresentação esteve a cargo de: Paul Paul Gallagher, Secretário de Relações com os Estados,
da Secretaria de Estado; Fernando Vérgez Alzaga, LC, Secretário-geral da
Província do Estado da Cidade do Vaticano; Angelo Vincenzo Zani,
Secretário da Congregação para a Educação Católica (dos Institutos de Estudos); Bruno Marie Duffé,
Secretário do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral; Aloysius
John, Secretário-geral da Caritas Internationalis ; e Tomás Insua, cofundador e
diretor executivo do Movimento Global pelo Clima
Católico.
Trata-se dum texto redigido pela “Mesa Interdicasterial da Santa Sé sobre ecologia integral”, criada
em 2015 para estudar como promover e implementar a ecologia integral, tendo como
participantes as instituições ligadas à Santa Sé envolvidas nesta área, algumas
Conferências Episcopais e Organismos Católicos. E, ainda que elaborado antes da
pandemia da covid-19, este manual ou guia de ação destaca a mensagem principal
da Encíclica: tudo está ligado, não há
crises separadas, mas uma única e complexa crise socioambiental que postula uma
verdadeira conversão ecológica.
Desde logo, vinca a necessidade duma conversão
ecológica, que implica a mudança de mentalidade conducente ao cuidado da vida e
da Criação, ao diálogo com o outro e à consciência da profunda conexão entre os
problemas do mundo. São de valorizar, nesta ordem de ideias, iniciativas como o
“Tempo da Criação” e as tradições monásticas que ensinam a contemplação, a
oração, o trabalho e o serviço, com vista a educar para o conhecimento da
ligação entre o equilíbrio pessoal, social e ambiental.
Reafirmando a centralidade da vida e da pessoa humana,
uma vez que “não se pode defender a natureza se não se defende todo o ser
humano”, patenteia a indicação para desenvolver, entre as novas gerações, o
conceito de “pecado contra a vida humana”, a “cultura do cuidado” e a “cultura
do desperdício” – três itens conexos com a vida condigna do ser humano.
Na sequência da valorização da vida e da pessoa humana,
vem a família, seu ninho fundamental, como “protagonista da ecologia integral”,
alicerçada nos princípios basilares da “comunhão e fecundidade”, podendo tornar-se
“lugar educativo privilegiado onde se aprende a respeitar o ser humano e a
Criação”. Por isso, os decisores políticos são instados a “promover políticas
inteligentes para o desenvolvimento familiar”.
E, ampliando o círculo da responsabilidade pelo
cuidado da “Casa Comum”, é instada a escola a ganhar “uma nova centralidade”,
tornando-se espaço de desenvolvimento da capacidade de discernimento,
pensamento crítico e ação responsável. Assim, o manual sugere a facilitação das
conexões casa-escola-paróquia e o lançamento de projetos de formação para a “cidadania
ecológica”, isto é, a promoção de “um novo modelo de relacionamento” entre os
jovens que vá além do individualismo em prol da solidariedade, da
responsabilidade e do cuidado. Também é chamada a universidade – pela sua
tripla missão de ensinamento, pesquisa e serviço à sociedade – a girar em torno do eixo da ecologia
integral, incentivando os estudantes a assumirem “profissões que facilitem
mudanças ambientais positivas”. Por conseguinte, é-lhe deixada a sugestão
específica de “estudar a teologia da Criação, na relação do ser humano com o
mundo”, consciente de que o cuidado da Criação postula “uma educação
permanente”, um verdadeiro “pacto educativo” entre todas as entidades
envolvidas.
Este vade mecum, na tradição católica, reafirma categoricamente que o compromisso com o cuidado da casa comum não
é uma opção secundária, mas “é parte integrante da vida cristã”. Mais é “uma
excelente área” para o diálogo e colaboração ecuménica e inter-religiosa, pois,
com a sua “sabedoria”, as religiões podem incentivar um estilo de vida
“contemplativo e sóbrio” que leve à “superação da deterioração do Planeta”.
É de relevar o capítulo dedicado à comunicação e à sua
“profunda analogia” com o cuidado da casa comum, pois baseiam-se na “comunhão,
relacionamento e conexão”. No contexto duma “ecologia dos media”, os meios de
comunicação são chamados a destacar as ligações entre “o destino humano e o
ambiente natural”, fortalecendo os cidadãos e combatendo as “fake news”.
***
No âmbito do tema da alimentação, recordam-se as
palavras do Papa Francisco: “A comida que
é jogada fora é como se fosse roubada dos pobres” (LS, 50). Daí, a condenação do desperdício alimentar como ato
de injustiça, o apelo à promoção duma agricultura “diversificada e
sustentável”, em defesa dos pequenos produtores e dos recursos naturais, e a necessidade
urgente duma educação alimentar saudável quantitativa e qualitativamente.
Depois, vem o forte apelo ao combate a fenómenos como a
apropriação de terras, os grandes projetos agroindustriais poluidores, bem como
o apelo à proteção da biodiversidade – apelo que se repete no capítulo dedicado
à água, cujo acesso é “um direito humano essencial”, pelo que se impõe o combate
ao desperdício e aos critérios utilitários que levam à privatização deste bem
natural. Na mesma ordem de ideias, se apela à redução da poluição, à
descarbonização do setor energético e económico e ao investimento em energia
“limpa e renovável”, acessível a todos.
Também estão no coração da ecologia integral os mares
e oceanos como “pulmões azuis do planeta”, que exigem uma governança focada no
bem comum de toda a família humana e na subsidiariedade. Destaca-se a urgência
da promoção duma “economia circular” que não vise a exploração excessiva dos
recursos produtivos, mas a sua manutenção a longo prazo, com vista à sua
reutilização. E, porque tudo tem o seu valor, deve superar-se o conceito de
‘rejeição’. Ora, tudo isso será possível só através da interação entre inovação
tecnológica, investimento em infraestrutura sustentável e crescimento da
produtividade dos recursos.
Nestes termos, o setor privado é chamado a operar com
transparência na cadeia de suprimentos, urgindo a reforma dos subsídios aos
combustíveis fósseis e a tributação das emissões de CO2. E, no campo do
trabalho, espera-se a promoção do desenvolvimento socioeconómico sustentável
para erradicar a pobreza; caminhos socioprofissionais em prol dos
marginalizados; trabalho digno, salários justos, combate ao trabalho infantil e
à informalidade; uma economia inclusiva, na promoção do valor da família e da
maternidade; e a prevenção e erradicação de “novas formas de escravidão”, como
o tráfico.
Também o mundo das finanças deve desempenhar o seu
papel em torno do “primado do bem comum” e no esforço de pôr fim à pobreza. Com
efeito, como se lê no texto, “a própria
pandemia da covid-19 mostra como é questionável um sistema que reduz a
assistência ou permite grandes especulações mesmo em infortúnios, voltando-se
contra as pessoas mais pobres”. Assim, impõe-se o fim dos paraísos fiscais,
a sanção das instituições financeiras envolvidas em operações ilegais e o
estabelecimento da ponte entre os que têm acesso ao crédito e os que não o têm.
E exorta-se à promoção de “uma gestão dos bens da Igreja inspirada na
transparência, coerência e coragem” na perspetiva da sustentabilidade integral.
A nível das instituições, enfatiza-se a “primazia da
sociedade civil”, ao serviço da qual se deve dedicar a política, os governos e
as administrações; propõe-se a globalização da democracia substantiva, social e
participativa, e uma visão de longo prazo baseada na justiça e na moralidade e
na luta à corrupção; importa promover o acesso à justiça para todos, incluindo
os pobres, os marginalizados, os excluídos; e é preciso “repensar
prudentemente” o sistema prisional, promovendo a reabilitação dos reclusos,
sobretudo jovens em primeira condenação.
O texto aborda a saúde como “questão de equidade e
justiça social” reafirmando a importância do direito ao tratamento. E, porque, ao
mesmo tempo que se degradam “as redes ecológicas”, se degradam também “as redes
sociais e em ambos os casos são os mais pobres que pagam as consequências”,
entre as várias sugestões do manual, há as do exame dos perigos associados à
“rápida disseminação de epidemias virais e bacterianas” e da promoção de
cuidados paliativos.
Por fim, aborda-se a questão climática, na convicção
da sua “profunda “relevância” ambiental, ética, económica, política e social,
“afetando acima de tudo os mais pobres”. Por isso, urge “um novo modelo de
desenvolvimento” que articule sinergicamente as lutas contra as mudanças
climáticas e contra a pobreza “em harmonia com a Doutrina Social da Igreja”. E,
porque “não se pode agir sozinho”, apela-se ao compromisso com o
desenvolvimento sustentável “com baixo carbono” para reduzir as emissões de
gases de efeito estufa. Assim, entre as propostas nessa área, ressalta o reflorestamento
de áreas como a Amazónia e o apoio ao processo internacional de definição da
categoria de “refugiado climático” para garantir a “proteção jurídica e
humanitária necessária”.
E o último capítulo contempla o compromisso do Estado da
Cidade do Vaticano, que abrange 4 áreas operacionais a que se aplicam as
indicações da “Laudato si”: proteção
ambiental, pela recolha seletiva de resíduos em todos os escritórios; proteção
dos recursos hídricos, com circuitos fechados para a água das fontes; cuidado
de áreas verdes, pela redução progressiva de agrotóxicos; e consumo de recursos
energéticos, com a instalação, em 2008, no telhado da Sala Paulo VI, dum
sistema fotovoltaico e com os novos sistemas de iluminação com economia de
energia na Capela Sistina, na Praça de São Pedro e na Basílica do Vaticano, a
reduzirem os custos em 60%, 70% e 80%, respetivamente.
***
Enfim, enquanto apela aos Estados, instituições, privados,
escolas e universidades, famílias e pessoas no âmbito da ecologia integral, o
Papa induziu o Estado da Cidade do Vaticano a dar o exemplo estando na linha da
frente. Resta lembrar os propósitos do documento: relançar a riqueza do
conteúdo da encíclica, muito atual como fica evidente no contexto da pandemia; oferecer
orientação sobre a sua leitura, promovendo os seus elementos operacionais
decorrentes das reflexões contidas nela e minimizando os riscos de
mal-entendidos; e instar à colaboração entre os departamentos da Cúria Romana e
as instituições católicas envolvidas na disseminação e implementação da “Laudato
Si” , aumentando as
numerosas sinergias.
2020.06.26 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário