segunda-feira, 1 de junho de 2020

O surto da Covid-19 pode redundar em oportunidade para o interior




Dizem os observadores que a pandemia está a criar afeição pelas zonas de menor densidade populacional. E quem pense mudar de vida e trocar a cidade por áreas menos urbanas tem boas notícias, pois, o Governo, querendo atrair mais cidadãos para o interior do país, criou um programa de apoio e disponibilizou um guia fiscal que sistematiza os benefícios em vigor para tais territórios, desde os apoios fiscais às famílias, às empresas, ao investimento e à silvicultura. O Guia Fiscal do Interior – elaborado pela Secretaria de Estado da Valorização do Interior e pela Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, com o apoio da AT (Autoridade Tributária e Aduaneira) – está publicado no Portal do Governo desde 20 de maio, precedido duma síntese, e elucida quem possa considerar um novo futuro no pós-Covid-19.
As famílias que transfiram a residência permanente para as sobreditas zonas serão contempladas com o aumento do limite das deduções em sede de IRS durante 3 anos; as PME (Pequenas e Médias Empresas), entre outros incentivos, contarão com a taxa reduzida de IRC de 12,5% para os primeiros 25.000 euros de matéria coletável, um incentivo ao reinvestimento dos lucros pela majoração de 20% dos benefícios previstos no regime de DLRR (Dedução por Lucros Retidos e Reinvestidos) e condições mais favoráveis do regime fiscal para atração do investimento pelas deduções à coleta de IRC mais elevadas.
No âmbito dos apoios preveem-se ainda isenções de IMT e IMI para imóveis localizados em áreas florestais e majoração dos gastos, em sede de IRC e IRS, com manutenção e defesa da floresta, bem como incentivos aos estudantes inscritos em Instituições de Ensino do interior, nomeadamente através da contabilização das rendas como despesas de educação e da majoração dos gastos em educação.
É de anotar que, na apresentação deste plano de ajudas públicas para o interior por parte do XXII Governo, Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, lembrou que não será preciso ir viver quase para a fronteira de Espanha para usufruir delas, pois há vários locais, e até junto à praia, abrangidos por este apoio. E deu o exemplo dos casos de Setúbal e de muitas praias da costa alentejana, onde, por exemplo, uma família lisboeta se poderá instalar para beneficiar destes vários subsídios a fundo perdido destinados aos territórios do interior.
Para Ana Abrunhosa, o interior “é um conceito socioeconómico e não geográfico”. Por isso, o mapa do interior, proposto pela ANMP (Associação Nacional de Municípios Portugueses), abrange a esmagadora maioria do território de Portugal continental, ao incluir 165 municípios mais 73 freguesias de outros 21 municípios, mas só responde, segundo o Ministério da Coesão Territorial,  por 20% da população, 20% das empresas e 14% do pessoal ao serviço delas.
O Guia Fiscal do Interior – uma brochura de 24 páginas – está dividido em três capítulos e tem informação sobre os benefícios fiscais para as famílias, benefícios fiscais transversais de apoio às empresas e ao investimento e benefícios fiscais à silvicultura – muito importantes nestes territórios. Apresenta uma listagem dos vários diplomas legais relacionados com incentivos fiscais ou incentivos financeiros específicos da valorização do Interior, bem como as formas de atendimento por parte da AT.
No Guia Fiscal do Interior encontra-se informação detalhada sobre: incentivo a estudantes inscritos em Instituições de Ensino do Interior (contabilização das rendas como despesas de educação e da majoração dos gastos em educação); benefícios às famílias que transfiram residência permanente para o Interior (aumento do limite das deduções em IRS de 502€ a 1000 € durante 3 anos); incentivo às PME do Interior através de taxa reduzida de IRC (12.5% para os primeiros 25.000 euros de matéria coletável); incentivo ao reinvestimento dos lucros das empresas do interior através da majoração de 20% dos benefícios previstos no regime DLRR; condições mais favoráveis do RFAI (regime fiscal para atração do investimento), isto é, deduções a coletas de IRC mais elevadas; desenvolvimento de setores-chave com condições vantajosas para investimentos (através de Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo) que reduzam as assimetrias regionais, sobretudo se aplicados em áreas menos desenvolvidas; isenções de IMT e IMI para imóveis localizados em áreas florestais e majoração dos gastos em IRC e IRS com manutenção e defesa da floresta; e captação de investimento na floresta através de condições fiscais vantajosas (isenção de IRC e IS, menor tributação das participações sociais, etc.) para EGF/UGF (Entidades de Gestão Florestal / Unidades de Gestão Florestal).
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Já em 19 de fevereiro, o Governo tinha criado um programa de apoio a quem fosse residir e/ou investir no interior, nos termos do qual os trabalhadores podem beneficiar de apoio inicial de até 4.827 euros se se mudarem para qualquer um dos territórios alvo de discriminação positiva pelas políticas públicas; e as empresas podem receber até 82.106 euros por posto de trabalho criado em qualquer um desses mesmos territórios. Os pequenos e médios empresários e as entidades de economia social podem receber, por cada novo posto de trabalho criado, um subsídio a fundo perdido até 1900,60 euros por mês, ao longo de três anos.
Veja-se, para o efeito, a Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho, que delimita as áreas territoriais consideradas “Territórios do Interior”; a Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de fevereiro, que adota o Regulamento específico do domínio da Competitividade e Internacionalização; a Resolução do Conselho de Ministros n.º 16/2020, de 27 de março, que aprova o Programa “Trabalhar no Interior”; e a Resolução do Conselho de Ministros n.º 18/2020, de 27 de março, que aprova a Revisão do Programa de Valorização do Interior.
O grande objetivo do programa é canalizar 312 milhões de fundos comunitários para o interior, incentivando 590 milhões de novos investimentos, e criar 2310 novos postos de trabalho diretos.
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Entretanto, Serena Cabrita Neto, em artigo subordinado ao título “Que lições deve o fisco tirar da pandemia?”, publicado no Observador neste dia 1 de junho, frisa que a pandemia mostrou, por exemplo, que “é possível desburocratizar mais” e “prescindir da apresentação de documentos originais”, pois valem as cópias digitalizadas – possibilidades a manter.
Considerando que à relação dos contribuintes com o Fisco vem associada a conotação “de negatividade, de desconfiança e até temor”, refere que o contribuinte paga “sem contrapartida imediata” e “o Estado tem manifestamente mais poderes e meios”, de modo que, “em caso de divergência ou litígio, para proteger os seus direitos, o contribuinte tem de passar por uma penosa via-sacra, complexa e normalmente muito morosa, tanto nas vias administrativas, como nos tribunais”. E o contribuinte não deixa de ser “obrigado a adiantar o pagamento do imposto”.
Pensa que a AT, nos últimos 15 anos, se aproximou mais dos contribuintes: disponibiliza meios eletrónicos de comunicação (e-balcão); passou a enviar e-mails lembrando as obrigações fiscais; melhorou as informações disponíveis no Portal das Finanças e pelas linhas telefónicas; e valorizou a qualidade das instalações físicas. Vinca ainda a “maior rapidez nos reembolsos, como é o caso do IVA e do IRS” (fora dos casos litigiosos). Não obstante, sente que a perceção do contribuinte não melhorou. Isto, porque a AT, embora tenha procurado a melhoria da relação com o contribuinte, investiu nela muito menos que “na melhoria das suas forças de cobrança”. Veja-se, por exemplo, como vinca a colunista, a rapidez nas liquidações de imposto, na instauração das execuções, nas penhoras eletrónicas, no cruzamento de informações e deteção da fraude “por via dos controlos de faturas e circulação de mercadorias”.
Só que tais melhorias, benéficas para a coletividade, se fizeram-se “à custa da criação de mais obrigações para os sujeitos passivos, obrigados a alterar (e a custear), no caso das empresas, os seus sistemas informáticos, a alocar pessoas a um crescente número de obrigações declarativas e, no caso dos particulares, a apresentar ainda mais declarações e a validar faturas”.
Ora, segundo a colunista, a pandemia fez “perceber que é possível desburocratizar ainda mais” e que “se pode generalizar o atendimento à distância”, não só pelo e-balcão, mas sobretudo pelo correio eletrónico, para tratar das mais simples questões “até ao processo sucessório ou ao pedido de uma isenção ou de uma simples certidão”, o que a lei já admitia, mas não que não era prática incentivada e, se utilizada pelo contribuinte, implicava longa espera na resposta da AT. Também ensinou que se pode “agendar o atendimento presencial” para as matérias em que é necessário, diminuindo as filas e o entupimento presencial dos Serviços de Finanças, e que “é possível prescindir da apresentação de documentos originais, valendo as cópias digitalizadas” – tudo sem que o Estado perca os “poderes de fiscalização e controlo”.
Agilizando as soluções, instaura-se a maturidade da relação ficando o cidadão responsável pelo que declara e o Estado com os “poderes de verificação” sancionando as infrações.
Cabrita Neto sustenta que se devem manter “estas possibilidades efetivas, alargando-as até”, sendo certo que isso não resolverá os problemas todos, sobretudo o da confiança, mas melhorará o relacionamento, “promovendo uma atitude positiva quanto ao cumprimento das obrigações fiscais” e “talvez fiquemos mais perto da desejada maturidade fiscal”.
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A maior desburocratização e a rapidez fiscais, interessando a todo o país, são cruciais para quem se transfira para o interior. Mas isto não basta. Há muitas outras questões que se levantam.
Que existência e diversidade de instituições do ensino superior (e cursos) respondem às ambições dos jovens? Que suficiência de meios de transporte coletivo e vias de comunicação? Que incentivos se dão aos jovens que decidam frequentar tais instituições do interior? Que empregabilidade resultará daí? Como se reverterá o crónico desaconselhamento de investir em determinadas zonas do país ou a reversão do encerramento de serviços locais da administração central? Que negociação se propõe com os detentores da propriedade de latifúndios, montes e herdades? Será desburocratizável a instalação efetiva da direção de empresa no interior para aceder aos preditos benefícios? E para quando a harmonização fiscal na UE, a nível das pessoas singulares e das empresas? 
2020.06.01 – Louro de Carvalho

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