Dizem os
observadores que a pandemia está a criar afeição pelas zonas de menor densidade
populacional. E quem pense mudar de vida e trocar a cidade por áreas menos
urbanas tem boas notícias, pois, o Governo, querendo atrair mais cidadãos
para o interior do país, criou um programa de apoio e disponibilizou um guia fiscal
que sistematiza os benefícios em vigor para tais territórios, desde os apoios fiscais às famílias, às empresas, ao investimento
e à silvicultura. O Guia Fiscal do
Interior – elaborado pela Secretaria de Estado da Valorização do Interior e
pela Secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais, com o apoio da AT (Autoridade
Tributária e Aduaneira) – está publicado
no Portal do Governo desde 20 de maio, precedido duma síntese, e elucida quem
possa considerar um novo futuro no pós-Covid-19.
As famílias que transfiram a residência
permanente para as sobreditas zonas serão contempladas com o aumento do limite das deduções em sede
de IRS durante 3 anos; as PME (Pequenas e
Médias Empresas), entre outros incentivos,
contarão com a taxa reduzida de IRC de 12,5% para os
primeiros 25.000 euros de matéria coletável, um incentivo ao reinvestimento dos
lucros pela majoração de 20% dos benefícios previstos no regime de DLRR (Dedução por
Lucros Retidos e Reinvestidos) e condições
mais favoráveis do regime fiscal para atração do investimento pelas deduções à coleta de IRC mais
elevadas.
No âmbito dos
apoios preveem-se ainda isenções
de IMT e IMI para imóveis localizados em áreas florestais e
majoração dos gastos, em sede de IRC e IRS, com manutenção e defesa da
floresta, bem como incentivos aos
estudantes inscritos em Instituições de Ensino do interior,
nomeadamente através da contabilização
das rendas como despesas de educação e da majoração dos gastos em
educação.
É de anotar que, na apresentação deste plano de ajudas públicas para o interior por parte do XXII
Governo, Ana Abrunhosa, Ministra da Coesão Territorial, lembrou que não será
preciso ir viver quase para a fronteira de Espanha para usufruir delas, pois há
vários locais, e até junto à
praia, abrangidos por este apoio. E deu o exemplo dos casos de Setúbal e de muitas praias da
costa alentejana, onde, por exemplo, uma família lisboeta se poderá
instalar para beneficiar destes vários subsídios a fundo perdido destinados aos
territórios do interior.
Para Ana
Abrunhosa, o interior “é um conceito socioeconómico e não geográfico”. Por
isso, o mapa do interior, proposto pela ANMP (Associação Nacional de Municípios
Portugueses), abrange
a esmagadora maioria do território de Portugal continental, ao incluir 165
municípios mais 73 freguesias de outros 21 municípios, mas só responde, segundo o Ministério da
Coesão Territorial, por 20% da
população, 20% das empresas e 14% do pessoal ao serviço delas.
O Guia Fiscal do Interior – uma brochura
de 24 páginas – está dividido em três capítulos e tem informação sobre os
benefícios fiscais para as famílias, benefícios fiscais transversais de apoio
às empresas e ao investimento e benefícios fiscais à silvicultura – muito
importantes nestes territórios. Apresenta uma listagem dos vários diplomas legais relacionados
com incentivos fiscais ou incentivos financeiros específicos da valorização do
Interior, bem como as formas de atendimento por parte da AT.
No Guia Fiscal do Interior encontra-se
informação detalhada sobre: incentivo a estudantes inscritos em Instituições de
Ensino do Interior (contabilização das rendas como despesas de educação e
da majoração dos gastos em educação); benefícios
às famílias que transfiram residência permanente para o Interior (aumento do
limite das deduções em IRS de 502€ a 1000 € durante 3 anos); incentivo às PME do Interior através de taxa
reduzida de IRC (12.5% para os primeiros 25.000 euros de matéria
coletável); incentivo ao reinvestimento dos
lucros das empresas do interior através da majoração de 20% dos benefícios
previstos no regime DLRR; condições mais favoráveis do RFAI (regime
fiscal para atração do investimento), isto é,
deduções a coletas de IRC mais elevadas; desenvolvimento
de setores-chave com condições vantajosas para investimentos (através
de Benefícios Fiscais Contratuais ao Investimento Produtivo) que reduzam as assimetrias
regionais, sobretudo se aplicados em áreas menos desenvolvidas; isenções de IMT e IMI para imóveis localizados em
áreas florestais e majoração dos gastos em IRC e IRS com manutenção e defesa da
floresta; e captação
de investimento na floresta através de condições fiscais vantajosas (isenção
de IRC e IS, menor tributação das participações sociais, etc.) para EGF/UGF (Entidades
de Gestão Florestal / Unidades de Gestão Florestal).
***
Já em 19
de fevereiro, o Governo tinha criado um programa de apoio a quem fosse residir
e/ou investir no interior, nos termos do qual os trabalhadores podem beneficiar de apoio inicial de até
4.827 euros se se mudarem para qualquer um dos territórios alvo de
discriminação positiva pelas políticas públicas; e as empresas podem receber até 82.106 euros por posto de trabalho
criado em qualquer um desses mesmos territórios. Os pequenos e médios
empresários e as entidades de economia social podem receber, por cada novo
posto de trabalho criado, um subsídio a fundo perdido até 1900,60 euros por
mês, ao longo de três anos.
Veja-se, para o efeito, a Portaria n.º 208/2017, de 13 de julho, que delimita as áreas
territoriais consideradas “Territórios do
Interior”; a Portaria n.º 57-A/2015, de 27 de fevereiro, que adota o Regulamento específico do domínio da
Competitividade e Internacionalização; a Resolução do Conselho de Ministros
n.º 16/2020, de 27 de março, que aprova o Programa “Trabalhar no Interior”; e a Resolução do Conselho de Ministros n.º
18/2020, de 27 de março, que aprova a Revisão do Programa de Valorização do Interior.
O grande
objetivo do programa é canalizar 312 milhões de fundos comunitários para o interior,
incentivando 590 milhões de novos investimentos, e criar 2310 novos postos de
trabalho diretos.
***
Entretanto,
Serena Cabrita Neto, em artigo subordinado ao título “Que lições deve o fisco tirar da pandemia?”, publicado no Observador neste dia 1 de junho, frisa
que a pandemia mostrou, por exemplo, que “é possível desburocratizar mais” e “prescindir da apresentação de
documentos originais”, pois valem as cópias digitalizadas – possibilidades a manter.
Considerando
que à relação dos contribuintes com o Fisco vem associada a conotação “de negatividade,
de desconfiança e até temor”, refere que o contribuinte paga “sem contrapartida
imediata” e “o Estado tem manifestamente mais poderes e meios”, de modo que, “em
caso de divergência ou litígio, para proteger os seus direitos, o contribuinte
tem de passar por uma penosa via-sacra, complexa e normalmente muito morosa,
tanto nas vias administrativas, como nos tribunais”. E o contribuinte não deixa
de ser “obrigado a adiantar o pagamento do imposto”.
Pensa que a
AT, nos últimos 15 anos, se aproximou mais dos contribuintes: disponibiliza
meios eletrónicos de comunicação (e-balcão); passou a enviar e-mails lembrando as obrigações
fiscais; melhorou as informações disponíveis no Portal das Finanças e pelas
linhas telefónicas; e valorizou a qualidade das instalações físicas. Vinca
ainda a “maior rapidez nos reembolsos, como é o caso do IVA e do IRS” (fora dos
casos litigiosos). Não
obstante, sente que a perceção do contribuinte não melhorou. Isto, porque a AT,
embora tenha procurado a melhoria da relação com o contribuinte, investiu nela muito
menos que “na melhoria das suas forças de cobrança”. Veja-se, por exemplo, como
vinca a colunista, a rapidez nas liquidações de imposto, na instauração das
execuções, nas penhoras eletrónicas, no cruzamento de informações e deteção da
fraude “por via dos controlos de faturas e circulação de mercadorias”.
Só que tais
melhorias, benéficas para a coletividade, se fizeram-se “à custa da criação de
mais obrigações para os sujeitos passivos, obrigados a alterar (e a custear), no caso das empresas, os seus sistemas informáticos,
a alocar pessoas a um crescente número de obrigações declarativas e, no caso
dos particulares, a apresentar ainda mais declarações e a validar faturas”.
Ora, segundo
a colunista, a pandemia fez “perceber que é possível desburocratizar ainda mais”
e que “se pode generalizar o atendimento à distância”, não só pelo e-balcão, mas sobretudo pelo correio
eletrónico, para tratar das mais simples questões “até ao processo sucessório
ou ao pedido de uma isenção ou de uma simples certidão”, o que a lei já admitia,
mas não que não era prática incentivada e, se utilizada pelo contribuinte, implicava
longa espera na resposta da AT. Também ensinou que se pode “agendar o
atendimento presencial” para as matérias em que é necessário, diminuindo as
filas e o entupimento presencial dos Serviços de Finanças, e que “é possível
prescindir da apresentação de documentos originais, valendo as cópias
digitalizadas” – tudo sem que o Estado perca os “poderes de fiscalização e
controlo”.
Agilizando
as soluções, instaura-se a maturidade da relação ficando o cidadão responsável
pelo que declara e o Estado com os “poderes de verificação” sancionando as
infrações.
Cabrita Neto
sustenta que se devem manter “estas possibilidades efetivas, alargando-as até”,
sendo certo que isso não resolverá os problemas todos, sobretudo o da
confiança, mas melhorará o relacionamento, “promovendo uma atitude positiva
quanto ao cumprimento das obrigações fiscais” e “talvez fiquemos mais perto da
desejada maturidade fiscal”.
***
A maior
desburocratização e a rapidez fiscais, interessando a todo o país, são cruciais
para quem se transfira para o interior. Mas isto não basta. Há muitas outras
questões que se levantam.
Que
existência e diversidade de instituições do ensino superior (e cursos) respondem às ambições dos jovens? Que suficiência de meios de transporte
coletivo e vias de comunicação? Que incentivos se dão aos jovens que decidam
frequentar tais instituições do interior? Que empregabilidade resultará daí?
Como se reverterá o crónico desaconselhamento de investir em determinadas zonas
do país ou a reversão do encerramento de serviços locais da administração
central? Que negociação se propõe com os detentores da propriedade de
latifúndios, montes e herdades? Será desburocratizável a instalação efetiva da
direção de empresa no interior para aceder aos preditos benefícios? E para
quando a harmonização fiscal na UE, a nível das pessoas singulares e das
empresas?
2020.06.01 – Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário