terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O circo dos rankings nacionais de resultados escolares

Há uns anos a esta parte, a Comunicação Social, tanto nas edições em suporte de papel como nas que são apresentadas em suporte digital, mima as casas portuguesas com as listagens de resultados ditos escolares no todo nacional. Os rankings incidem sobre os anos em que se realizam exames nacionais ou provas finais. Começaram pelo ensino secundário e estenderam-se progressivamente ao final do 3.º CEB, do 2.º CEB e, finalmente do 1.º CEB, à medida que se estabeleceram as provas finais nacionais no termo desses ciclos.
Nada haveria a opor a este tipo de atuação se efetivamente se tratasse de um esforço que representasse um trabalho sério de avaliação normativa dos alunos de cada escola e se tivesse em conta um conjunto de variáveis mais vasto – o que significaria um contributo apreciável para a aferição do sistema educativo, permitindo ou até urgindo a introdução de medidas adequadas de melhoria.
Tal não é, porém, o caso. O trabalho não é sério. E a razão por que o asseguro prende-se com vários factos. Desde logo, a referenciação inclui apenas as disciplinas sujeitas a exame nacional (no ensino secundário) ou a prova final nacional (no ensino básico) e, por outro lado, é notória a discrepância de posição das escolas na seriação no ranking conforme o órgão de comunicação social que produza a seriação. Por outro lado, a maior parte das seriações contempla apenas as provas realizadas na 1.ª fase, descurando a prestação de provas em segunda fase.
Depois, no ensino secundário, uns valorizam um conjunto reduzido de disciplinas; outros valorizam outros. Também uns têm mais em conta os scores percentuais; outros têm mais em conta os scores classificativos. Uns têm em conta as provas realizadas apenas no 12.º ano; outros incluem os resultados das provas realizadas no 11.º ano. E alguns também jogam com o número de provas aplicadas em cada escola. No ensino básico, apesar de as disciplinas sujeitas a prova final serem apenas as disciplinas de Português e de Matemática (no fim do 1.º, 2.º e 3.º ciclos), a discrepância também acontece, já não em razão do número de disciplinas, mas com base no número de provas finais aplicadas em cada escola (às vezes, até consideram o agrupamento de escolas em vez da escola individualizada), bem como a valorização dos scores percentuais ou a dos scores de nível.
Considerar apenas as provas finais ou os exames nacionais verte para a opinião pública uma imagem parcelar ou até falseada das escolas. A prova final ou o exame tem um peso avaliativo apenas de 30% (a menos que se trate de aluno autoproposto), quando a avaliação de frequência (avaliação interna) tem um peso de 70%. Por outro lado, a avaliação em exame ou prova final, também conhecida por avaliação externa, incide sobre um único instrumento de avaliação utilizado num curto lapso de tempo, em que o aluno pode estar sujeito a vicissitudes de conjuntura. Já a avaliação interna tem em conta obrigatoriamente, em cada disciplina, todo o programa (agora, todas as metas curriculares), reveste várias modalidades e serve-se de vários instrumentos, devendo as classificações (avaliação sumativa) refletir todo o contexto e processo das aprendizagens e obviamente o produto final. Por outro lado, terá de abranger, juntamente com os aspetos cognitivos, os aspetos atinentes aos valores manifestados em atitudes e comportamentos. São elementos que não estarão representados na totalidade numa prova final nacional – já os atinentes aos aspetos cognitivos, mas sobretudo os aspetos atitudinais e comportamentais.
O excessivo acento colocado pela opinião pública nos rankings pode comportar um efeito perverso: levar à subvalorização dos programas e à subalternização das disciplinas não sujeitas a exame/prova final nacional. Sabe-se – e o Conselho Nacional de Educação o denunciou – que há escolas, sobretudo privadas, que inflacionam classificações ao nível da avaliação interna (sobretudo nas disciplinas não sujeitas a avaliação externa, a nível do ensino secundário, para melhorar a média final de ano e curso) e impedem alunos de se apresentarem às provas finais do termo dos ciclos do ensino básico, para não “estragar a média”. As editoras – e os professores têm dificuldade em resistir à onda – multiplicam os cadernos de preparação para exame/prova final e preparam formulários de testes o mais parecidos possível com a prova nacional. Uma escola privada revelou: “não fabricamos notas, mas treinamos exames” (vd de 29-11-2014).
O facto de a prova final, até há pouco, incidir, na maior parte das disciplinas, exclusivamente em conteúdos do ano terminal da disciplina (4.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos) levou a que alguns alunos tenham esfriado o empenho no estudo nos anos anteriores do respetivo ciclo. Tão verdadeiro é este efeito perverso que, mesmo agora que o exame/prova final contempla os conteúdos da disciplina em todos os anos do respetivo ciclo, alguns professores e sobretudo encarregados de educação foram pressurosos em exigir aulas de compensação, em razão do atraso na colocação de docentes, para os anos ditos de exame.
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Podendo e devendo organizar-se a avaliação sumativa das aprendizagens em três modalidades – a criterial, a ipsativa e a normativa – e reconhecendo as vantagens de cada uma delas, poderiam adotar-se procedimentos como os seguintes:
- Os rankings devem ser elaborados pela entidade que superintende no processo da avaliação das aprendizagens, seja a Direção-Geral da Educação, seja o IAVE-IP; e não debitar dados em bruto para a Comunicação Social. Uma avaliação normativa das aprendizagens, se tiver em conta as devidas variáveis de contexto (geográfico, ambiental, socioeconómico, dimensão de unidade orgânica…) e resultados (das diversas disciplinas e não apenas das sujeitas a exame/prova final), dará uma imagem mais fidedigna e imparcial das escolas e permitirá a introdução de elementos corretores e inovadores no sistema educativo.
- A avaliação externa das escolas, conquanto seja um elemento importante a considerar pelo país e pelas próprias escolas, não deve tornar-se um fator inibidor de uma avaliação interna à luz dos critérios de avaliação definidos pelos respetivos conselhos pedagógicos, até ao início do respetivo ano letivo, segundo parâmetros científicos, técnicos e pedagógicos. Também os resultados obtidos com base naqueles critérios devem ser conhecidos de todo o público e fielmente espelhados nos rankings.
- Conquanto a diferença entre avaliação externa e a avaliação interna (habitualmente mais avantajada) deva servir de elemento de reflexão para as escolas, nunca pode ser penalizante para estas, sobretudo a nível da beneficiação em horas de crédito para maior apoio às aprendizagens e reforço das mesmas (Quem mais dificuldades tem, de maior apoio necessita). Mais: em vez de se compararem resultados entre avaliação externa e avaliação interna, deveriam comparar-se médias de escola (de avaliação externa e interna) com médias nacionais – globais e por disciplina – bem como com escolas do mesmo cluster contextual.
- Será também importante tornar conhecidos de todo o público os resultados obtidos, em termos de avaliação ipsativa, pelos mesmos grupos de alunos num determinado ano letivo com os do(s) ano(s) letivo(s) anterior(es), para aferir do real valor acrescentado fornecido pela escolas às aprendizagens.
- Será desejável organizar também rankings para escolas privadas e rankings para escolas públicas, já que estas têm necessariamente de praticar verdadeiras políticas de acolhimento e de inclusão.
- É ainda imperioso travar todas as tentativas de pressão sobre os professores para inflação e manipulação de classificações em ordem à obtenção de melhores médias em disciplina, ano e curso, seja em escolas públicas, seja em escolas privadas.
- Torna-se conveniente expurgar da escola pública qualquer tentação de excluir da sua frequência qualquer aluno, clara ou encapotadamente, em razão das suas capacidades ou da sua proveniência socioeconómica e geográfica, tal como será conveniente incentivar as escolas privadas a que, na medida do possível, estabeleçam também políticas e práticas de acolhimento e inclusão no quadro da sua função social.
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Pode objetar-se que o sugerido para os rankings se torna de difícil ou até impossível consecução. Convém, então, não esquecer que já se dispõe de trabalho feito com alguma seriedade intelectual e técnica. Veja-se o processo de apuramento das médias de classificação para ingresso no ensino superior. Talvez seja necessário adaptar o trabalho e alargá-lo a outras situações, para o que seria necessário aumentar o número de pessoas que trabalham na recolha e tratamento de dados da educação.
Ademais, o conhecimento do estado das escolas, até para possibilitar uma escolha mais consciente da escola por parte dos encarregados de educação para os filhos, seria mais imparcial e mais justo, a menos que o MEC e o Governo pretendam exatamente o alastramento do caos de conhecimento, entregando os estudos de educação a outrem, como o quer fazer a propósito das atribuições e competências.

Não podemos esquecer a que a aposta na educação integral constitui uma das melhores formas estruturantes de combate à pobreza e exclusão.

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