Há uns anos a esta parte, a
Comunicação Social, tanto nas edições em suporte de papel como nas que são
apresentadas em suporte digital, mima as casas portuguesas com as listagens de
resultados ditos escolares no todo nacional. Os rankings incidem sobre os anos em que se realizam exames nacionais
ou provas finais. Começaram pelo ensino secundário e estenderam-se
progressivamente ao final do 3.º CEB, do 2.º CEB e, finalmente do 1.º CEB, à
medida que se estabeleceram as provas finais nacionais no termo desses ciclos.
Nada haveria a opor a este tipo
de atuação se efetivamente se tratasse de um esforço que representasse um
trabalho sério de avaliação normativa dos alunos de cada escola e se tivesse em
conta um conjunto de variáveis mais vasto – o que significaria um contributo
apreciável para a aferição do sistema educativo, permitindo ou até urgindo a
introdução de medidas adequadas de melhoria.
Tal não é, porém, o caso. O
trabalho não é sério. E a razão por que o asseguro prende-se com vários factos.
Desde logo, a referenciação inclui apenas as disciplinas sujeitas a exame
nacional (no ensino secundário) ou a prova final nacional (no ensino básico) e,
por outro lado, é notória a discrepância de posição das escolas na seriação no ranking conforme o órgão de comunicação
social que produza a seriação. Por outro lado, a maior parte das seriações
contempla apenas as provas realizadas na 1.ª fase, descurando a prestação de
provas em segunda fase.
Depois, no ensino secundário, uns
valorizam um conjunto reduzido de disciplinas; outros valorizam outros. Também
uns têm mais em conta os scores
percentuais; outros têm mais em conta os scores
classificativos. Uns têm em conta as provas realizadas apenas no 12.º ano;
outros incluem os resultados das provas realizadas no 11.º ano. E alguns também
jogam com o número de provas aplicadas em cada escola. No ensino básico, apesar
de as disciplinas sujeitas a prova final serem apenas as disciplinas de
Português e de Matemática (no fim do 1.º, 2.º e 3.º ciclos), a discrepância
também acontece, já não em razão do número de disciplinas, mas com base no
número de provas finais aplicadas em cada escola (às vezes, até consideram o
agrupamento de escolas em vez da escola individualizada), bem como a
valorização dos scores percentuais ou
a dos scores de nível.
Considerar apenas as provas
finais ou os exames nacionais verte para a opinião pública uma imagem parcelar
ou até falseada das escolas. A prova final ou o exame tem um peso avaliativo
apenas de 30% (a menos que se trate de aluno autoproposto), quando a avaliação de
frequência (avaliação interna) tem um peso de 70%. Por outro lado, a avaliação
em exame ou prova final, também conhecida por avaliação externa, incide sobre
um único instrumento de avaliação utilizado num curto lapso de tempo, em que o
aluno pode estar sujeito a vicissitudes de conjuntura. Já a avaliação interna
tem em conta obrigatoriamente, em cada disciplina, todo o programa (agora,
todas as metas curriculares), reveste várias modalidades e serve-se de vários
instrumentos, devendo as classificações (avaliação sumativa) refletir todo o contexto
e processo das aprendizagens e obviamente o produto final. Por outro lado, terá
de abranger, juntamente com os aspetos cognitivos, os aspetos atinentes aos
valores manifestados em atitudes e comportamentos. São elementos que não estarão
representados na totalidade numa prova final nacional – já os atinentes aos
aspetos cognitivos, mas sobretudo os aspetos atitudinais e comportamentais.
O excessivo acento colocado pela
opinião pública nos rankings pode
comportar um efeito perverso: levar à subvalorização dos programas e à
subalternização das disciplinas não sujeitas a exame/prova final nacional.
Sabe-se – e o Conselho Nacional de Educação o denunciou – que há escolas,
sobretudo privadas, que inflacionam classificações ao nível da avaliação
interna (sobretudo nas disciplinas não sujeitas a avaliação externa, a nível do
ensino secundário, para melhorar a média final de ano e curso) e impedem alunos
de se apresentarem às provas finais do termo dos ciclos do ensino básico, para
não “estragar a média”. As editoras – e os professores têm dificuldade em
resistir à onda – multiplicam os cadernos de preparação para exame/prova final
e preparam formulários de testes o mais parecidos possível com a prova nacional.
Uma escola privada revelou: “não fabricamos notas, mas treinamos exames” (vd de
29-11-2014).
O facto de a prova final, até há
pouco, incidir, na maior parte das disciplinas, exclusivamente em conteúdos do
ano terminal da disciplina (4.º, 6.º, 9.º, 11.º e 12.º anos) levou a que alguns
alunos tenham esfriado o empenho no estudo nos anos anteriores do respetivo
ciclo. Tão verdadeiro é este efeito perverso que, mesmo agora que o exame/prova
final contempla os conteúdos da disciplina em todos os anos do respetivo ciclo,
alguns professores e sobretudo encarregados de educação foram pressurosos em
exigir aulas de compensação, em razão do atraso na colocação de docentes, para
os anos ditos de exame.
***
Podendo e devendo organizar-se a
avaliação sumativa das aprendizagens em três modalidades – a criterial, a
ipsativa e a normativa – e reconhecendo as vantagens de cada uma delas,
poderiam adotar-se procedimentos como os seguintes:
- Os rankings devem ser elaborados pela entidade que superintende no
processo da avaliação das aprendizagens, seja a Direção-Geral da Educação, seja
o IAVE-IP; e não debitar dados em bruto para a Comunicação Social. Uma avaliação
normativa das aprendizagens, se tiver em conta as devidas variáveis de contexto
(geográfico, ambiental, socioeconómico, dimensão de unidade orgânica…) e
resultados (das diversas disciplinas e não apenas das sujeitas a exame/prova final),
dará uma imagem mais fidedigna e imparcial das escolas e permitirá a introdução
de elementos corretores e inovadores no sistema educativo.
- A avaliação externa das
escolas, conquanto seja um elemento importante a considerar pelo país e pelas próprias
escolas, não deve tornar-se um fator inibidor de uma avaliação interna à luz dos
critérios de avaliação definidos pelos respetivos conselhos pedagógicos, até ao
início do respetivo ano letivo, segundo parâmetros científicos, técnicos e
pedagógicos. Também os resultados obtidos com base naqueles critérios devem ser
conhecidos de todo o público e fielmente espelhados nos rankings.
- Conquanto a diferença entre
avaliação externa e a avaliação interna (habitualmente mais avantajada) deva
servir de elemento de reflexão para as escolas, nunca pode ser penalizante para
estas, sobretudo a nível da beneficiação em horas de crédito para maior apoio
às aprendizagens e reforço das mesmas (Quem mais dificuldades tem, de maior
apoio necessita). Mais: em vez de se compararem resultados entre avaliação
externa e avaliação interna, deveriam comparar-se médias de escola (de
avaliação externa e interna) com médias nacionais – globais e por disciplina –
bem como com escolas do mesmo cluster
contextual.
- Será também importante tornar
conhecidos de todo o público os resultados obtidos, em termos de avaliação ipsativa,
pelos mesmos grupos de alunos num determinado ano letivo com os do(s) ano(s)
letivo(s) anterior(es), para aferir do real valor acrescentado fornecido pela
escolas às aprendizagens.
- Será desejável organizar também
rankings para escolas privadas e rankings para escolas públicas, já que
estas têm necessariamente de praticar verdadeiras políticas de acolhimento e de
inclusão.
- É ainda imperioso travar todas as
tentativas de pressão sobre os professores para inflação e manipulação de
classificações em ordem à obtenção de melhores médias em disciplina, ano e
curso, seja em escolas públicas, seja em escolas privadas.
- Torna-se conveniente expurgar
da escola pública qualquer tentação de excluir da sua frequência qualquer aluno,
clara ou encapotadamente, em razão das suas capacidades ou da sua proveniência socioeconómica
e geográfica, tal como será conveniente incentivar as escolas privadas a que,
na medida do possível, estabeleçam também políticas e práticas de acolhimento e
inclusão no quadro da sua função social.
***
Pode objetar-se que o sugerido
para os rankings se torna de difícil
ou até impossível consecução. Convém, então, não esquecer que já se dispõe de
trabalho feito com alguma seriedade intelectual e técnica. Veja-se o processo
de apuramento das médias de classificação para ingresso no ensino superior. Talvez
seja necessário adaptar o trabalho e alargá-lo a outras situações, para o que
seria necessário aumentar o número de pessoas que trabalham na recolha e
tratamento de dados da educação.
Ademais, o conhecimento do estado
das escolas, até para possibilitar uma escolha mais consciente da escola por
parte dos encarregados de educação para os filhos, seria mais imparcial e mais
justo, a menos que o MEC e o Governo pretendam exatamente o alastramento do caos
de conhecimento, entregando os estudos de educação a outrem, como o quer fazer a
propósito das atribuições e competências.
Não podemos esquecer a que a aposta
na educação integral constitui uma das melhores formas estruturantes de combate
à pobreza e exclusão.
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