quarta-feira, 8 de julho de 2015

Debate sobre a Lei de Bases da Educação

De acordo com o noticiado pela Comunicação Social a 6 de julho, o Conselho Nacional da Educação (CNE) vai realizar, entre outubro e junho (basicamente no horizonte de um ano letivo), um ciclo de oito seminários para debater vários temas da Lei de Bases da Educação (LBE) ou, melhor, da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE). Será um debate “sem pressas”, em várias cidades do país, e que vai discutir fundamentalmente “o que ensinar e como ensinar”.
O debate foi lançado exatamente naquele dia 6 e a sessão teve a participação de onze ex-ministros da Educação e do Ensino superior, da área do PS e do PSD, prenunciando que a lei em vigor (LBSE) vai ser analisada a pente fino sob a égide do CNE.
Os onze magníficos que estiveram a discutir, ao longo de todo um dia, a Lei de Bases do Sistema Educativo foram: Eduardo Marçal Grilo, Guilherme d’Oliveira Martins, Maria da Graça Carvalho, Augusto Santos Silva, Maria do Carmo Seabra, David Justino, Maria de Lurdes Rodrigues, Roberto Carneiro, Júlio Pedrosa, Diamantino Durão e Isabel Alçada. O objetivo era que falassem dos “constrangimentos que a lei provoca ou de coisas que estão na lei e foram mal aproveitadas durante os seus mandatos” – considerou o Presidente do CNE.
Não sei se foram convidados para o efeito, mas teriam também uma palavra a dizer sobre educação, tema transversal a todas as governanças: Manuela Ferreira Leite, António Couto dos Santos, João de Deus Pinheiro, Luís Veiga da Cunha, Luís Valente de Oliveira e José Emílio da Silva.
A avaliação “exaustiva” da LBSE, que está em vigor há quase 30 anos, vai ser realizada, como se disse, através de um ciclo de oito seminários a iniciar-se em outubro e que ocorrerão em várias cidades do país, um em cada mês e cada um com temas diferentes. Esta análise fora uma das primeiras medidas anunciadas por David Justino, em 2013, quando tomou posse enquanto presidente do CNE, órgão consultivo do Ministério da Educação e Ciência (MEC).   
David Justino, a este propósito, explicou que “a nossa ideia é chegar até junho do próximo ano e termos material para elaborarmos um relatório que faça a abordagem de reflexão sobre a lei de bases, independentemente de saber quais são os pontos que estão ultrapassados, que estão mal aproveitados”.
O debate, que decorrerá “sem pressas” e que vai constituir ensejo propício a refletir sobre “o que ensinar e como ensinar”, abrangerá também a problemática da organização dos três ciclos de ensino básico e do secundário, a “melhoria dos resultados e a equidade no acesso” à escolaridade obrigatória, a carreira docente, a descentralização e autonomia.  No atinente à descentralização e autonomia, David Justino pretende que o CNE tenha “um papel ativo na monitorização” do processo de descentralização, durante os próximos quatro anos letivos e assegura que este órgão consultivo “ganha em participar neste tipo de experiência”. 
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 Antes de mais, parece oportuno recordar a génese da Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) e as alterações por que passou, bem como a tentativa falhada da sua substituição, em 2004.
A partir de 1980 foram várias as tentativas de dotar o país de uma Lei de Bases do Sistema Educativo. Nesse sentido, foram apresentados vários projetos e realizaram-se vários debates, mas não havia condições políticas para a aprovação de uma lei que sucedesse à nunca regulamentada Lei n.º 5/73, de 25 de julho, vulgarmente conhecida como a reforma Veiga Simão. A exigência constitucional de uma LBSE e a consciência social de que era necessário estabilizar e clarificar a organização do sistema educativo foram dois fatores que impulsionaram a construção e aprovação da LBSE. Foi-se aprofundando a consciência da necessidade de ela ser aprovada a fim de clarificar a estrutura do sistema escolar existente e evitar a tomada de medidas avulsas, não raro imprevistas, incoerentes ou contraditórias. Na esteira deste sentir, a resolução n.º 8/86 do Conselho de Ministros, de 22 de janeiro, criou a Comissão de Reforma do Sistema Educativo (CRSE), que tomou posse a 18 de março de 1986. Passados dois meses, a CRSE entregou ao Ministro da Educação e Cultura o Projeto Global de Atividades, em que afirma que “a simultaneidade do início dos trabalhos da Comissão com o início da discussão da proposta do Governo e/ou dos projetos de lei de bases na Assembleia da República não se afigura um fato negativo. Por um lado, parecia indiscutível que a aprovação de uma lei de bases exigia um trabalho subsequente de reforma ou de profundo reordenamento do sistema; por outro, mesmo na hipótese de se avançar sem uma lei de bases, alguma reforma do sistema educativo se imporia em ordem, pelo menos, a alcançar os seguintes objetivos: a modernização de currículos e programas; a articulação mais correta dos vários elementos do sistema; e o encontro de soluções para fazer da escola um espaço de sucesso educativo. Porém, este trabalho em simultâneo terá contribuído para induzir o alargado consenso e a aprovação da Lei. (cf Matias Alves, Lei de Bases do Sistema Educativo 1986-2006 - Linhas para uma revisão da Lei, pdf, dezembro de 2006).
E vem a LBSE consagrada pela Lei n.º 46/86, de 14 de outubro, que, votada por todos os partidos com assento parlamentar, com exceção do CDS, estabelece o quadro geral do Sistema Educativo, organizando-se em 9 capítulos e 64 artigos de relevância díspar.
Os capítulos são os seguintes: I- Âmbito e princípios (3 artigos); II- Organização do sistema educativo (24 artigos); III- Apoios e complementos educativos (6 artigos); IV- Recursos humanos (7 artigos); V- Recursos materiais (6 artigos); VI- Administração do sistema educativo (4 artigos); VII- Desenvolvimento e avaliação do sistema educativo (7 artigos); VIII- Ensino particular e cooperativo (5 artigos); e IX- Disposições finais e transitórias (6 artigos).
Entre 1986 e 20006 foram produzidas duas alterações da LBSE, ambas com incidência predominante no Ensino Superior.
 A primeira alteração legislativa concretizou-se através da Lei n.º 115/97, de 19 de setembro, com a introdução de alterações nas condições da formação inicial dos educadores e professores do ensino básico. Esta intervenção visou elevar os padrões de qualificação da formação inicial de educadores e professores e reuniu um relativo consenso.
A segunda alteração verificou-se com a Lei n.º 49/2005, de 30 de agosto, cuja proposta, logo na exposição de motivos, clarificava o propósito de concretizar o “Processo de Bolonha” que passava por: i) aumentar a frequência do ensino superior, melhorar a qualidade, fomentar a mobilidade, promover a rotação para um ensino baseado na “lógica de aquisição de competências”); ii) adotar um sistema de graus académicos facilmente inteligível, baseado em três ciclos de estudo; e iii) adotar um sistema de créditos curriculares visando a transferência e a acumulação. Além disso, procedeu à primeira alteração à lei do financiamento do ensino superior.
Depois de 2006, a LBSE foi objeto de outra alteração, introduzida pela Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, que estabelece o regime da escolaridade obrigatória para as crianças e jovens que se encontram em idade escolar (ou seja, entre os 6 e os 18 anos – cf art.º 2.º/1.) e consagra a universalidade da educação pré-escolar para as crianças a partir dos 5 anos de idade.
Entretanto, o então Ministro da Educação, David Justino, no XV Governo Constitucional, levou à Assembleia da República uma proposta de lei intitulada Lei de Bases da Educação (LBE), que mereceu a aprovação dos deputados da maioria parlamentar que suportava o governo da Alternativa Democrática (AD) formada pelo PSD e pelo CDS/PP. Porém, o Presidente da República Jorge Sampaio opôs-lhe o veto político com base na falta de consenso político em matéria tão relevante e dado que não se tratava de uma simples alteração legislativa, mas de uma nova perspetivação da educação.
O novo primeiro-ministro, Santana Lopes, no quadro do XVI Governo Constitucional, pura e simplesmente deixou cair a lei vetada, abrindo caminho à alteração cirúrgica operada em 2005.
A este propósito, o CNE emitira o parecer 1/2004 (extensivo aos outros projetos de Lei apresentados pelos Partidos com assento parlamentar) em que se discutia a designação e a oportunidade da proposta legislativa, a controversa universalização dos ensinos básico e secundário, a qualificação inicial dos jovens, a qualificação da população adulta, a organização do ensino superior, a administração e gestão das escolas, avaliação e inspeção e, em conclusão, referia ser chegada a hora de os partidos políticos elaborarem uma lei “mais simples, orientadora e aberta às exigências” dos tempos atuais. Porém, não foram ouvidas as diferentes estruturas associativas de índole educacional.
Por outro lado, a proposta de lei do Governo apresentava a exposição de motivos distribuída por 20 capítulos. Afirmando a conexão com a lei em vigor, propunha-se apresentar um novo diploma com base no qual fosse possível responder aos novos desafios, reorganizar o sistema de educação e ensino, tornar eficaz a ministração das aprendizagens (face à exiguidade de resultados), dotar as estruturas educativas de uma gestão mais capaz e responsável, facultar uma abertura maior ao setor privado e promover a antecipação da formação vocacional e profissional dos jovens, preparando-os para o mundo do trabalho.
Entrelê-se uma clara preocupação orçamental e economicista e aclara-se a opção pela nova designação de Lei de Bases da Educação, já que o conceito de educação ultrapassa as margens do sistema educativo, é mais amplo que uma noção meramente formal e perspetiva-se ao longo da vida. (cf Proposta de Lei n.º 74/IX – parlamento.pt).
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Agora, o Presidente do CNE, o ex-ministro de 2004, quer lançar o debate e voltar às opções governativas do tempo de Barroso, escudando-se no pretenso contributo de alguns ex-ministros da educação, que possibilitaram que, declarada ou encapotadamente, fossem seguidas as diretrizes formalmente abortadas, mas cuja prática é visível, por exemplo em: cursos vocacionais independentemente da idade do jovem; términus do regime de monodocência no 1.º ciclo; emergência crescente do setor privado; municipalização da educação; propósito da entrega da escola a agremiações de professores; e afunilamento do sistema das aprendizagens em exames e provas finais.
David Justino, que assumira o encargo de reformar a Lei quando Ministro da Educação, recorda que tinha selecionado a avaliação da Lei de Bases do Sistema Educativo como uma prioridade do seu mandato no CNE. Porém, ao invés, o Ministro da Educação, Nuno Crato, afirmou na altura que a revisão da Lei de Bases não é urgente para o ministério, dizendo, ao mesmo tempo, que a monodocência acabara. Mas David Justino insiste, adiantando que o essencial é que “a Educação seja centrada na formação de pessoas capazes, com uma dimensão de cidadania e não orientada para o mercado de trabalho como hoje em dia acontece” e que – digamos em abono da verdade – era esta orientação para o mundo do trabalho que, ao lado de outras, pautava a sua proposta de LBE.
Nos seminários agendados vão ser debatidos temas como: que tipo de educação para o futuro, organização dos currículos, entrada dos professores na carreira, escolaridade obrigatória, organização do sistema educativo, a escola pública e a descentralização de competências.
Apesar de esta ser a agenda principal do CNE para o próximo ano letivo, David Justino fez questão de sublinhar que “o Conselho não deixará de emitir recomendações e pareceres”. Em cima da mesa está ainda a avaliação do projeto-piloto da municipalização da educação para o qual se pode constituir como “observatório de monitorização”.
A ver vamos!

2015.07.08 – Louro de Carvalho

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