Está a decorrer, no Seminário Diocesano de Leiria, de 30 de
julho a 2 de agosto, o Encontro de
Reflexão Teológica 2015 (ERT 2015) organizado pelo movimento católico de profissionais
“Metanoia” em torno do tema Crer em Deus numa
cultura secularizada.
A escolha do tema parte dos seguintes pressupostos, como se
pode ler no folheto/programa:
Crer em Deus não é necessário para se
ser feliz. Crer em Deus tampouco é indispensável para ter valores importantes
na vida ou para ter sentido para a vida. Todos convivemos ou conhecemos pessoas
que comprovam estas afirmações. Contudo, acreditar no Deus de Jesus e no seu
Evangelho podem constituir o maior tesouro na vida.
Daí, do tesouro que encerra a fé
em Jesus Cristo, as questões que motivam a reflexão:
E, nesse caso, porque não partilhá-lo? Porque não testemunhar de um Deus
verdadeiramente apetecível?
O tema central deste ERT, cujo desenvolvimento teológico ficou
ao encargo do perito dominicano frei José Nunes, explicita-se através dos
seguintes subtemas, correspondentes a outras tantas conferências: 1. Deus – um rival do Homem (?); 2. Deus criador – a criação como um dom; 3.
Deus salvador-libertador: “não tenhais
medo”; e 4. Deus da alegria.
As primeiras três das
conferências foram proferidas no dia 31 (hoje), seguindo-se o trabalho de grupos, sob guião
apropriado, e o plenário de partilha; e a quarta sê-lo-á dia 1 (amanhã), a que
se seguirá a síntese do ERT.
Para lá do tema central acima enunciado, vários
intervenientes apresentaram reflexão oportuna sobre várias experiências pastorais,
na rubrica “painel de experiências”, do dia 30. Assim, o padre Idalino Simões falou sobre “A experiência pastoral na periferia das
grandes cidades”; Paula Cristina Santos abordou o tema “Pelos caminhos de Santiago”; e António
Marujo apresentou o tema “Escutar a
Cidade, em preparação para o Sínodo de Lisboa”.
Durante o ERT 2014, os participantes organizaram um cartaz
com “a indicação de um conjunto de iniciativas” onde os presentes tinham “uma participação
ativa, designadas “Pequenos Milagres”, cujas iniciativas, este ano, foram
revisitadas, de modo que se fique a saber o que realmente aconteceu durante o
ano, neste âmbito, e se possam acrescentar outras experiências. Para esta revisitação
serviu a rubrica do dia 30 “Pequenos Milagres”.
Além da conferência prevista, o dia 1 de agosto ficará
marcado pelo “Passeio e visita ao Centro de Interpretação da Batalha de
Aljubarrota”, durante a manhã, bem como pela “Celebração Eucarística”, pelas
18,15 horas, e “Festa”, pelas 21 horas. Por seu turno, um concerto marcará a
manhã do dia 2 de agosto, logo a seguir ao debate sobre “Que desafios a partir
deste ERT?”.
Cada um dos outros dias contempla um momento forte de oração
em comum, sendo que o último dia prevê um “Mosaico/Oração dos fiéis”.
***
O que é o grupo “Metanoia”?
Para melhor compreensão deste movimento católico de
profissionais, seu perfil e suas atividades, talvez não seja despiciendo um
pequeno excursus etimológico e
bíblico.
“Metanoia” é a transcrição do nome grego “μετάνοια”, que
significa “mudança de sentimentos”, “arrependimento”. Depois, na literatura eclesiástica,
passou a ter o significado específico de “penitência” (arrependimento com as obras
consonantes com o arrependimento – conversão). Como é óbvio, “μετάνοια” relaciona-se com o verbo
“μετανοέω”, que significa “mudar de parecer”, “arrepender-se”.
Porém, não parece que esta mudança seja automática ou
instintiva. Veja-se que na formação de “μετανοέω” entra o verbo “νοέω”, com o
significados de “pensar”, “cair na conta”, “ver”, “meditar”, “ser prudente”,
“projetar”, “olhar para o futuro”. Ora, todos estes sentidos apontam para uma
operação que é produzida na mente (na ideia, no intelecto), que mobiliza a consciência e a vontade, que possibilita a
clarividência e que faz avançar para o futuro (sem receio, embora com algumas cautelas). Por outro lado, na formação de
“μετανοέω” entra o prefixo “μετά”, a indicar, na derivação de palavras, a ideia
de “comunidade”, “participação”, “entre”, “sucessão de tempo”, “a seguir”,
“durante”.
O prefixo “μετά” resulta da forma igual com a função de
advérbio (a significar
“no meio”, “entre”; com ideia de lugar
– “por detrás”, “a seguir”; com a ideia
de tempo – “a seguir”; “detrás de outro, seguindo-o”) e de preposição (com genitivo, “em
meio de”, “em companhia de”, “de acordo com”; com dativo, “em meio de”, “com”, “para”; com acusativo, “depois de”, “a seguir”, “entre”, “para”; com a
ideia de tempo, “durante”).
Nos textos bíblicos do Novo Testamento, o apelo ao arrependimento/penitência/conversão
é lancinante da parte de Cristo como condição da aceitação do Reino de Deus,
que está próximo (vd Mt
4,17 e Mc 1,15) e constitui
a predisposição para a fé no Evangelho. A forma verbal utilizada é “μετανοϊτε”,
presente do optativo da voz ativa na 2.ª pessoa do plural do verbo “μετανοέω”. É
a formulação do brado/apelo que exprime um vivo desejo do pregador, que se deve
entender como uma viva recomendação, quase ordem, pois exprime a condição sine
qua non da aceitação do Reino de Deus ou Reino dos Céus.
Também João Batista, o precursor, lança o mesmo brado/apelo ao
arrependimento como predisposição para a purificação dos pecados. A forma
verbal é a mesma (vd Mt
3,2).
Após a ressurreição e ascensão do Senhor, reforçada pelo Espírito
Santo do Pentecostes, Pedro dirige aos circunstantes o mesmo brado/apelo, mas
agora a forma verbal utilizada é outra, “μετανοήσατε”, no aoristo do imperativo
na 2.ª pessoa do plural do mesmo verbo “μετανοέω” (vd At 2,38; 3,19).
O aoristo, no grego, indicava uma ação
verbal ou um acontecimento, sem definir absolutamente o seu tempo de duração,
ou sem definir com precisão o tempo em que a ação ocorreu ou havia de ter ocorrido.
Ao invés, no grego do Novo Testamento, o aoristo tem como efeito reverter
a um momento, ou seja, considera a ação como num curto instante: representa um
momento de entrada ou de término ou, então, faz o enfoque numa ação completa de
algo que tenha ocorrido simples e isoladamente, sem distinguir passos ou
detalhes do progresso da ação.
No caso vertente, o arrependimento refere-se a ações
pecaminosas do passado e, se elas voltarem a ocorrer, o mesmo arrependimento se
impõe com mais força. O arrependimento, seguido da fé no Reino, abre a porta do
futuro irreversível. E esse futuro não pode esperar mais.
É óbvio que muitos textos bíblicos fazem eco ora do brado/apelo
ao arrependimento (cf 1Rs 8,47; Ez 18,30-31; Mt 21,29-32; Mc 1,4; 6,12; Lc 1,16;
13,5; 15,7.10; 24,47; At 17,30), ora da atitude sincera de arrependimento assumido (Mt 12,41; 21,29-32; Jb 42,6;
Lc 15,17-20; At 11,18) ou da sua obstinada rejeição (cf Mt 11,20; Lc 16,19-31).
Por tudo isto, se vê como o arrependimento é uma atitude
provocada pela pregação do Reino, predispõe para a fé na Boa Nova. Impõe-se
contra o tempo e exige a mudança das mentalidades, do coração, das atitudes e
dos comportamentos de cada um no contexto comunitário. Implica, pois, um novo
rumo, configura uma nova vida. A conversão não se fica pelas aparências; tem de
ser real, fruto da pregação dos conteúdos da fé e da lúcida e voluntariosa reflexão
pessoal coadjuvada pela comunidade e sua força. Porém, sendo real, tem de
frutificar também no exterior, no ambiente; tem de ter consequências. Recordemos
que o prefixo “μετά”
configura a ação no espaço em que se vive e no tempo em que temos mesmo de agir
sem demoras e sem precipitações.
***
Sendo assim, o movimento “Metanoia”
assume-se como espaço e tempo de encontro, acolhendo pessoas, crentes ou não,
nas mais variadas circunstâncias de vida. O encontro acontece a partir daquilo o
que cada um vive, experiencializa e transporta, procurando não separar
interioridade e exterioridade, reflexão e vivência, princípios e ação,
espiritualidade e cidadania, opções pessoais e futuro das nossas sociedades.
O movimento propõe-se “construir comunidade entre pessoas com
condições pessoais, profissionais e percursos de vida diversos, para quem o
encontro e a celebração da fé em Jesus Cristo são indissociáveis da abertura
aos outros, num processo nunca acabado de conversão pessoal” (cf site do
movimento), com recurso “a formas organizativas” que se querem “leves e
flexíveis, baseadas nos princípios da participação democrática, da
corresponsabilidade, do voluntariado e da assunção coletiva dos encargos”.
Configura outrossim:
. Um espaço de descoberta e vivência da fé que dá sentido ao
vivido, que integra e inclui a partir do essencial – Jesus, que nos seus gestos
e palavras sempre amou e incitou ao amor.
. Uma
experiência de Igreja construída na fragilidade e que bebe da sabedoria de
tantos homens e mulheres que viveram e vivem a experiência de Deus e dão
sentido à Paixão de Jesus.
. Um espaço
de liberdade, corresponsabilidade, reflexão e partilha de vida, de conversão e
aprendizagem com os outros.
***
É claro que o mecanismo vital de reflexão/ação/reflexão
de um movimento de Igreja que respeite e assuma a secularidade e se movimente
evangelicamente no seu contexto constitui uma mais-valia inquestionável para realização
do ser e da missão da Igreja no mundo encarado de modo holístico e na dinâmica
do enriquecimento setorial. Sobre a aridez da secularidade autónoma (e, mesmo, da laicidade positiva),
sobre a fluidez das ideologias e sobre o manto esfarrapado das desigualdades ou
das desequilibradas assimetrias, é preciso estabelecer as necessárias pontes
para que o homem do século XXI seja feliz e, nessa felicidade, veja em Deus e
no outro homem os aliados mais vizinhos e mais solidários – o que se conseguirá
se se apostar na construção de autênticas comunidades.
2015.07.31 – Louro de Carvalho
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