domingo, 12 de julho de 2015

Vir ou não para Santa Maria da Feira

O Presidente da Câmara Municipal de Santa Maria da Feira, Dr Emídio de Sousa, como se pode ler na edição on line do JN de 11.07.2015, lançou o repto/apelo aos portugueses: Venham para Santa Maria da Feira!  
Como principais razões, aduz o facto de o mercado de trabalho em Portugal “estar a sofrer alterações profundas”. E, embora não se haja detido em considerações de aprofundamento desta problemática por considerar o momento e o lugar pouco oportunos, lá deixou escapar umas informações estatísticas, sem especificar a fonte e sem se basear em números estatísticos com a desejável consistência, como: a liderança (embora pouco duradoura ainda, acrescente-se) de “um dos municípios mais exportadores de Portugal” (quanto e em que setores – poderia ter especificado); o “importante índice de investimento industrial” (quanto e em que setores – poderia ter especificado) do concelho; e o facto de a taxa de desemprego ter recuado “14% em 2014, situando-se hoje nos 10,5%, muito abaixo da média nacional”.
Depois, perde-se inexplicadamente num excursus sobre a PT (pelos vistos, chegada ao seu fim histórico), ora designada por Pharol.
Chama à PT “a empresa rainha do nosso sistema económico” e “o berço de muito emprego qualificado, de muita inovação, que exportou para todo o Mundo soluções tecnológicas de vanguarda”; atribui-lhe o mérito de ter sido uma “das empresas que melhor compreendeu as vantagens das parcerias e sinergias com as universidades, com os centros internacionais de investigação tecnológica, com as mais reputadas instituições internacionais de I&D”; e refere que a PT fora a imagem de marca de um Portugal moderno, de empreendedorismo qualificado, de recursos humanos qualificados e dos mais bem preparados do Mundo”. E isto sucedeu quando o seu acionista era o Estado, diga-se em abono da verdade.
Depois lamenta que já não exista “a nossa estrela da companhia” (mas um dos seus administradores é português). E, sabendo bem “o valor de um emprego” e acreditando que “um call center” poderá ser uma boa solução para muita gente”, confessa que lhe custa ver agora a chegada e a proliferação (acrescento eu) dos call centers, de tal modo que “onde antes tínhamos investimento em gente qualificada, temos agora pessoas que atendem telefones com remunerações baixas”.
Bem podia ter dito que hoje os funcionários dos call centers e os prospetores passam o tempo, porque obrigados, a importunar os clientes das redes de telecomunicações – fixas e móveis – ou de outros produtos e serviços. Ademais, perante o reporte de anomalias, na base argumentativa de que outra coisa não podem fazer, remetem-nos para outros contactos. E lá temos nós de contar a mesma história a uma série de agentes diferentes. Também acontece que, ao comunicarmos uma avaria ao operador, pretendem fazer dos clientes os técnicos de serviço, tendo dificuldade em reportar a avaria às respetivas equipas técnicas.
Como bem dizia Jorge Coelho num dos programas “Quadratura do Círculo”, da SIC Notícias, a privatização das nossas empresas de marca, além de não nos resolverem minimamente os problemas, não nos trazem nenhuma mais-valia no modus faciendi (como se diz agora, know how).
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Como todos nós, também o autarca-mor quer “acreditar nos jovens qualificados” do país e pretende que sejam remunerados “de acordo com o seu mérito, as suas qualificações e as suas competências”. Assegura que diz isto “muitas vezes aos empresários de Santa Maria da Feira” e que “não podemos competir na base dos baixos salários”, já que – nem outra coisa diferente se poderá afirmar em momento algum – “a qualidade dos nossos produtos – seja no calçado, na cortiça, na metalomecânica, no papel – exige salários correspondentes”.
O autarca-mor tem razão. Não sei é se a sustenta conveniente e solidamente nos factos, pois, quando afirma que “sei também que esta mensagem é bem recebida”, nada garante que a aceitação de tal mensagem não passe da aceitação em tese por parte dos empresários.
Por isso, o pressuposto de que, “em Santa Maria da Feira existe um tecido empresarial moderno, virado para o futuro e de sucesso que queremos cada vez mais vanguardista e inovador”, precisa de outros fatores de atração ao concelho. O repto a que, “se tiverem projetos para apresentar procurem-nos”, precisa de outras garantias. Só aqueles outros fatores e aquelas outras garantias é que terá validade o pregão, Não emigrem, venham para Santa Maria da Feira!
Faz bem em lançar “daqui um apelo aos jovens do meu país”, aos “que querem trabalhar ou lançar-se nos negócios”, já que “o mercado é o Mundo e a visão deve ser global” e “não é obrigatório emigrar”. Porém, é de perguntar: que incentivos oferece a Câmara Municipal aos que vierem, em que condições se podem estabelecer, que perspetivas de sucesso se desenham no horizonte?
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Ora, eu vim para Santa Maria da Feira, há quinze anos, por motivos bem diferentes da melhoria da situação económica, já que tinha, no lugar de minha proveniência, exatamente as mesmas condições de progressão na carreira, provavelmente por lá, com melhores condições de trabalho nalguns momentos e setores.
No entanto, vim e gostei: a cidade e o concelho pareciam estar numa linha de ascensão de desenvolvimento socioeconómico. Eram marcas da cidade-sede do município o novo hospital, o Europarque, o Visionarium, o IDIT, a Feira Viva e a bem apetrechada Biblioteca Municipal; olhava-se para o castelo e envolvente com gosto; o abastecimento de água domiciliária da rede pública e o saneamento básico estavam a passar a barreira dos 50% da cobertura do concelho; grandes superfícies comerciais, como o Feira Nova e o E.Leclerc, tinham surgido; estavam instaladas algumas zonas industriais; estava a chegar em força o progresso das telecomunicações; enchia-se o espírito com a viagem medieval, a festa das fogaceiras e o imaginarius.
Passado todo este tempo, o Europarque corre o risco da degradação e da falta de objeto que justifique a sua existência como tal; a rede viária concelhia, de mal concebida na origem, está cada vez mais degradada em termos de piso (buracos e mais buracos) e perfil, com prejuízo para os bens dos utentes; a cidade encontra-se topograficamente dividida em dois setores de habitação e serviços por uma variante viária de acesso à autoestrada (A1), perfurada por dois minitúneis, que mais parecem dois caminhos de cabras algures na Beira Serra ou então com uma via de ligação que obriga os transeuntes a contornar um considerável perímetro da cidade.
Além disso, o ordenamento do território do município parece ter resultado do acaso e não de um mínimo de planeamento. Três cidades ocupam o concelho e uma série de vilas e nem ruas têm de perfil urbanístico, muito embora sejam dotadas de uma boa fatia populacional, apetência empreendedora e força associativa.
De estruturas autónomas de absorção final do saneamento básico e/ou estações de tratamento de águas residuais o concelho não dispõe. Porém, o consumo de água e faturação é extremamente caro; as casas foram excessiva e artificialmente valorizadas para efeitos de cobrança do IMI. A percentagem que os munícipes podem arrecadar em sede de IRS é nula. Invocando a agrura da crise, como dantes aconteceu com a deslocalização de empresas, muitos sofreram com o flagelo do desemprego, a rescisão dita amigável, a precariedade; e muitas empresas declararam falência, sem que os empresários tivessem sofrido os correspondentes prejuízos. A crise chegou a todo o lado. Balcões bancários, lojas, serviços e empresas encerraram. Ardem os montes, secam as fontes, morrem bombeiros, plantam-se eucaliptos!
Tudo isto fez com que a população diminuísse a olhos vistos, a emigração interna e externa tivesse sofrido forte incremento. E as condições de prestação do serviço de saúde deterioraram-se e as escolas estão a esvaziar-se.
Neste ponto, importa referir que as entidades locais, que pontificam um pouco sobre todos os setores de negociação com o Estado, não têm mostrado o arreganho que têm mostrado outros concelhos e entidades privadas. O município deixou sair um centro de emprego, um agrupamento de exames, os cursos noturnos; e não conseguiu fazer instalar uma loja do cidadão. Mas conseguem engrossar as instituições escolares privadas porque o município paga transportes de alunos, alegadamente por falta, nas escolas públicas do concelho, de oferta formativa desejada pelos alunos.
Enfim, vale a pena vir para Santa Maria da Feira. Mas é preciso mudar de políticas públicas (que não necessariamente de políticos), de incentivos ao empreendimento, ao empreendedorismo e ao emprego; é preciso cuidar do ordenamento do território, das acessibilidades (intra e interurbanas), da criação de mais serviços públicos, cuidar dos serviços de saúde e de educação.
E a renovação de mentalidades também será conveniente, por exemplo, deixando de tratar como adventícios ou estrangeiros os que se fixam neste território de Santa Maria!

2015.07.12 – Louro de Carvalho

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