Em
declaração ao país, de 22 de julho, Cavaco Silva anunciou que assinara naquele
mesmo dia o decreto a marcar a data das eleições legislativas para o dia 4 de
outubro. O decreto do presidente, publicado em de 24 julho, seguinte tem a
redação:
“O Presidente
da República decreta, nos termos do artigo 133.º, alínea b), da Constituição, o
seguinte: É fixado o dia 4 de outubro do corrente ano para a eleição dos
deputados à Assembleia da República”.
Segundo a comunicação
presidencial, embora outros dias tivessem sido alvitrados, mais ao agrado dos
maiores partidos (nomeadamente o PS, o
PSD e o CDS, que preferiam o 27 de setembro), a decisão acabou por merecer o
acordo por parte de todos os partidos com assento parlamentar.
O Presidente da
República, começando por destacar a especial importância das próximas eleições
para o futuro dos portugueses (cuja campanha não quer
que se faça na praia), considerando os “complexos desafios que o país
enfrenta”, fez questão de, como é seu apanágio, avisar que não serão
admissíveis “soluções governativas
construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais e dos
partidos políticos”.
***
Não sei se tal
importância não será de estranhar quando o mesmo advertente político (que nunca assume ser político) chegou, não há muito
tempo, a desvalorizar os resultados das eleições, no pressuposto de que,
ganhasse quem ganhasse, a margem de manobra seria curta face aos desafios que
se avizinham e as constrições impostas pelo devir externo e pela crise
económica – fatores que retoma no discurso presidencial, agora para salientar a
relevância do ato eleitoral.
Por outro lado, o
supremo magistrado da nação, como era usança dizer-se antanho, quando se
posicionava mais visivelmente no espectro partidário, dava extrema importância
a eleições legislativas a ponto de, como refere a revista do Expresso, de 25 de julho, nos meses que
antecederam as eleições de 1991, se ter decidido pela subida dos preços dos
combustíveis e pela descida dos do leite – um dos fatores determinantes para a
consecução da segunda maioria absoluta de um só partido. E ele, já em tempo de
crise de algumas moedas europeias, “humildemente” pedia aos portugueses “uma
maioria clara”, sem a qual era muito difícil obter a estabilidade política
necessária para governar.
Além disso, agora
declara que não serão admissíveis “soluções
governativas construídas à margem do Parlamento, dos resultados eleitorais
e dos partidos políticos”, como sabe indubitavelmente dizer que “é extremamente desejável que o
próximo Governo tenha um apoio maioritário e consistente na Assembleia da
República”. Porém, soube, entre 1981 e 1985, conspirar contra a
política de Pinto Balsemão e Mota Pinto (confessando
não ter percebido qual tinha sido a política económica do primeiro e o sentido
da coligação integrada pelo segundo) e, sob a capa da rodagem de um automóvel
novo a caminho da Figueira da Foz, soube provocar, aceitar e fazer aceitar a
liderança da viragem contra o pré-anunciado líder socialdemocrata João
Salgueiro. E, com fundos comunitários à vista, foi lesto a anunciar que, após a
assinatura do tratado de adesão à CEE, a 12 de junho de 1985, denunciaria o
acordo do bloco central. Ora, conhecidos os resultados das eleições de 1985,
fez-se empossar com primeiro-ministro do governo mais minoritário em tempos de
vigência da Constituição. Ou seja, conspirou dentro do seu partido, fora do
Parlamento e necessariamente fora das estruturas partidárias.
Alegando a
impossibilidade da determinação e execução das reformas necessárias, em virtude
da insuficiência do apoio parlamentar e de uma impeditiva Constituição vigente,
depois de ter rompido o entendimento com o seu candidato presidencial Freitas
do Amaral e declarado o apoio à recandidatura de Mário Soares, colocou-se
pessoalmente à testa do partido, ofuscando-o e arrebatou a primeira maioria
absoluta de um só partido e concitou o apoio do partido socialista para a
consecução de uma maioria constitucional, que levou à revisão de 1989. É óbvio
que não negociou no Parlamento nem com todos os partidos. Era o reino de
Cavaco, nalgumas parcelas territoriais denominadas de Cavaquistão, a cujos pés
impolíticos se ajoelhava o então maior partido do regime
Depois, como
Presidente, erraticamente apoiou o ímpeto reformista do governo de Sócrates e acusou-o
das escutas a Belém e teve com ele o mesmo braço de ferro que tivera com Mário
Soares Presidente a propósito do estatuto político-administrativo da Região
Autónoma dos Açores. E, quando confrontado com os resultados eleitorais de
2009, não se inibiu de dar posse a um governo minoritário do PS, o que anunciou
não desejar fazer em outubro próximo, alegando a necessidade de se chegar a
“uma solução governativa estável e duradoura”, sem a qual, aliada ao
estabelecimento de largos consensos interpartidários, “será muito difícil
alcançar a melhoria do bem-estar a que os nossos cidadãos justamente aspiram”.
Por isso e depois de todos os “sacrifícios” que fizeram, afirma categoricamente que “os portugueses têm o direito e o dever de exigir um Governo estável e
duradouro”.
Todavia, quando aponta, para ilustrar as suas teses, o
exemplo de quase todos os países da União Europeia, que os políticos portugueses
devem seguir (se calhar, ele não se incomodava com isso por não ser político…), esquece-se dos casos em que os países europeus não
conseguem formar governo em tempo útil ou os casos em que os partidos entram em
acordo sem a pressão pré-eleitoral dos presidentes, que até assumem ser
políticos. E não me parece curial estar o presidente a debitar à opinião
pública exemplos e números referentes a países com realidades diferentes da
portuguesa e onde, mais do que a negociação política, tem importado a criação e
manutenção de condições de vida condignas para os cidadãos.
A grande questão é que Aníbal Cavaco Silva, em 2009,
precisava de cuidar da reeleição presidencial, ao passo que agora precisa de
duas coisas: deixar a marca de salvador da pátria, o homem que não foi
político, mas que salvou Portugal da bancarrota, exigindo a intervenção externa
em tempo de primeiro-ministro hostil e consolidação do ajustamento em tempo de
primeiro-ministro propício; e deixar como herança o reino de Belém e de São
Bento a titulares oriundos da sua cepa ideopolítica. E fá-lo opinando sobre
tudo e todos, em relação ao país e ao estrangeiro, ora de formas concertadas
oura de formas erráticas.
***
Também, em maré de recados e avisos, Cavaco Silva,
depois de conseguir a aprovação parlamentar de uma lei que pôs cobro à vigência
da lei, na sua ótica, mais obsoleta do regime, a da cobertura jornalística dos
períodos eleitorais, fez referências excrescentes e pormenorizadas à campanha
eleitoral.
No pressuposto de que “alcançar um governo
estável é uma tarefa que compete inteiramente às forças partidárias, como se
verifica em todas as democracias europeias”, cabe aos partidos “desde logo,
garantir que a campanha eleitoral que se avizinha decorra com serenidade e com
elevação”.
Ora, é verdade que politicamente cabe aos
partidos e coligações que obtêm mandatos eleitorais a responsabilidade de alcançar
um governo estável, mas, em razão do seu poder moderador e da sua magistratura
de influência, caberá ao presidente contribuir ativamente para tal, se
necessário for. E, quanto à campanha eleitoral, a debitação de conteúdos cabe
às forças partidárias. Porém, o contributo para o debate, serenidade, elevação e
fiscalização escrutinante incumbe também aos formadores da opinião pública,
designadamente titulares de cargos públicos, órgãos de comunicação social e mesmo
outros intervenientes, como os tribunais e forças de segurança.
É certo que “numa democracia, é salutar e
desejável o confronto de ideias e de projetos para o país e que “a luta
partidária não deve resvalar numa crispação sem sentido ou na agressividade
verbal”. Mas a Cavaco não compete, neste momento, fazer doutrinação eleitoral,
porque não é sua função e porque ninguém o ouve, graças ao desprestígio que
alcançou precisamente ao opinar sobre tudo e da forma mais díspar.
Também
é desejável que a campanha eleitoral sirva “para informar e esclarecer os Portugueses”
e é certo que ela “não pode tornar-se num palco de agressões que em nada
resolve os problemas reais dos nossos concidadãos”. Todavia, esta premonição,
ao invés de ter o efeito desejado, corre o risco de resvalar para o discurso
balofo de presidente autodemitido das suas funções.
***
Ora, PS
e PSD acreditam que o próximo Governo vai ter tempo para preparar o Orçamento
do Estado para 2016. Todavia, os socialistas não gostaram do que ouviram dizer
a Cavaco. Ferro Rodrigues, líder parlamentar do PS, anotando que o Presidente
insistiu na “necessidade de compromissos entre os partidos” partindo quase da
certeza que o próximo governo não vai ter “maioria absoluta” declarou que isso
não lhe parece correto, até porque “as sondagens mais importantes são as que
acontecem na última fase da campanha, depois dos debates entre os líderes”. E, recordando
que nunca houve nenhum debate entre Passos e Costa, sublinhou que o PS continua
apostado em garantir a maioria absoluta.
Ferro Rodrigues
está convicto de que o discurso de Cavaco Silva acompanha “uma certa obsessão” existente
entre alguns setores políticos que insistem em criar uma aliança forçada
entre PS e PSD/CDS. Porém, os socialistas não querem participar numa política
de que discordam. E o líder parlamentar do PS referiu que “em todos os países
em que houve acordos entre as forças socialistas e a direita, as forças
socialistas ficaram feitas num oito”.
Por seu
turno, Ascenso Simões, diretor de campanha do PS, tinha afirmado que “as
eleições de 4 de outubro ganharam uma nova dimensão, uma vez que o Presidente
da República entende que nós precisamos de uma maioria absoluta”. E formulou a
seguinte garantia:
“O PS é a única força política que tem
condições de cumprir alguns dos critérios que o senhor Presidente da República
identificou, designadamente a apresentação de proposta claras e sustentáveis e
também de futuro para a crise que temos vivido”.
Ao invés,
Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, viu no discurso de Cavaco Silva
um apelo à “estabilidade política” para lá de qualquer forma de incentivo a um
casamento forçado entre PS e PSD. Por outro lado, não viu uma assunção clara de
que não vai haver uma maioria absoluta. Montenegro acredita que o Presidente
quis passar a mensagem de responsabilidade de modo a “preservar a
situação de solidez e de estabilidade” conseguida por este Governo.
Também Nuno
Melo, vice-presidente do CDS-PP, acredita que a coligação com o PSD vai, nas
próximas eleições legislativas, obter a maioria que a estabilidade no país
exige, tendo sido exatamente “por isso que o PSD e o CDS celebraram uma
coligação, depois de concluído com sucesso o ciclo de ajustamento, a pensar
nessa mesma maioria, que acreditamos vamos obter na estabilidade que o país
precisa”.
João
Oliveira, líder parlamentar do PCP, por sua vez, declarou:
“Os portugueses têm os exemplos das
maiorias absolutas do primeiro-ministro Cavaco Silva, do primeiro-ministro José
Sócrates, desta maioria absoluta de Passos Coelho e Paulo Portas, e sabem que a
estabilidade política, em todas essas circunstâncias, significou a
desestabilização das suas vidas, a desestabilização e inquietação das suas
condições de vida”.
Já Pedro
Filipe Soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda opina que o
Presidente não tem um mandato para impor ao país uma maioria, uma vez que “quem
tem a voz numas eleições é o povo que elege deputados, que depois vão eleger um
Governo, e esta é a sequência normal que tem de ser respeitada pelo Presidente
da República”.
***
Porém, não podemos
esquecer o essencial: o Presidente da República anunciou ter marcado a
data da realização das eleições para a Assembleia da República para
o próximo dia 4 de outubro; e os
Portugueses irão ser chamados a eleger os deputados à Assembleia da República e
a escolher, de entre as propostas apresentadas pelas diferentes forças
políticas, aquelas que melhor respondam aos complexos desafios que o País
enfrenta.
2015.07.25 – Louro de Carvalho
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