O Jornal de Notícias de hoje, dia 5 de julho, noticiava a elevação do
templo do santuário do Bom Jesus do Monte
ou Bom Jesus de Braga à categoria de
basílica menor. Mais referia que o arcebispo de Braga, Dom Jorge Ortiga, iria
anunciar oficialmente a decisão do Papa Francisco de conceder ao Bom Jesus o
título honorífico de basílica menor, em celebração em que se esperavam milhares
de fiéis.
Estes factos são indesmentíveis
do lado informativo. Porém, outras afirmações jornalísticas são de duvidosa
veracidade e talvez abusiva apreciação, como por exemplo, que “o santuário
passa a basílica para conquistar UNESCO”, que “tudo o que o Vaticano podia
fazer para que o Bom Jesus seja
eleito património cultural da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) fez”
ou que “a decisão do Papa vem mostrar que a candidatura está viva”.
Não se discute a capacidade do
Santuário para ser eleito como património da humanidade, dado o seu peso
histórico, a sua beleza paisagística, o acervo artístico (conjunto arquitetónico, escultural,
pictórico, insígnias, objetos, etc.), ordenamento do território, afluência
de turistas e peregrinos, suporte escrito e outros aspetos como serviços de
apoio, incluindo o funicular movido a água. Discute-se, sim, a pretensa conexão
entre a decisão papal, através da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, e
a candidatura do santuário a património mundial como “Obra-Prima da Criação
Humana”, já que os critérios de um e de outro
benefício são diferentes. Depois, não é o complexo do Bom Jesus que é
reconhecido como basílica, mas a igreja/templo. Provavelmente para património
mundial interessa todo o complexo. Veja-se o caso do Santuário de Fátima: é só
um santuário, mas tem duas basílicas – a de Nossa Senhora do Rosário e a da
Santíssima Trindade (esta
de reconhecimento recente). E o complexo do Santuário de Lourdes,
França, tem as seguintes estruturas basilicais: a cripta, a basílica de Nossa
Senhora do Rosário, a basílica superior ou da Imaculada Conceição (fazem um tríplice templo)
e a basílica subterrânea de São Pio X, de mais recente construção (1958).
Bem
avisada se revela Teresa Anderson, coordenadora da candidatura do Santuário a
património mundial, quando, apesar de confiante no sucesso da iniciativa da
candidatura, diz que “a elevação à categoria de basílica não traz consequências
‘visíveis’ para o santuário, a não ser a projeção internacional do templo e da
zona envolvente”.
***
No historial da igreja a Católica, registam-se dois tipos de
basílicas: as basílicas maiores; e as basílicas menores.
Basílica maior (em latim, basilica maior) é a categoria atribuída às antigas basílicas patriarcais, atualmente
denominadas basílicas papais, que
estão, desde o século XVII, diretamente sob autoridade do Papa. Têm
privilégios especiais e abrigam um altar e um trono papal. Em Ano Santo, abrem as suas “Portas Santas”
(cada uma tem a sua Porta Sancta). Em Roma, são quatro
apenas: a Basílica de São Pedro (no Vaticano), a Basílica
de Santa Maria Maior, a Basílica de
São João de Latrão ou Basílica do
Santíssimo Salvador (a catedral do Papa
enquanto bispo da diocese de Roma) e a Basílica
de São Paulo Extra Muros.
Além destas, há em
Roma mais algumas igrejas de peregrinação que se deviam visitar quando se
estivesse em Roma. Como contêm relíquias importantes (de mártires insignes) para a devoção dos fiéis, o Papa
Bonifácio VII (1294-1303) determinou a indulgência plenária para
quem as visitasse, tal como às quatro basílicas papais, desde que observados os
requisitos usuais para a obtenção da indulgência – confissão sacramental e
comunhão eucarística, abjuramento de qualquer apego ao pecado e oração pelas
intenções do Santo Padre. São elas: a Basílica
de São Sebastião das Catacumbas ou de São
Sebastião Fora de Muros; a Basílica
de São Lourenço Fora de Muros; e a Basílica
de Santa Cruz de Jerusalém.
Basílica menor (em
latim, basílica minor) é título
honorífico concedido pelo Papa a igreja/templo em diversos países do
mundo considerada importante por diversos motivos tais como: a veneração que
lhe devotam os cristãos; a transcendência histórica; e a beleza artística de
sua arquitetura e decoração.
Estas
basílicas são templos onde são lembrados, de modo eminente, os mistérios de
Nosso Senhor ou igrejas dedicadas aos títulos da Virgem Maria ou erguidas para
a devoção de algum santo ou em memória de algum acontecimento significativo.
Só em Roma há 59 basílicas
menores. E, em Portugal, há bastantes. As mais recentes são efetivamente a Basílica da Santíssima Trindade, em
Fátima, a Basílica do Santo Cristo, em Outeiro, na diocese de Bragança-Miranda, a Basílica de São Bento da Porta Aberta,
em Terras do Bouro, e a Basílica do
Bom Jesus, em Braga.
***
Uma basílica é uma estrutura arquitetónica de
origem romana que antigamente tinha uma função económica e jurídica. A basílica tipicamente romana
descende das ágoras colunadas gregas,
sendo que estes espaços romanos, ao contrário dos da Grécia, eram cobertos. Na
sua génese, as basílicas romanas eram edifícios multifuncionais, que poderiam
albergar áreas públicas (políticas, comerciais e sociais). Eram
espaços de reunião destinados a assembleias cívicas, funcionando também como
tribunais ou espaços de comércio
(lota/leilões), tornando-se um edifício central e indispensável em
qualquer cidade importante.
A basílica era um edifício grande e oblongo, geralmente
composto por uma nave central, duas colaterais e uma ou mais ábsides – espécie
de coroas semicirculares planas e habitualmente um pouco mais elevadas, donde se
pudesse divisar a respetiva nave (as naves laterais poderiam ser terminadas em ábside
mais pequena que a da nave central).
As naves laterais eram mais baixas, por forma a não obstruir
as janelas altas (clarestório) na parte superior da nave central. Numa posição bem
visível, ao fundo, estava a tribuna que mais tarde seria adaptada
transformando-se no altar e no ambão (mais tarde, púlpito saído da ábside) do culto cristão.
O nome basílica provém
do termo latino “basilica”, que, por
sua vez, deriva do grego “βασιλική” (transcrito por “basiliké”), palavra que significa “régia” ou “real” e que é uma elipse
da expressão completa βασιλική οικία (transcrito por “basiliké oikía”), que significa “casa real”. E βασιλεύς
(transcrito por “basileus”) significa “rei”, “imperador”, “soberano”. Ora, rapidamente
a basílica passa a ser a casa do Rei dos Reis, Jesus Cristo, Senhor.
Este tipo de edifício, como se disse, servia originalmente,
em Roma, para as transações comerciais a grande escala, que se faziam sob a
égide do rei, dos cônsules ou do imperador e, ao mesmo tempo, era como uma
espécie de julgado. A sua origem forânea remonta à época da República de Roma –
dos cônsules (entre os
anos 509 e 27 a.C.).
Com o passar do tempo, foram sendo acrescentadas diversas
mudanças estruturais que se tornaram canónicas. A planta foi adotada para os
edifícios religiosos cristãos da época paleocristã (até ao século V),
concebidos como mundo interior que representa a civitas Dei. As razões de ser
desta adoção eram: o facto de aliarem
o interior espaçoso adaptado à realização de assembleias, exigido pelo culto
cristão, com a grandiosidade que convinha à nova religião (note-se a similitude com o
significado das expressões assembleia de
Deus ou ecclesia Dei); o facto de, tratando-se de edifícios de natureza social e
mão de templos, não serem conotados com o paganismo; e a dificuldade, a princípio,
em construir edifícios de raiz para o culto (pelo que se aceitava a cedência de espaços
adequados da parte de cristãos mais abastados e generosos).
Na ábside, onde antes se situava o tribunal (lugar de poder) passaram a situar-se os assentos concêntricos do clero, com
destaque para a cadeira do Presidente da celebração (habitualmente a cátedra episcopal), e o altar. Esta ábside era quase sempre orientada no
sentido oeste-leste, já que o sacerdote, que celebrava voltado para o povo, ao
consagrar o pão e o vinho no corpo e sangue de Cristo, se mantinha voltado para
o oriente – Cristo era e é considerado o Sol Nascente que nos visitou lá do
Alto.
Todavia, no final do século V, introduziu-se em França
uma importante alteração de que resultou uma inversão pura e simples desta
regra. O bispo da cidade de Tours colocou o túmulo do seu antecessor na ábside
(onde
estava a cátedra). Este exemplo foi
copiado em todo o lado e tornou-se regra predominante, sendo que o Presbyterium passou a ser o Martyrium; o trono do bispo e os bancos
dos presbíteros passaram a ocupar o transeptum.
Com esta modificação, o sacerdote, quando celebrava junto do altar, estava de
costas para o povo, de face para ocidente. Para que, durante o cânone da missa,
ficasse voltado para oriente, de acordo com a antiga liturgia, inverteu-se a
orientação que se dava às igrejas. A fachada principal foi transferida para o
lado ocidental; e a ábside (com o altar-mor)
ficou do lado oriental. Esta regra tornou-se invariável na orientação das
igrejas principais (igreja matriz) em cada
comunidade.
A entrada na basílica, que antes era feita lateralmente,
passou a fazer-se a eixo com o altar: uma reminiscência dos templos egípcios.
A “planta basilical”
é formada por uma nave central maior que as laterais, tanto na largura como na
altura. A basílica é então composta por 3 ou 5 naves, na central podem abrir-se
galerias de janelas. E o interior dividia-se assim longitudinalmente numa nave central (mais alta que as demais) flanqueada por duas ou quatro naves. Nas naves laterais podiam
estar inseridos uma espécie de balcões ao nível do nosso primeiro andar, os matroneus, que eram sítios donde as
damas assistiam aos divinos ofícios.
Ao corpo principal da igreja foi acrescentado um transversal:
o transepto que dividia a
igreja em dois espaços – para os fiéis e para o clero – e acrescentava o
simbolismo da planta cruciforme (em cruz
latina).
À fachada simples foram acrescentadas duas torres e, por
vezes, um nartex (um pórtico com uma espécie de
vestíbulo a preceder a basílica).
O teto costumava ser plano e de madeira, até que, em
posterior evolução, passou a ser construído de pedra.
Ao longo do tempo, os dois lados curtos modificaram-se e foi
acrescentada a exedra (sala de receção/acolhimento) semicircular a um dos lados. Na época de Trajano, esta
modificação foi feita dos dois lados, como no caso da Basílica Ulpia (96 d.C.).
Este tipo de estrutura foi aproveitado pelo imperador
Constantino como modelo para os primeiros centros de culto cristãos que ele
mesmo fundou (São Pedro,
do Vaticano, e São João de Latrão, em Roma), e assim
permaneceu até aos nossos dias. Isto deve-se especialmente ao caráter de
assembleia da liturgia cristã e ao facto de o tipo de espaço basilical permitir
acolher grande quantidade de pessoas, estabelecendo hermeneuticamente a
hierarquia que lhe corresponde, com os fiéis distribuídos na nave (ou nas naves) e quem preside à celebração e seus coadjuvantes diretos, no
presbitério ou capela-mor.
Em muitos casos, depois que os cristãos puderam exercer o
culto fora das catacumbas, os próprios edifícios romanos foram utilizados tal
como foram encontrados como recinto religioso oficial para a celebração da
liturgia. Porém, depois que o Império Romano se tornou oficialmente cristão, o
termo “basílica”
foi utilizado também para se referir a determinadas igrejas geralmente grandes
ou importantes às quais haviam outorgado ritos especiais e privilégios em
matéria de culto. Este é o sentido usado hoje do ponto de vista tanto
arquitetónico como religioso.
O Papa, nos tempos atuais, é a única pessoa com potestade
para conceder o título de “basílica” a um templo. E fá-lo
habitualmente através da Congregação para o Culto divino e Disciplina dos
Sacramentos.
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