segunda-feira, 6 de julho de 2015

A Basílica do Bom Jesus do Monte

O Jornal de Notícias de hoje, dia 5 de julho, noticiava a elevação do templo do santuário do Bom Jesus do Monte ou Bom Jesus de Braga à categoria de basílica menor. Mais referia que o arcebispo de Braga, Dom Jorge Ortiga, iria anunciar oficialmente a decisão do Papa Francisco de conceder ao Bom Jesus o título honorífico de basílica menor, em celebração em que se esperavam milhares de fiéis.
Estes factos são indesmentíveis do lado informativo. Porém, outras afirmações jornalísticas são de duvidosa veracidade e talvez abusiva apreciação, como por exemplo, que “o santuário passa a basílica para conquistar UNESCO”, que “tudo o que o Vaticano podia fazer para que o Bom Jesus seja eleito património cultural da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) fez” ou que “a decisão do Papa vem mostrar que a candidatura está viva”.
Não se discute a capacidade do Santuário para ser eleito como património da humanidade, dado o seu peso histórico, a sua beleza paisagística, o acervo artístico (conjunto arquitetónico, escultural, pictórico, insígnias, objetos, etc.), ordenamento do território, afluência de turistas e peregrinos, suporte escrito e outros aspetos como serviços de apoio, incluindo o funicular movido a água. Discute-se, sim, a pretensa conexão entre a decisão papal, através da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, e a candidatura do santuário a património mundial como “Obra-Prima da Criação Humana”, já que os critérios de um e de outro benefício são diferentes. Depois, não é o complexo do Bom Jesus que é reconhecido como basílica, mas a igreja/templo. Provavelmente para património mundial interessa todo o complexo. Veja-se o caso do Santuário de Fátima: é só um santuário, mas tem duas basílicas – a de Nossa Senhora do Rosário e a da Santíssima Trindade (esta de reconhecimento recente). E o complexo do Santuário de Lourdes, França, tem as seguintes estruturas basilicais: a cripta, a basílica de Nossa Senhora do Rosário, a basílica superior ou da Imaculada Conceição (fazem um tríplice templo) e a basílica subterrânea de São Pio X, de mais recente construção (1958).  
Bem avisada se revela Teresa Anderson, coordenadora da candidatura do Santuário a património mundial, quando, apesar de confiante no sucesso da iniciativa da candidatura, diz que “a elevação à categoria de basílica não traz consequências ‘visíveis’ para o santuário, a não ser a projeção internacional do templo e da zona envolvente”.
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No historial da igreja a Católica, registam-se dois tipos de basílicas: as basílicas maiores; e as basílicas menores.
Basílica maior (em latim, basilica maior) é a categoria atribuída às antigas basílicas patriarcais, atualmente denominadas basílicas papais, que estão, desde o século XVII, diretamente sob autoridade do Papa. Têm privilégios especiais e abrigam um altar e um trono papal. Em Ano Santo, abrem as suas “Portas Santas” (cada uma tem a sua Porta Sancta). Em Roma, são quatro apenas: a Basílica de São Pedro (no Vaticano), a Basílica de Santa Maria Maior, a Basílica de São João de Latrão ou Basílica do Santíssimo Salvador (a catedral do Papa enquanto bispo da diocese de Roma) e a Basílica de São Paulo Extra Muros.
Além destas, há em Roma mais algumas igrejas de peregrinação que se deviam visitar quando se estivesse em Roma. Como contêm relíquias importantes (de mártires insignes) para a devoção dos fiéis, o Papa Bonifácio VII (1294-1303) determinou a indulgência plenária para quem as visitasse, tal como às quatro basílicas papais, desde que observados os requisitos usuais para a obtenção da indulgência – confissão sacramental e comunhão eucarística, abjuramento de qualquer apego ao pecado e oração pelas intenções do Santo Padre. São elas: a Basílica de São Sebastião das Catacumbas ou de São Sebastião Fora de Muros; a Basílica de São Lourenço Fora de Muros; e a Basílica de Santa Cruz de Jerusalém.
Basílica menor (em latim, basílica minor) é título honorífico concedido pelo Papa a igreja/templo em diversos países do mundo considerada importante por diversos motivos tais como: a veneração que lhe devotam os cristãos; a transcendência histórica; e a beleza artística de sua arquitetura e decoração.
Estas basílicas são templos onde são lembrados, de modo eminente, os mistérios de Nosso Senhor ou igrejas dedicadas aos títulos da Virgem Maria ou erguidas para a devoção de algum santo ou em memória de algum acontecimento significativo.
Só em Roma há 59 basílicas menores. E, em Portugal, há bastantes. As mais recentes são efetivamente a Basílica da Santíssima Trindade, em Fátima, a Basílica do Santo Cristo, em Outeiro, na diocese de Bragança-Miranda, a Basílica de São Bento da Porta Aberta, em Terras do Bouro, e a Basílica do Bom Jesus, em Braga.
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Uma basílica é uma estrutura arquitetónica de origem romana que antigamente tinha uma função económica e jurídica. A basílica tipicamente romana descende das ágoras colunadas gregas, sendo que estes espaços romanos, ao contrário dos da Grécia, eram cobertos. Na sua génese, as basílicas romanas eram edifícios multifuncionais, que poderiam albergar áreas públicas (políticas, comerciais e sociais). Eram espaços de reunião destinados a assembleias cívicas, funcionando também como tribunais ou espaços de comércio (lota/leilões), tornando-se um edifício central e indispensável em qualquer cidade importante.
A basílica era um edifício grande e oblongo, geralmente composto por uma nave central, duas colaterais e uma ou mais ábsides – espécie de coroas semicirculares planas e habitualmente um pouco mais elevadas, donde se pudesse divisar a respetiva nave (as naves laterais poderiam ser terminadas em ábside mais pequena que a da nave central).
As naves laterais eram mais baixas, por forma a não obstruir as janelas altas (clarestório) na parte superior da nave central. Numa posição bem visível, ao fundo, estava a tribuna que mais tarde seria adaptada transformando-se no altar  e no ambão (mais tarde, púlpito saído da ábside) do culto cristão.
O nome basílica provém do termo latino “basilica”, que, por sua vez, deriva do grego “βασιλική” (transcrito por “basiliké), palavra que significa “régia” ou “real” e que é uma elipse da expressão completa βασιλική οικία (transcrito por “basiliké oikía), que significa “casa real”. E βασιλεύς (transcrito por “basileus”) significa “rei”, “imperador”, “soberano”. Ora, rapidamente a basílica passa a ser a casa do Rei dos Reis, Jesus Cristo, Senhor.
Este tipo de edifício, como se disse, servia originalmente, em Roma, para as transações comerciais a grande escala, que se faziam sob a égide do rei, dos cônsules ou do imperador e, ao mesmo tempo, era como uma espécie de julgado. A sua origem forânea remonta à época da República de Roma – dos cônsules (entre os anos 509 e 27 a.C.).
Com o passar do tempo, foram sendo acrescentadas diversas mudanças estruturais que se tornaram canónicas. A planta foi adotada para os edifícios religiosos cristãos da época paleocristã (até ao século V), concebidos como mundo interior que representa a civitas Dei. As razões de ser desta adoção eram: o facto de aliarem o interior espaçoso adaptado à realização de assembleias, exigido pelo culto cristão, com a grandiosidade que convinha à nova religião (note-se a similitude com o significado das expressões assembleia de Deus ou ecclesia Dei); o facto de, tratando-se de edifícios de natureza social e mão de templos, não serem conotados com o paganismo; e a dificuldade, a princípio, em construir edifícios de raiz para o culto (pelo que se aceitava a cedência de espaços adequados da parte de cristãos mais abastados e generosos).
Na ábside, onde antes se situava o tribunal (lugar de poder) passaram a situar-se os assentos concêntricos do clero, com destaque para a cadeira do Presidente da celebração (habitualmente a cátedra episcopal), e o altar. Esta ábside era quase sempre orientada no sentido oeste-leste, já que o sacerdote, que celebrava voltado para o povo, ao consagrar o pão e o vinho no corpo e sangue de Cristo, se mantinha voltado para o oriente – Cristo era e é considerado o Sol Nascente que nos visitou lá do Alto.
Todavia, no final do século V, introduziu-se em França uma importante alteração de que resultou uma inversão pura e simples desta regra. O bispo da cidade de Tours colocou o túmulo do seu antecessor na ábside (onde estava a cátedra). Este exemplo foi copiado em todo o lado e tornou-se regra predominante, sendo que o Presbyterium passou a ser o Martyrium; o trono do bispo e os bancos dos presbíteros passaram a ocupar o transeptum. Com esta modificação, o sacerdote, quando celebrava junto do altar, estava de costas para o povo, de face para ocidente. Para que, durante o cânone da missa, ficasse voltado para oriente, de acordo com a antiga liturgia, inverteu-se a orientação que se dava às igrejas. A fachada principal foi transferida para o lado ocidental; e a ábside (com o altar-mor) ficou do lado oriental. Esta regra tornou-se invariável na orientação das igrejas principais (igreja matriz) em cada comunidade.
A entrada na basílica, que antes era feita lateralmente, passou a fazer-se a eixo com o altar: uma reminiscência dos templos egípcios.
A “planta basilical” é formada por uma nave central maior que as laterais, tanto na largura como na altura. A basílica é então composta por 3 ou 5 naves, na central podem abrir-se galerias de janelas. E o interior dividia-se assim longitudinalmente numa nave central (mais alta que as demais) flanqueada por duas ou quatro naves. Nas naves laterais podiam estar inseridos uma espécie de balcões ao nível do nosso primeiro andar, os matroneus, que eram sítios donde as damas assistiam aos divinos ofícios.
Ao corpo principal da igreja foi acrescentado um transversal: o transepto que dividia a igreja em dois espaços – para os fiéis e para o clero – e acrescentava o simbolismo da planta cruciforme (em cruz latina).
À fachada simples foram acrescentadas duas torres e, por vezes, um nartex (um pórtico com uma espécie de vestíbulo a preceder a basílica).
O teto costumava ser plano e de madeira, até que, em posterior evolução, passou a ser construído de pedra.
Ao longo do tempo, os dois lados curtos modificaram-se e foi acrescentada a exedra (sala de receção/acolhimento) semicircular a um dos lados. Na época de Trajano, esta modificação foi feita dos dois lados, como no caso da Basílica Ulpia (96 d.C.).
Este tipo de estrutura foi aproveitado pelo imperador Constantino como modelo para os primeiros centros de culto cristãos que ele mesmo fundou (São Pedro, do Vaticano, e São João de Latrão, em Roma), e assim permaneceu até aos nossos dias. Isto deve-se especialmente ao caráter de assembleia da liturgia cristã e ao facto de o tipo de espaço basilical permitir acolher grande quantidade de pessoas, estabelecendo hermeneuticamente a hierarquia que lhe corresponde, com os fiéis distribuídos na nave (ou nas naves) e quem preside à celebração e seus coadjuvantes diretos, no presbitério ou capela-mor.
Em muitos casos, depois que os cristãos puderam exercer o culto fora das catacumbas, os próprios edifícios romanos foram utilizados tal como foram encontrados como recinto religioso oficial para a celebração da liturgia. Porém, depois que o Império Romano se tornou oficialmente cristão, o termo “basílica” foi utilizado também para se referir a determinadas igrejas geralmente grandes ou importantes às quais haviam outorgado ritos especiais e privilégios em matéria de culto. Este é o sentido usado hoje do ponto de vista tanto arquitetónico como religioso.

O Papa, nos tempos atuais, é a única pessoa com potestade para conceder o título de “basílica” a um templo. E fá-lo habitualmente através da Congregação para o Culto divino e Disciplina dos Sacramentos.

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