sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Um Estado “moderno” que anda ao contrário da civilização

Enquanto países como Portugal inscreveram no seu ordenamento jurídico o princípio da igualdade fundamental entre homem e mulher e alçam a violência doméstica ao estatuto de crime público, outros parece que teimam em ficar na mesma ou pretendem andar para trás.
Na verdade, o ano de 2017 assinalará o 40.º aniversário da significativa alteração ao Código Civil, como bem referiu o Presidente da República na sua mensagem de Ano Novo. Dizia ele que essa alteração, no âmbito do Direito de Família, estabelece a igualdade de deveres e direitos do homem e da mulher perante a lei.
Obviamente que o Presidente na sua mensagem não iria alongar-se em pormenores, mesmo que importantes. Mas é de todo conveniente recordar alguns.
Desapareceu a figura do chefe de família, corporizada na pessoa do marido e supletivamente na da mulher quando aquele estivesse embarcado ou tivesse falecido.
Com efeito, o decreto-lei n.º 496/77, de 25 de novembro – que entrou em vigor no dia 1 de abril de 1978, juntamente com o decreto-lei n.º 51/78, de 30 de março, que aprovou o Código de Registo Civil, em vigor até 1995 – traz importantes inovações. Os deveres e os direitos dos cônjuges são iguais, a responsabilidade entre si é igual como o é a responsabilidade para com os filhos. A maioridade é atingida aos 18 anos, o que já tinha sido antecipado para a capacidade eleitoral. Deixa de fazer-se a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. E a omissão da paternidade (e/ou maternidade da criança) passa a não ser aceite acriticamente, mas postula obrigatoriamente a conveniente investigação judicial por todos os meios disponíveis.
Por outro lado, a idade núbil foi fixada nos 16 anos de idade tanto para o homem como para a mulher, quando dantes estava fixada nos 16 anos para o homem e nos 14 para a mulher.
Este ordenamento mereceu críticas de determinados setores basicamente por alegadamente “desvalorizar” o ato matrimonial e por prever demasiada intromissão dos tribunais na vida familiar (Resta saber se agora não há caos a mais decididos fora dos tribunais).
A isto outros setores opunham que a valorização do ato matrimonial está sobretudo na liberdade e na consciência responsável dos cônjuges e saudavam a abolição da distinção entre filhos legítimos e ilegítimos, pois, se algo estava errado nos progenitores, a culpa não podia continuar a recair sobre a prole.
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Com o tempo, foi-se descobrindo que a paz familiar facilmente era perturbada com ações de agressão e violência doméstica: pai ou mãe sobre filhos, mas sobretudo marido sobre esposa (situação aplicável a casais a viver em circunstância análogas). Também se conhecem casos de violência de mulher sob homem e de filhos sobre pai ou mãe.
Apesar de ser muito difícil o combate a tais desmandos, sobretudo pela vergonha da vítima em apresentar queixa ou pela ineficácia da proibição do contacto do agressor com as suas vítimas, o alçamento da violência doméstica a crime público possibilitou que bastasse que autoridades tivessem conhecimento a partir de fontes fidedignas (por exemplo da vizinhança) para poderem intervir.
O flagelo vai avançando, mas vai-se combatendo e, sobretudo, a sociedade está, com repugnantes exceções, eivada da cultura antiviolência doméstica.  
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Entretanto, sabe-se que a Rússia quer descriminalizar a violência doméstica.
A este respeito, é de refletir sobre informação de hoje veiculada pelo site esquerda.net.
É sabido que, na Rússia, 36 mil mulheres são agredidas diariamente pelos respetivos parceiros. Porém, no passado dia 11, o parlamento russo aprovou uma redução das sanções para os agressores em casos de violência doméstica. Esta medida legislativa foi aprovada logo na primeira votação com 368 votos a favor, um contra e uma abstenção – quase por unanimidade.
Esta iniciativa não é meramente ocasional ou simplesmente política. Trata-se de uma opção ideológica, dado que pretende preservar a ancestral “tradição de autoridade parental”, prevendo que possam ser detidos apenas os homens que agridam as mulheres mais do que uma vez por ano. A retirada do crime de violência doméstica do Código Penal implica que as vítimas vão deixar de ter o direito de apresentar queixa.
A este respeito, Yelena Mizulina, deputada de extrema-direita do Partido Rússia Justa e presidente da Comissão para Assuntos de Família, sustenta que, “na cultura familiar tradicional russa, as relações entre pais e filhos são construídas na autoridade parental”. Por isso, propôs a mudança da lei, pois, “as leis devem apoiar essa tradição familiar”. E acrescentou que “não queremos ter pessoas presas por dois anos e rotuladas de criminosos para o resto das suas vidas por uma palmada”. Ao menos, deveria depender do tipo de palmada. Há palmadas que são de afeto e não de violência. Assim, Mizulina está a querer tapar o sol com a peneira
A mesma deputada foi responsável pela aprovação da legislação contra a “propaganda gay”, que atenta contra os direitos humanos da comunidade LGBTQI+ do país.
Na Rússia, 40% dos crimes de agressão graves acontecem em contexto familiar e são agredidas pelos seus companheiros, como se disse, 36 mil mulheres todos os dias, das quais morrem 14 mil por ano. Além disso, 26 mil crianças são agredidas pelos pais, em cada ano.
Em 2015, as Nações Unidas apelaram a que a Rússia atuasse sobre a epidemia de violência doméstica, com nova legislação e criando abrigos para mulheres vulneráveis.
Ainda assim, a criminalização da violência doméstica no grande país do leste só ocorreu em julho do ano passado e, desde então, o partido de Mizulina tem vindo a protestar contra a predita alteração legislativa. 
Esta decisão de descriminalização da violência doméstica está ser contestada por ONGs e grupos ativistas de direitos das mulheres.
Na verdade, custa a compreender que um Estado como este, um dos líderes em forças armadas e equipamento militar, um dos pioneiros em missões espaciais, com artistas, cientistas, escritores e atletas tão prendados, regrida em termos civilizacionais.
A aquiescência em relação à violência doméstica não pode hoje remeter-se apenas para o mundo da visão cultural – grupal, étnico e espiritual. É mesmo um fator e um sintoma de regressão civilizacional e atenta contra a integridade física e psicológica, condição sine qua não se pode assegurar o respeito do direito à vida e vida condigna – prerrogativa fundamental irrenunciável e inalienável.
Com mentalidade tão retrógrada não se estranhará a eventual falta de escrúpulo no manuseamento indevido e desproporcionado de armas e outro material mortífero contra pessoas e bens. Reduzimos as vidas humanas a números e a guarda do Planeta, enquanto “Casa Comum” a boas intenções hipocritamente enunciadas e subscritas.
Parece ser tempo de o mundo acordar e criar uma frente de opinião sustentada e firme contra este tipo de desmandos. Não basta condenar os povos de culturas quase primitivas que tudo de fazem mal sobre o próximo ou sobre os descendentes para preservar a honra da família.
Como é que a família, estribada numa qualquer autoridade parental (aliás, patriarcal) pode constituir-se em escola de valores, em área de formação da cidadania, em rampa de lançamento de pessoas livres, responsáveis e conscientes para intervirem na vida pública e empresarial?
Certamente que os erros da Rússia denunciados em Fátima em 1917 – a espalhar pelo mundo – não se restringem ao comunismo estalinista como alguns sustentavam!

2017.01.13 – Louro de Carvalho

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