sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Bandeiras em mãos trocadas

Estava longe de supor a preocupação do secretário-geral da UGT de andar numa roda-viva a tentar perceber se a esquerda iria arranjar uma alternativa à descida da taxa social única (TSU) para os empregadores a fim de compensar o aumento do salário mínimo nacional (SMN). E também não iria pensar que Francisco Assis viesse a propor eleições legislativas antecipadas.
Ora, o Conselho de Concertação Social é constituído por entidades que representam os empregadores e entidades que representam os trabalhadores. A coisa mais natural seria ver os representantes dos patrões a reivindicar descida da TSU do lado dos empregadores e eventualmente o IRC e sobretudo a opor objeções ao aumento do salário mínimo nacional.
Porém, o que se passou foi que o Governo conseguiu um acordo na concertação social (independentemente de a sua assinatura ser pública ou privada, duma assentada ou aos bochechos) que viabiliza o aumento do salário mínimo nacional e, em compensação, uma descida transitória da TSU.
Obviamente já todos sabíamos que qualquer um dos pontos do acordo tem que ser objeto de lei ou de decreto-lei, pois a concertação é conveniente, mas não bastante. Também se sabia que dificilmente a CGTP iria subscrever o acordo por achar o aumento do SMN insuficiente e por não concordar com a descida da TSU para os empregadores. E todos sabiam que BE, PCP e PEV seriam contra, caso o diploma fosse sujeito à apreciação parlamentar.
O que não se esperava era que o PSD viesse a votar contra no caso de o decreto-lei – devidamente aprovado em Conselho de Ministros, promulgado pelo Presidente da República e publicado no Diário da República – fosse tão rapidamente sujeito a apreciação parlamentar. Ademais, não se percebe nem a cambalhota do PSD, tão amigo da descida da TSU nem a exigência do vice-presidente do PSD ter vindo a exigir que essa descida se estendesse às IPSS (o Governo disse logo que “sim”, pois estas também são empregadores). Todavia, é preciso ter memória, pois o PS também roeu a corda em relação à uma anterior descida do IRC no tempo da governança PSD/CDS. E não vale a pena Costa vir agora invocar o favor da OCDE ou do FMI para a descida da TSU, fazendo-nos crer que a linguagem de tais instituições têm agora outro tom. Que tom, afinal?
Entretanto, uma delegação da UGT, chefiada pelo seu secretário geral Carlos Silva, foi recebida por Pedro Passos Coelho na sede do PSD, a pedido desta central sindical. A intenção da UGT era tentar fazer reverter a posição dos socialdemocratas na TSU, que já revelaram votar favoravelmente a proposta a apresentar pelas bancadas de esquerda de fazer reverter a baixa de 1,25 pontos da TSU a pagar pelos empregadores.
Carlos Silva não poupou críticas à posição assumida por Passos Coelho, considerando “desastrosa” a sua decisão de alinhamento à esquerda. Segundo o dirigente sindical, o chumbo da redução da TSU seria “um murro no estômago” da Concertação Social.
A UGT, que reúne sindicalistas socialistas e sociais-democratas, pediu também audiências ao PS e ao CDS, bem como ao Presidente da República, depois de conhecida a data da discussão parlamentar sobre a TSU – 3 de fevereiro.
Que a UGT tente entender-se com os partidos em cujo ideário se revê minimamente, tudo certo. Porém, é de estranhar que, sofrendo as dores do Governo ou do maior partido que está fora da linha da governança, venha questionar a esquerda sobre que medida encontrará como alternativa à descida da TSU dos empregadores. A luta pelos empregadores não é a bandeira do BE, PCP e PEV. E estranho que possa ser a duma central sindical. A bandeira desta é – tem de ser – a dos trabalhadores. Andam bandeiras certas em mãos erradas.
Se alguém tem de chorar sobre o leite derramado na Concertação Social é o Governo, os patrões e não, neste caso os trabalhadores nem os partidos de esquerda.
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Outro que tem entre mãos a bandeira errada é Francisco Assis. Se houve fiasco na Concertação Social, o que o rico deveria fazer era, do meu ponto de vista, sugerir aos órgãos estatutários do PS uma reflexão profunda sobre as verdadeiras causas do episódio e que se tirassem as devidas consequências políticas. Mas vir publicamente com uma solução na manga como franco-atirador não me parece ficar bem a alguém que chegou a pensar ser líder do partido. Parece corporizar uma ambição que agora quadraria bem ao PSD e ao CDS. Resta saber se alguém está interessado em eleições neste momento, sobretudo depois de Marcelo ter elevado as autárquicas a marco de ciclo.
Não, o eurodeputado socialista vem logo de chancas, alegando que, tendo em conta que o PS está dependente do PSD e do CDS para passar medidas como a descida da TSU e que o Governo corre o risco “de se instalar numa situação de paralisia” quando os partidos de esquerda não votarem no sentido desejado por António Costa. Afinal, nem se percebe se, na sua ótica o Governo está refém do PSD e do CDS ou do BE, do PCP e do PEV.
É certo que Assis é conhecido por não ser consensual nas fileiras do PS. E, num texto de opinião publicado no “Público” do dia 19, faz um diagnóstico pouco positivo do Governo de curto e a médio prazo, definindo uma meta-surpresa: eleições legislativas antecipadas.
Diz ele que o Governo corre o risco “de se instalar numa situação de paralisia” sempre que os partidos de esquerda não votarem no sentido desejado por Costa, não vislumbrando outra saída para esta precária situação que não passe, a curto ou médio prazo, pela realização de eleições.
Resta saber que resultado esperaria de tais eleições, já que sustenta algo confuso. Veja-se:
“A primeira ilação a retirar desta crise [da TSU] é a de que o executivo do Partido Socialista só está em condições de assegurar em toda a plenitude a governação do país se puder contar com o apoio parlamentar de duas maiorias alternativas e contraditórias. Em tudo o que releva da restituição de rendimentos a alguns setores específicos da sociedade portuguesa, da concessão de novos apoios sociais ou da reversão de decisões tomadas pelo anterior Governo, o atual executivo pode contar com o apoio do PCP e do BE”.
Não é possível gerar no Parlamento dias maiorias estáveis e contraditórias entre si. Duas maiorias – dita a aritmética – ultrapassariam o número total de deputados!
Depois, acusa os partidos à esquerda do PS de não estarem preocupados com a concertação social continuando a manifestar “uma interpretação marxista da sociedade e da história”. E lembra que tanto Francisco Louçã como Catarina Martins e Jerónimo de Sousa “não dizem hoje coisas substancialmente diferentes daquelas que foram reiteradamente afirmando ao longo das suas vidas”.
E não se pode concordar com a sua asserção de que, após a chegada de Costa ao poder, os partidos da esquerda estiveram “aparentemente anestesiados” ou com a de que se viveu “num tempo da ilusão de uma coabitação política fecunda”. Será que, a partir de agora as coisas se colocarão de forma bem diferente, como afirma?
As reações do PS não se fizeram esperar. O dirigente socialista Pedro Nuno Santos acusa o eurodeputado do PS de se antecipar ao PSD e ao CDS na exigência de eleições antecipadas, nega qualquer crise à esquerda e manifesta-se confiante de que o Governo vai cumprir a legislatura até 2019.
O também Secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares falava à agência Lusa na qualidade de dirigente nacional do PS, depois de Francisco Assis, tanto em entrevista à Antena 1 como no aludido artigo do “Público”, ter classificado como esgotada a atual solução de Governo.
E o líder da Federação de Aveiro do PS e membro do executivo lança ao eurodeputado o conveniente desafio:
“Gostaria de que Francisco Assis viesse à próxima reunião da Comissão Nacional do PS para, entre camaradas, podermos discutir o atual momento político em Portugal. É minha convicção de que a esmagadora maioria dos militantes do PS está realizada com o papel que o partido desempenha no Governo – e Francisco Assis pode ter a certeza de que este Governo vai durar até ao fim da legislatura”.
Para Nuno Santos, o eurodeputado e ex-líder parlamentar do PS nos Governos de Guterres e de Sócrates “conseguiu a proeza de se antecipar ao PSD e ao CDS no pedido de eleições legislativas antecipadas, o que a acontecer, efetivamente, como é fácil perceber, provocaria instabilidade política”. E Santos salienta a estabilidade política como a mais-valia que Portugal apresenta no atual contexto europeu e mundial de elevada instabilidade”.
Ainda em relação às críticas de Assis, Santos apontou o facto de o eurodeputado socialista se “queixar de que a atual solução de Governo impossibilita de fazer reformas”. E assegura:
“De facto, a atual solução de Governo não permite as reformas que a direita quer, como a privatização da Segurança Social. Se é dessas reformas que Francisco Assis está a falar, essas, na realidade, não são possíveis com este Governo – e não são possíveis, não por causa do PCP ou do Bloco de Esquerda, mas porque o PS não as quer”.
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Enfim, bandeiras certas em mãos erradas nunca deram certo. E bandeiras erradas em mãos erradas darão resultado ainda pior!

2017.01.19 – Louro de Carvalho

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