domingo, 29 de janeiro de 2017

Homenagem ao “Apóstolo de Fátima”

A 28 de janeiro de 2017, o Santuário da Cova da iria acolheu uma eclesial homenagem ao Padre (Cónego) Manuel Nunes Formigão em torno da cerimónia de trasladação dos restos mortais do conhecido como 'o apóstolo de Fátima´, do cemitério local para um mausoléu construído na Casa de Nossa Senhora das Dores.
A celebração em memória deste sacerdote e servo de Deus – a caminho da beatificação e da canonização – começou com a concentração de centenas de pessoas na casa das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima, `Espaço Padre Formigão, Casa do Apóstolo de Fátima´, na Rua Francisco Marto, seguida de cortejo para o cemitério da freguesia de Fátima. Daí, a urna foi transportada processionalmente para a monumental Basílica da Santíssima Trindade onde decorreu a celebração eucarística sob a presidência do Bispo de Leiria-Fátima, Dom António Augusto dos Santos Marto. Depois, os restos mortais do Padre Formigão foram colocados no mausoléu construído para o efeito na Casa de Nossa Senhora das Dores, de Fátima, num espaço que pode ser visitado diariamente e onde estão também alguns objetos que atravessaram a sua vida desde fotografias, paramentos a objetos pessoais como os óculos ou o relógio que usava.
Na cerimónia participaram também o Núncio Apostólico, Dom Rino Passigato, o Bispo de Bragança-Miranda, Dom José Cordeiro, e o bispo emérito de Leiria-Fátima, Dom Serafim Ferreira Silva, bem como o reitor do Santuário de Fátima, Padre Carlos cabecinhas, entre outros sacerdotes.
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Na homilia, o prelado diocesano de Leiria-Fátima destacou esta figura sacerdotal que “se rendeu ao mistério e à revelação do amor de Deus, da beleza da sua santidade tal como brilhou aos pastorinhos de Fátima”. Dom António Marto recordou o Padre Manuel Formigão como alguém que “captou de uma maneira admirável para o seu tempo a dimensão reparadora da vivência da fé tão sublinhada na mensagem de Fátima”. E, reproduzindo as palavras de Dom António Ribeiro, que foi cardeal patriarca de Lisboa, disse: “Sem ele, Fátima não seria o que é presentemente”. E especificou:
“A ele devemos, sem dúvida, a garantia da autenticidade dos acontecimentos e das testemunhas, da sinceridade dos videntes e da verdade das suas afirmações, a divulgação da mensagem através de escritos, a fundação da Voz da Fátima e dos Servitas. Queremos exprimir a nossa gratidão a ele e a Deus que o escolheu para esta missão. E pedimos a Nossa Senhora e aos pastorinhos a sua intercessão para que ele possa aceder em breve à veneração dos altares.”.
Ainda durante a homilia, o Bispo traçou um paralelo entre São Tomás de Aquino, cujo dia se celebrava naquele dia, e o Padre Manuel Formigão, e apresentou-os como testemunhas de uma fé “orante, adorante e eucarística”, em que assentou toda a sua espiritualidade.
Porém, referindo-se em especial ao Padre Formigão, assegurou que “de facto, Nossa Senhora veio à busca de colaboradores para a reparação do pecado do mundo e seus estragos e destruições na relação com Deus, com os outros e com o mundo como casa comum” e este sacerdote “entendeu a reparação como adesão plena à vontade de Deus: aceitar a vontade de Deus e colaborar com Ele nos acontecimentos da vida quotidiana e do mundo mesmo que isso exija sacrifício e renúncia”.
Dom António Marto explicitou bem o sentido da reparação para `o apóstolo de Fátima´: “Reparar quer dizer pois recompor, refazer, reconstruir, ‘re-sanar’, tecer de novo o que se rompeu, renovar o mundo, a começar pelo coração de cada um na relação com Deus, com os outros e entre os povos”. E concluiu, indicando o modo como isto se realiza:
“Isto realiza-se na oração e adoração como expressão de amor a Deus e da comunhão dos santos em que oramos uns pelos outros; mas realiza-se também no trabalho de evangelização e na caridade cuidando e curando as feridas, as chagas, os sofrimentos da humanidade”.
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O Padre Manuel Nunes Formigão nasceu em Tomar, a 1 de janeiro de 1883, e entrou, aos 12 anos no Seminário Patriarcal em Santarém, onde realizou os estudos eclesiásticos. Terminada ali a sua formação e “tendo em conta a sua sagacidade intelectual e grande vida de piedade, foi enviado para Roma, onde obteve, em 1909, o grau académico de Doutor em Teologia e Direito Canónico pela Pontifícia Universidade Gregoriana”, depois de ter sido ordenado presbítero a 4 de Abril de 1908, também em Roma.
De passagem pelo Santuário de Lourdes, em 1909, comprometeu-se a divulgar a devoção mariana em Portugal, compromisso que Nossa Senhora lhe aceitou em 1917. Com efeito, acompanhou as Aparições de Fátima desde setembro de 1917, sendo um dos primeiros a interrogar os Pastorinhos, primeiro com ceticismo, mas, depois, convencido da sinceridade das crianças e progressivamente certo de que era verdade o que elas lhe contavam.
Na verdade, a 13 de setembro de 1917 foi pela primeira vez à Cova da Iria, como simples curioso e “profundamente cético relativamente aos factos que se diziam ali estarem a acontecer”. Não se aproximou do local das aparições e saiu de Fátima ainda “mais cético, pois não presenciou nada de invulgar, apenas notando a diminuição da luz solar por altura das supostas aparições, mas facto que não deu qualquer importância”.
No entanto, voltou a Fátima, em concreto a Aljustrel, no dia 27 desse mesmo mês, a fim de interrogar, em separado, os três videntes. A este sucederam-se outros interrogatórios nas semanas seguintes (1917-1919), nomeadamente o efetuado no dia 13 de outubro, horas depois da última aparição e depois de ter sido testemunha, juntamente com mais de 60 mil pessoas, do assombroso fenómeno solar, que o povo apelidou de “Milagre do Sol”.
Jacinta deixa-lhe uma mensagem de Nossa senhora, ao morrer; e, nas suas palavras, viu o desejo de Nossa Senhora da fundação de uma congregação religiosa cujo carisma fosse a reparação.
Tornou-se, pois, um dos principais impulsionadores da investigação sobre a veracidade dos factos e da mensagem deixada em Fátima por Nossa Senhora. Em 1922, passou a integrar a comissão do processo canónico de investigação às aparições e, em 1928, assistiu à primeira profissão religiosa da Irmã Lúcia, em Tuy, que lhe comunicou a devoção dos primeiros sábados e lhe pediu que a divulgasse.
Considerado um dos obreiros do Santuário de Fátima, a ele se deve, entre muitas outras coisas, a fundação, em 1924, dos Servitas de Nossa Senhora de Fátima (graças à sua experiência de servita de Nossa Senhora em Lurdes) e do jornal A Voz da Fátima (1922). Fundou a revista “Stella” (1937), o jornal “Mensageiro de Bragança” (1940) e o Almanaque de Nossa Senhora de Fátima (1943). E foi também o fundador da Congregação das Irmãs Reparadoras de Nossa Senhora de Fátima (1926), como resposta à acima aludida sugestão da Jacinta, para “reparar as ofensas que se cometem contra o amor de Deus”, especialmente pela missão da adoração no Sagrado Lausperene no Santuário. A 11 de abril de 1949, esta congregação foi reconhecida por direito diocesano e, a 22 de agosto do mesmo ano, ocorreram as primeiras profissões canónicas das Religiosas.
Produziu dezenas de artigos e livros sobre as Aparições, que lhe valeram o epíteto de “Apóstolo de Fátima”. Diga-se, a título de exemplo, que, em 1921, escreveu o livro “Os Episódios Maravilhosos de Fátima”; em 1928, “As Grandes Maravilhas de Fátima” (a sua obra mais importante); em 1930, “Fátima, o Paraíso na Terra”; em 1931, “A Pérola de Portugal”; em 1936, “Fé e Pátria”; e, em 1956, sonetos compilados na “Ladainha Lauretana”.
Faleceu a 30 de janeiro de 1958, precisamente na casa onde foi sepultado agora, no ano do centenário das Aparições.
No ano 2000, a 16 de novembro, a Conferência Episcopal Portuguesa concedeu a anuência para a introdução da causa de Beatificação e Canonização do ‘Apóstolo de Fátima’. O processo foi oficialmente aberto a 15 de setembro de 2001, festa litúrgica de Nossa Senhora das Dores, padroeira da congregação, e foi encerrada a sua fase diocesana a 16 de abril de 2005. Agora, a Congregação para a Causa dos Santos está a avaliar a vida, virtudes e fama de santidade do sacerdote para que possa ser declarado venerável, em seguida, beato e, finalmente, canonizado.
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Na cerimónia da trasladação também usou da palavra o postulador da causa, Monsenhor Arnaldo Pinto Cardoso (sucedeu a Saturino Gomes), para sublinhar a “decisiva influência” que teve a mensagem de Fátima no cónego Formigão, depois do contacto com os pastorinhos. E disse:
“Em tempos difíceis e adversos, o Padre Formigão soube acolher os pastorinhos, interpretar as suas declarações, divulgar os acontecimentos, apropriar a mensagem, aconselhar os bispos responsáveis, viver com os fiéis as peregrinações à Cova da Iria”.
E, estabelecendo o paralelo com os tempos de então, o postulador concluiu:  
“Como há cem anos, também hoje se respira o ar das guerras, sentem-se os efeitos do ódio, em muitos lugares a igreja é perseguida. O homem precisa de ser regenerado e de se abrir ao bem, à verdade e à justiça. E Deus, ofendido de tantas maneiras, necessita de ser reparado das ofensas. Parece que voltámos aos tempos de Formigão.”.
Ora, falando de reparação, é de recordar o que Pinto Cardoso escreveu a 11 de março de 2016, no L’ Osservatore Romano sobre misericórdia e reparação a propósito do Padre Formigão:
Se a misericórdia representa o coração do Evangelho, como recorda o Papa Francisco, por sua vez, a reparação é o centro da mensagem de Fátima, como demonstram a vida e as obras do padre Manuel Nunes Formigão (1883-1958) o apóstolo das aparições da Cova da Iria. Que relação existe entre o dom da misericórdia e o significado da reparação, do modo como a promoveu o padre Formigão?
A importância da reparação na vida e na obra do padre Formigão deve-se a diversos fatores de ordem nacional e eclesial. Em primeiro lugar, à sua amarga experiência nacional, a partir do regicídio (1908), ocorrido enquanto ele se encontrava em Roma. Em seguida, à decisiva influência que teve sobre ele a mensagem da Virgem, depois dos colóquios íntimos e misteriosos com os três pastorinhos. É preciso acrescentar que, na 1.ª metade do século XX, estava em forte expansão a prática devocional que consistia em aliviar os sofrimentos do Coração de Jesus. Então, compreendemos que o movimento de reparação não foi invenção do padre Formigão, mas um modo de ser cristão, fruto de uma herança secular, teológica e pastoralmente consolidada, que readquiriu maior vigor com as aparições de 1917.
Neste contexto, Formigão sofreu muito pela perseguição da Igreja promovida pelo regime republicano, pela participação militar na grande guerra, pelas agitações populares. Temendo calamidades maiores, o seu pensamento, sobretudo depois da mensagem de Jacinta, uma dos três pastorinhos, concentrou-se no facto de que pudesse tratar-se de sinais divinos face às infidelidades de todo um povo.
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Formigão, ora homenageado e a caminho dos altares, é o apóstolo de Fátima (não desmentido) pela investigação, descoberta e divulgação dos factos e da mensagem e pela implementação da obra fatimita, obra que se impôs à Igreja não como verdade dogmática mas como estilo de vida.

2017.01.29 – Louro de Carvalho

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