terça-feira, 9 de abril de 2019

“A cultura de impunidade neste país tem de acabar”



Quem o diz é Álvaro dos Santos Pereira, antigo Ministro da Economia, a propósito das pressões que têm sido feitas sobre si como diretor da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico), sendo que alegadamente as maiores pressões lhe chegam do Governo de Costa.
Ouvido no Parlamento no passado dia 3, na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, a solicitação do PSD, o antigo ministro do Governo de Passos Coelho disse que houve “algum incómodo” a propósito do relatório da OCDE sobre Portugal, divulgado em fevereiro e que um membro do Governo e a delegação portuguesa na OCDE quiseram que fosse removida dele a palavra corrupção. E pormenorizou:
Houve pelo menos algum incómodo, quer da delegação portuguesa na OCDE, quer, mais tarde, de uns membros do Governo (…) que revelaram algumas preocupações com o relatório. Esses membros manifestaram a sua intenção de remover a palavra ‘corrupção’ do relatório, porque diziam que o problema da corrupção em Portugal não é dos mais graves.”.
Efetivamente, os socialdemocratas chamaram Santos Pereira ao Parlamento para o interpelarem sobre “se é ou não verdade que o Governo quis apagar menções a medidas de combate à corrupção” do relatório “Economy Survey of Portugal – 2019”, que o economista coordenou na qualidade de diretor de Estudos Nacionais da OCDE.
O político economista e antigo Ministro do Governo PSD/CDS falava na qualidade de relator do relatório da OCDE sobre as perspetivas económicas para Portugal, no tocante à reforma da justiça e à corrupção. Revelou que “a equipa que representou Portugal no comité era liderada pelo Secretário de Estado das Finanças, Mourinho Félix”. E vincou:
Nada do que está neste relatório é extremamente controverso, o que não podíamos aceitar é, só porque um Governo diz que não gosta da palavra corrupção, essa palavra não apareça”.
Não foi, porém, só Portugal que fez este tipo de óbice. O diretor da OCDE referiu que houve um outro país, “também latino”, que pretendia que “não aparecessem gráficos de corrupção” e sublinhou a centralidade da questão da corrupção “em todos os países, desde a Dinamarca à Suécia, até Portugal, Itália e outros”.
Questionado sobre o motivo por que terá o Governo pedido para retirar a palavra corrupção do relatório, Santos Pereira, desviando-se da pergunta, sustentou que “não faz o mínimo sentido fingir que está tudo bem e não falar da corrupção”. E, quanto à interrogação dos deputados, ou seja, se “acham que os investidores que vêm para Portugal não sabem o que se passa e precisam do relatório da OCDE para saberem” ou “porque é que o Governo não quis”, declarou que tinham de lhes perguntar a eles e salientou que “não houve nenhuma recomendação que a OCDE fez no texto original que não ficasse no texto final”. E frisou:
Não sei porque é que o Governo quis expurgar a palavra corrupção. A nossa intenção foi sempre que a questão da luta anticorrupção lá estivesse.”.
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O diretor da OCDE e ex-ministro confirmou no Parlamento que o Governo vetou a sua presença na conferência de apresentação daquele relatório. Ora, isto é o que se pressupunha, mas o secretário-geral da OCDE, no ato de apresentação, invocou motivos de agenda de Santos Pereira, que oportunamente falaria. Mas agora este esclareceu o que verdadeiramente motivou a sua ausência da conferência de Imprensa do relatório da OCDE, que decorreu no dia 18 de fevereiro, no Ministério da Economia, com a presença de Angel Urria e do Ministro Siza Vieira:
Recebi um telefonema do secretário-geral da OCDE, que, depois de ter tido duas conversas com o Presidente do Eurogrupo, o Ministro Mário Centeno, lhe foi manifestado o incómodo com a minha presença na reunião de apresentação”.
E a encarecer a tese da centralidade da questão da corrupção, o diretor da OCDE aponta o dedo à corrupção e ao compadrio como “um dos responsáveis por este país ter ido à falência”. Como sustentou perante os deputados da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, não foram só as “políticas e os respetivos responsáveis” que levaram o país à falência, mas também “o compadrio entre o Estado e os privados e as supostas práticas de corrupção em muitos setores” tiveram um papel significativa na bancarrota do país. Neste sentido, apontando que a “Justiça tem de apurar responsabilidades” explicitou:
É preciso não esquecer que este país foi à falência, não só devido às políticas e responsáveis levadas a cabo nos anos que antecederam a 2011, mas também devido ao compadrio entre o Estado e os privados e supostas práticas de corrupção em muitos setores. E isto inclui o setor da energia, o bancário e as PPP rodoviárias.”.
E, criticando o Parlamento e o Governo por não agirem no combate à corrupção, questionou:
Se a luta contra corrupção é desígnio nacional, onde estão a Assembleia da República e o Governo?”
Mas, quando questionado se realmente alguém do Governo tentou apagar menções a medidas de combate à corrupção do referido relatório, o economista, depois de ter explicado que houve incómodo e a intenção de proceder a essa omissão, referiu que a OCDE não podia aceitar que, “só porque um Governo diz que não gosta da palavra ‘corrupção’, essa palavra não pode aparecer”, pois, como a questão da corrupção é “central”, tinha que estar neste relatório.
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Mas o economista e ex-ministro não se ficou pelas generalidades. Sugeriu mais de uma dezena de medidas que podem ser implementadas já nesta ou na próxima legislatura, para aumentar a transparência, a integridade e combater a corrupção, dizendo que “são medidas que temos vindo a abordar de forma mais profunda desde que fizemos o relatório” e estão a ser utilizadas “noutros países e têm tido resultado”.
Apelando ao fim dos “jobs for the boys and for the girls”, defendeu que, “se queremos uma reforma do Estado e da administração pública, temos de tirar a política da administração pública”. Por outro lado, advogou o reforço do MP (Ministério Público) e da PGR (Procuradoria Geral da República), “através de treino especializado para procuradores”, e a substituição dos procuradores ligados ao crime económico que se vão reformar nos próximos anos. Além disso, preconiza a necessidade de “regular os lobbies, porque “as pessoas que fizeram isso não fizeram bons serviços para aumentar a transparência”.
Olhando em retrospetiva, Santos Pereira admite que a “Justiça melhorou muito”, mas que não se pode parar com as reformas e, falando da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Publica) como uma boa medida, observou que “ainda há demasiada interferência política nos cargos da administração pública”.
Obviamente que esquece que o Estado e a Administração Publica, bem como os instrumentos que os servem, são eminentemente políticos. E é pena que um economista e político, não sabendo separar as águas, confunda orientação e ação políticas com excessiva imiscuição partidária, nepotismo, amiguismo, parentelismo e compadrio. 
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Como não podia deixar de ser e por ter a pedra no sapato, o diretor da OCDE, enfatizou a pressão portuguesa no teor do relatório que preparou sobre a corrupção em Portugal. Admitindo que recebe pressões todos os dias, confessou que a “do Governo português foi superior”.
Não percebo como um alto burocrata da OCDE se queixa e não sabe resistir às pressões!
Quase dois meses depois do polémico relatório da OCDE que analisou a corrupção em Portugal, Álvaro Santos Pereira lembrou o episódio de pressões da parte do Governo português que não tiveram comparação com a pressão que recebe diariamente de outros países, verificando que recebe “pressões de governos a toda a hora”, mas que a do Executivo de António Costa “foi muito superior”, como relatou em entrevista ao Expresso publicada a 6 de abril, sendo que, “para alguns membros da delegação portuguesa, a palavra corrupção não devia aparecer sequer”. E, recordando que, por causa da polémica, foi afastado da apresentação do relatório em Portugal, explicitou:
Houve pelo menos uma ou duas chamadas do presidente do Eurogrupo e, de seguida, o secretário-geral informou-me que não só eu não estaria presente na cerimónia como também o seminário técnico ficaria para um ou dois meses depois”.
Não obstante, diz não se sentir desautorizado pela OCDE, pois, assegura:
Se eu entendesse como uma desautorização ter-me-ia automaticamente demitido”.
Também não se sente desiludido comas pressões, mas o que o desilude “é que os partidos políticos não estão a fazer o serviço que deviam estar a fazer à nação”.
Mas continua a apontar:
Foi noticiado que chegámos ao cúmulo de ter leis para o privado que foram escritas pelo próprio privado. Como é possível os deputados da nação calarem-se com um escândalo destes? Como é possível não termos a Justiça e os políticos a insurgirem-se contra esta questão? Isto é gravíssimo. Outro caso: passaram quase oito anos sobre a crise financeira que nos levou ao resgate; passaram quase cinco anos sobre a maior fraude financeira que este país viu. Onde estão as pessoas julgadas? Continua a haver uma prática de impunidade quando devia haver uma cultura de integridade.”.
Mas diz que não se cruzou pessoalmente com casos de corrupção. Devia andar distraído ou os casos só emergiram depois de ter saído do Governo! Nem se lembra da razão por que o seu Secretário de Estado da Energia Henrique Gomes foi afastado do Governo: queria minorar ou mesmo anular as consequências ruinosas do acordado com a EDP, mas o Governo esteve do lado do não governo. E Santos Pereira, Ministro da Economia, Emprego e Energia, deixava crescer o desemprego e a precariedade e entretinha-se a internacionalizar o pastel de nata.  
Também não diz quem é que devia estar preso. Apenas julga inaceitável a retirada de recursos dum megaprocesso para outro por não haver pessoal suficiente ou que “se permita que as pessoas vão de recurso em recurso até mas não poderem”. E contesta a necessidade da acumulação de crimes num megaprocesso para as pessoas serem levadas a julgamento, pelo que sustenta a desmembração dos megaprocessos. Ademais, entende que “as práticas de corrupção e compadrio devem ser julgadas o mais rapidamente possível e que temos de avançar com mecanismos de prevenção futura. Aí tem razão, mas situa os casos graves da corrupção antes de 2011, parecendo esquecer que o que se passou depois, que, por exemplo, ao nível do BES/GES talvez tenha desgraçado muito mais gente e os responsáveis também estavam por dentro e por fora do que se passou antes de 2011.
E deixa o recado frisando vincando que a “cultura de impunidade tem de acabar em Portugal” e que há pessoas com medo de falar sobre corrupção (Confunde silenciamento com a falta de meios!).
Sobre o atual momento da economia, considera que, se Portugal mantiver os atuais níveis de crescimento nos próximos anos arrisca-se a continuar a perder jovens qualificados e rejeitou que Centeno tenha sido o obreiro do milagre da economia portuguesa. E discorre questionando:
Porque é que Mário Centeno conseguiu um milagre? O Ministro das Finanças é responsável pela situação orçamental, não pela competitividade da economia. Só se baixar o IRC.”.
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Além dos reparos entrelinhados, diga-se que o economista se excede a ajuizar, como agente de organismo internacional sobre a governação concreta do país, é parcial no juízo dos diferentes tempos da mesma e faz recair o ónus apenas sobre o dito poder político poupando o judiciário.   
2019.04.08 – Louro de Carvalho

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