Desde as 0 horas do passado dia
15 os motoristas de transporte de matérias perigosas, de acordo com o respetivo
pré-aviso, estavam em greve por tempo indeterminado para exigirem o reconhecimento da categoria profissional e,
consequentemente, melhores condições salariais.
Entre os motoristas da Uber e outras plataformas de transporte alternativo, falava-se de “caos” iminente. E perspetivavam-se prejuízos no setor do turismo, neste período das miniférias férias da Páscoa. Com efeito, o panorama era de confusão: bombas sem combustível ou com enormes filas de automóveis um pouco por todo o país; condicionamentos nos serviços de transporte; aviões que têm de se abastecer em Espanha; limitações nas carreiras de autocarros públicos e privados; e dificuldades que impendem sobre a distribuição postal, a manutenção de geradores e de algumas centrais de produção de energia elétrica (as acionadas com combustível transportado pelos referidos motoristas), o serviço de policiamento, o serviço de apoio a clientes por parte das seguradoras, etc. Ou seja, a greve destes motoristas deixou o país à beira duma crise energética, um bloqueio que nem com os serviços mínimos requisitados pelo Governo para Lisboa e Porto parece estar perto de ficar resolvido.
Entre os motoristas da Uber e outras plataformas de transporte alternativo, falava-se de “caos” iminente. E perspetivavam-se prejuízos no setor do turismo, neste período das miniférias férias da Páscoa. Com efeito, o panorama era de confusão: bombas sem combustível ou com enormes filas de automóveis um pouco por todo o país; condicionamentos nos serviços de transporte; aviões que têm de se abastecer em Espanha; limitações nas carreiras de autocarros públicos e privados; e dificuldades que impendem sobre a distribuição postal, a manutenção de geradores e de algumas centrais de produção de energia elétrica (as acionadas com combustível transportado pelos referidos motoristas), o serviço de policiamento, o serviço de apoio a clientes por parte das seguradoras, etc. Ou seja, a greve destes motoristas deixou o país à beira duma crise energética, um bloqueio que nem com os serviços mínimos requisitados pelo Governo para Lisboa e Porto parece estar perto de ficar resolvido.
Em Portugal, são mais de 800 os camionistas especializados em transportar
matérias perigosas como materiais explosivos ou inflamáveis, combustíveis,
químicos, radioativos e até mesmo oxigénio – o que põe em especial risco a vida
dos próprios e de pessoas que possam ser afetadas por um acidente que ocorra
com os seus camiões carregados deste tipo de matérias.
O protesto foi convocado pelo SNMMP (Sindicato Nacional de Motoristas de Matérias Perigosas por tempo indeterminado, que
reivindicam, tal como se disse já, o reconhecimento da categoria
profissional específica, o que não está previsto no atual contrato
coletivo, que só identifica a categoria mais geral de “Motorista de Pesados”. E
os camionistas em protesto aduzem, com razão, que, se para transportarem
materiais perigosos como inflamáveis ou químicos precisam de uma certificação
específica (ADR) emitida pelo IMT (Instituto da Mobilidade e
Transportes), que,
para trabalharem, têm de renovar a cada 5 anos, ao passo que os outros camionistas
não precisam, então deve ser-lhes reconhecida esta categoria específica com a
consequente valorização salarial. Assim, com a exigência de categoria
própria, os motoristas de matérias perigosas pedem uma diferenciação salarial
em relação aos restantes condutores.
A categoria “Motorista de Pesados” prevê uma
remuneração base de 630 euros, mas Francisco São Bento, presidente do SNMMP,
referiu ao Observador que o salário base de
motorista de matérias perigosas deve corresponder a dois salários mínimos
nacionais (ou seja, 1200
euros). E o sindicato reclama adicionalmente,
um reforço do subsídio de risco mensal, que atualmente está fixado
nos 7,5 euros por dia, para refletir a maior exposição ao risco a que estes motoristas
estão sujeitos no dia a dia. Mas as reivindicações vão um pouco mais além: o SNMMP quer mudanças nas regras do contrato coletivo de trabalho relativamente
a horas extraordinárias e a horas de serviço realizadas à noite. Para o
presidente do SNMMP, o contrato coletivo de trabalho assinado em setembro de
2018 retira aos trabalhadores “dois direitos fundamentais: a remuneração pelo
trabalho extraordinário prestado e o trabalho noturno”.
O contrato coletivo estabelece que “o trabalhadores móveis afetos ao
transporte internacional, ibérico e nacional terão de obrigatoriamente o
direito a receber o correspondente a duas horas de trabalho suplementar” por
dia, com a primeira hora extra a ser remunerada com um acréscimo de 50% e a
segunda hora com o de 75%. Ora, da forma como o contrato está redigido, São
Bento diz que isto significa que “um motorista que faça 11 horas
de trabalho recebe o mesmo que um que faça 14 horas” e que deixa de
ser possível, com fórmula das horas extraordinárias, acumular com o trabalho
noturno.
Militares
da GNR estiveram de prevenção em vários pontos do país para que os camiões com
combustível pudessem abastecer e sair dos parques sem afetarem a circulação
rodoviária. E militares houve que tiveram de conduzir camiões de transporte de
combustível.
***
Como era expectável, esta greve dos motoristas foi
aproveitada por alguns setores sociais e políticos como arma de arremesso
contra o Governo, o que não é de todo justo, este braço de ferro é entre
privados, cabendo ao Governo o papel de mediador intervindo diplomaticamente. É o que defende o Presidente do
PSD Rui Rio, que, ao contrário de Assunção Cristas, não culpa o
Executivo pelo “caos” nas bombas de combustível resultante da greve destes
motoristas. Em declarações aos jornalistas, Rio frisou que o
“braço de ferro” por detrás desta paralisação diz respeito ao setor
privado, cabendo ao Governo agir apenas “como um
diplomata” ao interferir e intermediar entre as partes de modo a que se chegue
a um acordo. E explicitou:
“Não vou atacar o Governo naquilo
que o Governo não tem responsabilidades, porque não estaria a ser sério. Portanto, o que compete ao Governo
fazer é intermediar no sentido de se chegar a um acordo e fazer a requisição
civil, que já fez, para garantir os serviços mínimos.”.
O líder
socialdemocrata frisou que espera do Executivo a “capacidade de intermediação”
para que a greve termine o mais rapidamente possível, mas deixou claro que este
“braço de ferro” não “depende do setor público”.
Ora, estas
declarações de Rui Rio, além de serem opostas às do CDS, contradizem as do
deputado Emídio Guerreiro, que disse que a “causa deste tipo de situações” é o
facto de o Governo “gostar de tudo prometer e a todos prometer”, induzindo “um
sentimento de desilusão por parte dos diferentes grupos profissionais”. Por
isso, o parlamentar socialdemocrata concluiu:
“O
PSD insta ao Governo para que se sente rapidamente e que, em diálogo, resolva
este problema. Os portugueses não podem continuar a padecer
por força das incompetências do Governo.”.
Rio
choca com a opinião da líder do CDS-PP, que não hesitou em culpar o Governo
pelo “caos” instalado nos postos de abastecimento um pouco por todo o
país. Aduziu a líder centrista:
“O Governo não sabe governar,
não é capaz de prevenir problemas como este e, de repente, toda a gente se
surpreende como é que o caos se instala em tão poucas horas no nosso país, por
todo o lado”.
Entretanto,
nem o próprio Governo está com o pensamento de Rui Rio. Na verdade, o braço de
ferro é entre privados, mas atinge um setor estratégico nacional, como o dos
combustíveis e a distribuição dos mesmos no quadro da rede energética nacional
e estão em causa serviços cruciais para o funcionamento do país: forças
armadas, unidades de saúde, policiamento, proteção civil e emergência médica,
transportes públicos, tráfego aéreo, turismo – além dos direitos laborais de
cuja garantia e exercício o Governo, enquanto órgão executivo do Estado não
pode deixar de curar. Tanto assim é que o Governo já procedeu à requisição
civil para garantir os serviços mínimos (que, dizem os governantes, foram violados no primeiro dia de
greve), que estão
claramente discriminados para as áreas de Lisboa e do Porto e já prometeu
alargar os serviços mínimos a todo o território nacional, no que está a ser
contrariado pelo sindicato respetivo, pelo que poder ter de recorrer à mediação
arbitral. Tem reunido com a ANTRAM (Associação Nacional de Transportadores Públicos
Rodoviários de Mercadorias) e com o SNMMP para tentar terminar esta paralisação ou, ao
menos, minorar os seus efeitos.
***
Obviamente
a imprensa internacional deu conta da “crise energética” vivida em Portugal, à
medida que os efeitos da greve ganhavam dimensão. Assim, Portugal foi notícia em relação às
consequências da greve dos motoristas de matérias perigosas com títulos em órgãos de
comunicação do Reino Unido, Espanha, Estados Unidos e França.
A
edição online do dia 17 do Financial
Times noticiava: “Greve de motoristas
de camiões-cisterna desencadeia ‘crise energética’ em Portugal”. E escrevia:
“O Governo português implementou medidas de
emergência para salvaguardar o abastecimento de combustível para ambulâncias, aeroportos, bombeiros e outros
serviços críticos, quando a greve de motoristas de camiões-cisterna entrava no
terceiro dia”.
A Reuters titulava: “Crise energética de Portugal agrava-se com o
arrastar da greve dos motoristas de camiões-cisterna de combustíveis”. E
desenvolvia:
“A
escassez de energia em Portugal intensificou-se esta quarta-feira, com a greve
dos motoristas a entrar no terceiro dia, no pior tumulto industrial do mandato
de quatro anos do Governo socialista”.
A BBC
apontava: “Escassez de combustível em
Portugal com greve dos transportadores”. E, no site da cadeia britânica, lê-se:
“Os
postos de combustíveis estão a ficar secos em todo o país, apenas alguns dias
depois de os motoristas terem começado uma greve nacional devido aos salários e
condições [de trabalho].”.
O The Independent noticiava que “a
greve de combustível atinge passageiros e condutores no início da corrida das
viagens de Páscoa”. O
The Sun alertava na sua edição online
que “os britânicos que se dirigem para
Portugal podem ver os seus voos cancelados ou desviados porque os aeroportos
locais estão a ficar sem combustível”. E referia que “os passageiros que viajaram com a easyJet e a Ryanair já foram afetados
por voos desviados ou cancelados”.
O
jornal espanhol on line El Mundo
também noticiava que “a greve de
transportadores paralisa Portugal e põe em risco as
deslocações da Semana Santa”, acrescentando que “metade
dos postos de combustível portugueses estão secos e o preço disparou onde ainda
há combustível”.
O The New York Times escrevia que os “postos de combustíveis portugueses estão a
ficar secos”, com
uma notícia da Associated Press, em
que indica:
“A
greve de cerca de 800 motoristas de materiais perigosos provocou uma corrida
para encher depósitos, encerrando centenas de postos de combustível”.
Já no
dia 16, o Le Figaro noticiava que o Governo de Portugal recorreu à
requisição civil de transportadores de combustível para fazer face à greve dos
motoristas de matérias perigosas, “cuja
greve levanta o risco de escassez em todo o país, em particular nos aeroportos”.
***
Entretanto,
foi publicado o Despacho n.º 4204-A/2019, de 17 de abril, com efeitos
imediatos, que define a rede especial de postos de abastecimento que integra a
Rede Estratégica de Postos de Abastecimento (REPA), bem como as entidades prioritárias autorizadas a abastecer nos postos
integrantes da REPA. Por outro lado, determina que a REPA integra os postos de
abastecimento identificados no anexo ao despacho (são 310), que cobrem todo o território nacional, e que esses
postos “ficam obrigados a reservar, para uso exclusivo das entidades
prioritárias, e para cada tipo de combustível, pelo menos, uma unidade de
abastecimento, nos termos do Regulamento de Construção e Exploração de Postos
de Abastecimento de Combustíveis, as quais devem ser inequivocamente
assinaladas, nos termos do n.º 5 da Portaria n.º 469/2002, de 24 de abril.
Mais: os
postos de abastecimento pertencentes à REPA ficam obrigados a reservar, para
uso exclusivo das entidades prioritárias, uma quantidade de cada produto igual
a:
a) 10 000 l de gasóleo, ou 20 % da sua capacidade de
armazenagem de gasóleo, no caso dessa capacidade de armazenagem ser inferior a
50 000 l;
b) 4000 l de gasolina, ou a totalidade da capacidade
de armazenagem se esta for inferior;
c) 2000 l de GPL-auto, ou 20 % da sua capacidade de
armazenagem de GPL-auto, no caso dessa armazenagem ser inferior a 10 000 l.
E são entidades
prioritárias: as Forças Armadas, as forças de segurança e os agentes de
proteção civil; os serviços de emergência médica e transporte de medicamentos;
as entidades públicas ou privadas que prestam serviços públicos, designadamente
transporte coletivo de passageiros, recolha de resíduos e limpeza urbana,
serviços de água, energia e telecomunicações; as entidades que asseguram o
transporte de pessoas portadoras de deficiência; e outras entidades que
solicitem a sua equiparação a entidade prioritária, mediante pedido à
Secretária-Geral da Administração Interna da obtenção de autorização para este
efeito, que será decidida no prazo máximo de 24 horas.
Para
garantia do cumprimento do disposto no despacho, os postos REPA podem requerer
a presença de elementos das forças de seguranças, nos termos do n.º 10 da
Portaria n.º 469/2002, de 24 de abril. E, ainda, os postos REPA beneficiam de
prioridade de abastecimento face aos restantes postos, devendo, para o efeito,
promover-se o destacamento das forças de segurança necessárias para assegurar o
seu abastecimento.
***
Na
manhã de hoje, dia 18, a greve foi dada por terminada e a situação de
abastecimento ficará regularizada em breve, mantendo-se a vigência da REPA enquanto
e sempre que for necessário.
Com
efeito, o SNMMP assinou com a ANTRAM um princípio de acordo. Não é um acordo fechado, mas um protocolo escrito em que as partes
se comprometem a negociar alterações ao acordo coletivo de trabalho em vigor
com vista a responder às reivindicações dos trabalhadores.
Ora, as partes concordam em iniciar
uma negociação coletiva (a fechar antes do fim do ano) “que promova e dignifique a atividade de motorista de mercadorias
perigosas”.
Em causa, está a “individualização da atividade no âmbito da tabela salarial”,
a revisão do “subsídio de risco”, a existência de “formação especial”, a
atribuição de “seguros de vida específicos” e a promoção de “exames médicos
específicos”. As negociações terão lugar no Ministério das Infraestruturas e
Habitação, cabendo ao Governo a mediação das negociações
e a vigilância face às questões que afetam esta atividade. E, para garantir o início das negociações e em conformidade com a
exigência da ANTRAM, o SNMMP cessa, com efeitos imediatos, a greve geral dos
motoristas, que teve início no dia 15 de abril, lê-se num dos
pontos.
O cimento que cola este protocolo negocial é a “boa-fé” e as
partes prometem “guardar confidencialidade quanto ao teor das negociações”. Ou seja, a intenção é só
divulgar à comunicação social o acordo final, guardando reserva em torno dos
“acordos de princípio” que forem sendo alcançados e que terão de ser
respeitados pelo sindicato e pela associação durante todo o processo negocial.
E o Governo registará todas as reuniões em ata, comprometendo-se as partes a
garantir a dinâmica das negociações, respondendo e apresentando contrapropostas
ao longo do processo. E, no decurso das negociações,
“as partes comprometem-se a diligenciar pela criação e manutenção de um clima
de diálogo e paz social, mantendo o diálogo como forma de
resolução de diferendos ou divergências entre as partes até ao fim das
negociações”.
***
Há, de facto, profissões cujo risco, melindre e
responsabilidade postulam atenção especial.
Ficará Marcelo satisfeito com o Governo, já que lhe
exigia maior intervenção no caso?
Enfim, deste lado, voltou o contributo para a paz
social e laboral.
2019.04.18
– Louro de Carvalho
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