Vencedores e
vencidos das eleições legislativas de 2019 em Espanha saíram às ruas para
celebrar ou para lamber as feridas e repensar estratégias políticas.
Os
socialistas tiveram noite eleitoral de festa. E Álvaro Cáceres, apoiante do
PSOE, vincou:
“Sinto-me muito bem. É um orgulho. Depois do
mau bocado que os socialistas atravessaram, dos problemas de há dois anos,
parecia que íamos desaparecer, que íamos ser o PASOK da Grécia. No final, ter
um Governo socialista, progressista, é uma grande alegria.”.
Nascido na
capital espanhola em 1972, Pedro Sánchez, o líder, fez a licenciatura de
Ciências Económicas e Empresariais na Universidade Complutense de Madrid, em
1995.
Fã de
basquetebol e do Club Atlético de Madrid, começou a carreira política ainda na
universidade, quando tinha 21 anos, em 1993, ao ingressar no PSOE (Partido
Socialista Operário Espanhol) depois da
vitória de Felipe González nas eleições daquele ano.
Em 2014,
tornou-se secretário-geral do partido e, em 2016, candidatou-se à presidência
do Governo. Os resultados obtidos não foram os que queria e renunciou ao cargo partidário,
nesse ano, em outubro. Três anos depois, voltou em força para a mesma posição. Mais
tarde, através da moção de desconfiança (censura) a Mariano Rajoy, tornou-se presidente do Governo
espanhol.
Para o PP, a
noite foi de desaire, com o pior resultado de sempre. E Carolina Fernandez referiu:
“Espero que Pedro Sánchez não pactue com os
independentistas. Em relação ao resto, todos podem Governar melhor ou pior, mas
o que não suporto é que os socialistas e Pedro Sánchez partam Espanha.”.
A direção do
PP reuniu-se hoje, dia 29 para analisar a derrota eleitoral em que perdeu pelo
menos metade dos deputados. Participaram na reunião Pablo Casado, o líder do
partido, e os seus mais fiéis colaboradores. E, no dia 30, haverá uma reunião
do Comité Executivo Nacional, que integra os presidentes dos ramos autonómicos
do PP, num total de 90 dirigentes encabeçados pelo próprio Casado e o
secretário-geral, Teodoro García Egea.
Para os
apoiantes do Vox, a noite foi de comemorações com a entrada na Congresso. Assim,
a extrema-direita regressa ao Parlamento espanhol passadas quatro décadas.
***
Cerca de 37
milhões de eleitores votaram a 28 de abril, em Espanha, para a eleição de 350
deputados ao Congresso (248 são eleitos pelo método de representação
proporcional e os dois – de Ceuta e Melilha – pelo sistema maioritário) e 208 senadores (do total de 266) das Cortes Gerais. Para o Senado, 208 assentos são
eleitos com votação em lista parcialmente aberta, com os eleitores a votar em
candidatos em vez de nos partidos.
Com 99% dos
votos contados, Pedro Sánchez teria condições para formar uma “gerigonça” governativa
à espanhola (coligando-se com outros partidos como o ‘Unidas Podemos’, os nacionalistas
bascos ou os independentistas catalães), mas a
vice-presidente do partido vencedor declarou preferência por governo
minoritário que negoceie medida a medida. Face aos resultados eleitorais, PSOE
vence, para já, com 28,7% e 123
deputados nas Cortes Gerais, sem maioria absoluta (176
deputados).
O ‘Vox’ (extrema-direita – Nuno Melo diz que não) conseguiu entrar pela primeira vez no Parlamento, pela porta da frente,
com 20 deputados (10,2%). O grande derrotado da noite foi o PP, com 16,7%, passando dos atuais 137
deputados para 66, mas que se mantém como segunda força política do país. A
terceira força é o ‘Ciudadanos’, com 57 deputados (15,85%) seguida de perto pelo partido de esquerda ‘Unidas Podemos’,
com 35 deputados (11,95%).
Às 19 horas,
as primeiras projeções já davam a vitória sem maioria absoluta do
PSOE e a queda abrupta do PP, que perdia 69 deputados. Já uma hora
antes, a taxa de participação nas eleições rondava os 60%, 9,50% mais do que
nas eleições de 26 de junho de 2016 – mas, desta feita, chegou a perto do 75% –
e a segunda maior taxa de participação na história da democracia espanhola,
ficando atrás das eleições de 1982, onde 80% dos eleitores votaram. Na
Catalunha, a afluência de eleitores bateu recordes, com 64,19% de votantes até
às 18 horas locais, mais 17,81% do a que registada há três anos.
As urnas
abriram às 9 horas locais e encerraram às 20, período em que os espanhóis escolheram
entre o PSOE, PP, Cidadãos, Unidas Podemos e, pela 1.ª vez, um partido de
extrema-direita.
Os estudos
de opinião apontavam para 5 partidos a obter mais de 10% dos votos: o PSOE (socialista
operário, de Pedro Sánchez), o
favorito com cerca de 30%, mas longe da maioria absoluta; o PP (Partido
Popular, de direita, de Pablo Casado) com quase
20%; e ‘Ciudadanos’ (direita liberal, liderado por Alberto Rivera), ‘Unidas Podemos’ (extrema-esquerda, de Pablo Iglesias); e ‘Vox’ (extrema-direita, de Santiago Abascal) – que ficariam entre os 10% e 15%.
A futura
composição da câmara baixa das Cortes Gerais está assim repartida pelos 5 partidos
mais votados e por outros partidos regionais mais pequenos, como os
separatistas catalães e os nacionalistas bascos. Assim, a tarefa governativa não
vai ser fácil, mesmo que à partida conte com o apoio do ‘Unidas Podemos’, o
principal parceiro que o apoiou no Parlamento desde junho de 2018, quando
afastou o Governo do PP, mas que parece não quer repetir a experiência.
***
Discursando
da sede do PSOE, em Madrid, Sánchez disse que os resultados mostram que o
partido “não é muleta” do Partido Popular (PP, de direita). E expressou que a vitória do partido socialista nestas
eleições transmitiu a “mensagem perentória”
à Europa e ao mundo de “que se pode
ganhar ao autoritarismo”. Na sua intervenção, várias vezes interrompida por
gritos de apoiantes, o candidato socialista e atual presidente do Governo
espanhol, prometeu “respeitar a
Constituição” e contribuir para a “convivência
política”. Assim o afirmou perante milhares de apoiantes, acrescentando que
o Governo socialista será de “todos os
espanhóis” e enfatizou:
“Trata-se de ganhar as eleições e de governar Espanha (...). Vamos
governar Espanha!”.
O líder
socialista prometeu um Governo “pró-Europa,
para fortalecer a Europa”, e construir “uma
Espanha plural”, assumindo como prioridades o combate à injustiça social e
à corrupção.
Para o
secretário-geral do PSOE, estas eleições mostraram que Espanha “tem uma democracia sólida” e que acedeu
“em defesa do seu futuro e de mais
direitos e liberdades”.
O PSOE
teria, para governar em coligação, de se entender com os partidos independentistas
catalães (Esquerda Republicana da Catalunha com 15 deputados e Juntos pela Catalunha
com 7) os mesmos que ajudaram Sánchez a
chegar a Primeiro-Ministro, mas que em fevereiro foram os principais
responsáveis pela sua queda e pela marcação das eleições. Poderia também
explorar uma coligação pós-eleitoral com o ‘Ciudadanos’, apesar de os dois
partidos terem, antes das eleições, repetido que não se aliariam, preferindo
associar-se a movimentos dentro do seu bloco político, um de esquerda e o outro
de direita.
As eleições
ficam ainda marcadas pelo resultado do conjunto de partidos de direita que não
conseguiram repetir a maioria absoluta conseguida na região da Andaluzia, em
dezembro passado, que expulsou o executivo regional socialista no poder há 38
anos. E a extrema-direita do Vox conseguiu a subida eleitoral que as sondagens
já previam, dos 0,2% da votação de junho de 2016, sem eleger nenhum deputado,
consegue agora 11,0% e 24 lugares. Regista-se também a acentuada descida do PP,
o partido que até há pouco alternava com o PSOE na condução do executivo, de 33,0%
em 2016 para 16,7% agora. O PSOE sobe dos 22,7% que obteve em 2016 para 28,8%
agora (de 85 para
122 deputados), o PP
baixa de 33,0% para 16,7% (de 137 para 66), o Unidas
Podemos desce de 21,1% para 14,3% (de 71 para 42), o Ciudadanos sobe de 13,1% para 15,8% (de 32 para
57) e o Vox de 0,2% para 10,2 (de zero para
24).
***
As opções diversificadas do eleitorado de Espanha espelharam-se nos
resultados das urnas e nas capas de jornais. Sem maiorias, o país acordou para
um cenário de incerteza, que surpreendeu, apesar de tudo, uma parte dos
eleitores.
Após a
vitória relativa do PSOE, a dúvida agora é sobre que as forças políticas
viabilizarão as opções governativas dos socialistas. O entendimento
preferencial – governativo ou de incidência parlamentar, a ver vamos – será entre
o PSOE e o Podemos, porque o eleitorado do PSOE não quer governar com o
Ciudadanos e o Ciudadanos disse que não faria pacto com o PSOE. Uma das vitórias
políticas coube ao Vox, partido que passou de zero para 24 deputados e traz de
volta a extrema-direita às Cortes. Será uma voz relevante no Congresso, mas sem
força de decisão. Há diversas opiniões que têm de ser respeitadas, de um lado e
de outro. Mas, apesar da divisão do eleitorado, foi Sánchez quem, num mandato
de 8 meses, capitalizou mais votos. E conseguiu-o aumentando as reformas e
implementando muitas medidas sociais que tinham sido congeladas pelo PP. Agora deixou
a porta aberta para todas as formações, sendo vários os cenários possíveis. Mas
o mais importante é que o próximo governo dê estabilidade ao país.
Por outro lado, sobressai a entrada do feminismo
em pleno na campanha eleitoral para as eleições gerais. Após a greve e os protestos que marcaram o Dia Internacional da Mulher, em Espanha,
os partidos de esquerda reclamam mais direitos para a mulher enquanto os mais
conservadores criticam o chamado “feminismo radical”. E o voto feminino terá
alterado o desfecho destas eleições. Uma sondagem recente revelava que as
mulheres representavam 60% dos eleitores indecisos. A euronews falou com várias jovens espanholas. E uma delas opinava
que “as pessoas têm de se informar melhor
sobre o que é o feminismo”, enquanto outra referia que “uma em cada três mulheres assassinadas [um terço] não tinha denunciado a violência, mas os outros dois
terços tinham-na denunciado e ninguém fez nada”.
No ano
passado, uma multidão de pessoas saiu à rua em Espanha para criticar a clemência
da justiça espanhola no caso “La Manada”,
um grupo de 5 homens que violou, em grupo, uma jovem de 18 anos, em Pamplona.
Essa sensibilidade vem na linha da onda de “mobilizações que começou com os
protestos de 15 de março de 2011 e que mostra uma sociedade mais ativa e
participativa” – um movimento mobilizador que as pessoas consideram prioritário.
Outro dos
temas a marcar o debate político foi a luta contra a violência conjugal. A
Fundação Anna Bella fez várias propostas. Beberly Barragán, responsável da
Fundação, explicou:
“Dentro do pacto de Estado, as nossas
principais propostas têm a ver com o facto de uma mulher não precisar de
denunciar a violência para integrar um abrigo. Por outro lado, é importante
apoiar a inserção laboral das mulheres e dar formação às pessoas que participam
no processo de ajuda às vítimas de violência de género. Elas devem ter uma
formação intensiva sobre tudo o que tem a ver com os maus tratos.”.
A nível laboral, uma
das várias formas de discriminação contra as mulheres é a desigualdade salarial.
Segundo o Eurostat, as mulheres ganham menos 15% do que os homens. Porém, a
responsável da Organização Kelly fala de outras formas de discriminação
laboral:
“Não é só a diferença salarial. Mas há
trabalhos específicos que estão associados às mulheres, como a limpeza e os
cuidados, onde persistem condições de exploração laboral que não parecem do
século XXI. Há mulheres que passam o dia a limpar o chão de joelhos.”.
Ora, os
partidos de esquerda integraram os direitos das mulheres no programa político.
O partido ‘Podemos’ fez uma aliança eleitoral com a Esquerda Unida e chamou à
coligação ‘Unidas Podemos’. O PSOE incluiu no programa eleitoral uma secção
intitulada “Espanha Feminista”, com propostas de modificações do código penal
para reforçar a proteção das mulheres vítimas de violência doméstica. O Vox, novo
partido de extrema-direita, afirma-se contra as alterações propostas para
proteger as vítimas de violência. E Cristina Monge explicou:
“Do lado dos conservadores, é um pouco
assustador ver propostas da extrema-direita como as do Vox que questionam temas
básicos como o direito ao aborto. Algo que estava bem estabelecido na sociedade
espanhola volta a ser debatido publicamente e os direitos das mulheres são
questionados. No meio, temos o partido Ciudadanos, que não quis faltar à
mobilização de 8 de março e apostou no discurso do feminismo liberal que é algo
que gera muita polémica porque, do ponto de vista teórico e filosófico, é
difícil de entender o que é o feminismo liberal.”.
Com 11 mulheres
e 6 homens, os socialistas reivindicam o estatuto de governo mais feminista da
história de Espanha. Mas, nos lugares cimeiros das listas de candidatos dos
vários partidos ao Congresso, há poucas mulheres. E a analista Cristina Monge
afirmou:
“O facto de haver listas paritárias é um
detalhe porque não conduz a uma maior participação das mulheres nem a uma maior
presença das mulheres em posições de responsabilidade no interior dos partidos
políticos”.
***
Das eleições
de 2016 resultou em um Parlamento fragmentado. Desde a
redemocratização da Espanha, na década de 1970, ambos os partidos alternaram no
leme do país. Após semanas de impasse, Mariano Rajoy (do PP), Primeiro-Ministro desde 2011, obteve apoio
suficiente para formar governo. Mas a permanência do PP ao leme foi prejudicada
pela crise constitucional da questão catalã e pelos escândalos de
corrupção e protestos em massa, culminando na queda de Rajoy (junho de
2018). Sanchez (do PSOE) obteve os votos necessários e tornou-se o sucessor
de Rajoy, mas, mercê da minoria parlamentar, o Governo era frágil. E Sánchez
convocou as eleições de 2019 após a derrota da sua proposta orçamentária pelos
parlamentares.
A crise catalã
e a do PP resultaram no C’s disparando para o 1.º lugar nas pesquisas de
opinião, colocando em risco a posição do PP como partido hegemónico no espectro
do centro-direita espanhol. Em fins de maio de 2018, a Audiência Nacional concluiu
que o PP lucrou com um esquema ilegal de propinas em contratos no julgamento do
caso Gürtel, devido à existência duma estrutura de contabilidade e
financiamento ilegal a funcionar paralelamente à oficial do partido desde 1989.
O PSOE apresentou moção de desconfiança contra Rajoy, e o C’s retirou-lhe o
apoio exigindo a imediata convocação de eleições antecipadas. Uma maioria
absoluta de 180 deputados votou pelo afastamento de Rajoy, substituindo-o no
cargo por Pedro Sánchez, do PSOE. Rajoy retirou-se da vida política, dando
lugar a Pablo Casado. Sánchez compôs um gabinete pró-europeu e com maioria
feminina, pela primeira vez na história do país e tornou-se o primeiro
chefe de governo espanhol a governar apesar de o seu partido ter perdido as
eleições.
***
Enfim, a
participação eleitoral mostra que os cidadãos não estão per se distanciados da política. Basta que os partidos
debatam com clareza os temas que afligem a sociedade, como fizeram os espanhóis
e estejam atentos aos sinais dos tempos (como o avanço do feminismo, a
sensibilidade contra a violência conjugal, doméstica, no namoro, a criminalidade
organizada, a corrupção, a luta pelos direitos humanos, etc.). E o eleitorado vai às urnas. Também se precisa de
um povo que exija o necessário!
2019.04.29 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário