domingo, 28 de abril de 2019

As credenciais do Ressuscitado


Jesus ressuscitou, o que significa para os crentes que triunfou da morte, do pecado e da morte. A verdade que Jesus é no sentido mais vital e existencial triunfou sobre a mentira cujo pai é o demónio, que é também o autor do mal e da escravização. E, possuidor destas arras de triunfo, o Senhor Jesus desceu à morada dos mortos a oferecer a salvação a todos aqueles que a esperavam consciente ou inconscientemente. Isto para dizer que a ação redentora de Cristo não se aplica apenas aos que se aproximassem do mistério apenas depois de Ele ter entregado o seu espírito nas mãos do Pai, mas a todos e todas, em qualquer tempo ou lugar em que vivam. 
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Porém, com que sinais Se mostra o Ressuscitado? Ou seja, quais são as credenciais ou os recursos instrumentais que o Senhor mostra para que acreditemos?
Os evangelistas apontam o túmulo vazio, mas o Evangelho de João aponta, além disso, a boa ordem espelhada nos panos de linho espalmados no chão e no “lenço que […] tivera em volta da cabeça” e que “não estava espalmado no chão juntamente com os panos de linho, mas de outro modo, enrolado noutra posição” (vd Jo 20,4.7). Mas, quando apareceu a Maria Madalena, ela só O reconheceu quando Ele disse o nome “Maria”. E Jesus incumbiu-a de uma tarefa: “Não me detenhas, pois ainda não subi para o Pai; mas vai ter com os meus irmãos e diz-lhes: ‘Subo para o meu Pai, que é vosso Pai, para o meu Deus, que é vosso Deus’.” (cf Jo 20,16.17-18).
O Evangelho de Marcos apresenta um jovem de túnica branca a dizer às mulheres que não se assustassem e fossem dizer a Pedro e aos outros discípulos que Ele ressuscitou e que os precede na Galileia (vd Mc 16,6-7).    
O Evangelho de Mateus apresenta o terramoto como aquando da morte na cruz e um anjo resplandecente, que anuncia a ressurreição; e o Mestre que usa da palavra a saudar as mulheres que tinham ido ao túmulo, lhe estreitaram os pés, quando Se lhes deu a conhecer, se prostraram diante d’Ele e a quem mandou: “Não temais. Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão” (cf Mt 28,9.10).
Por sua vez, Lucas apresenta dois homens de trajes resplandecentes, que lembram às mulheres o teor da promessa: “Lembrai-vos de como vos falou, quando ainda estava na Galileia, dizendo que o Filho do Homem havia de ser entregue às mãos dos pecadores, ser crucificado e ressuscitar ao terceiro dia” (Lc 24,6-7).
Para já, apontamos como sinais do Ressuscitado: o sepulcro vazio; a boa ordem dos elementos deixados no túmulo; o resplendor de anjo, jovem e homens (Quem não se lembra da transfiguração a prenunciar a ressurreição gloriosa?); a palavra; o apelo ao abandono do medo, quer por parte de Jesus, quer por parte dos que testemunharam a ressurreição junto das mulheres; o terramoto; a promessa da ressurreição; a pronúncia do nome da interlocutora (Deus conhece o nome de cada um de nós e chama-nos pelos nossos nomes); a referência à Galileia, onde tudo começou e aonde é preciso voltar para refazer a caminhada à luz da nova realidade; e a afirmação da fraternidade entre Jesus e os discípulos (ide, ou vai, dizer aos meus irmãos; o meu Pai que é vosso Pai… Antes, os discípulos eram servos; na Ceia, passaram a ser amigos; e, com a ressurreição, passaram a ser irmãos). 
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Mas há mais. O Evangelho de Lucas apresenta-nos o episódio dos discípulos de Emaús (Lc 24,13-34). Ao caminharem abatidos e circunspectos, apareceu-lhes Jesus, que lhes explicou tudo o que havia de acontecer ao Messias, “começando por Moisés e seguindo por todos os Profetas”. Porém, eles, apesar de lhes arder o coração, quando Ele lhes falava pelo caminho e lhes explicava com detalhe as Escrituras, não O reconheceram. Só O reconheceram quando “se pôs à mesa, tomou o pão, pronunciou a bênção e, depois de o partir, lho entregou”.      
E, segundo Lucas, quando apareceu aos Onze (Lc 24,36-43), além de os saudar com a paz, para que O reconhecessem, mostrou as marcas da sua Paixão e Morte, dizendo:
Vede as minhas mãos e os meus pés: sou Eu mesmo. Tocai-me e olhai que um espírito não tem carne nem ossos, como verificais que Eu tenho. 
E comeu diante deles um pedaço de peixe assado que Lhe deram.
Por seu turno, João, no capítulo 21 do seu Evangelho, apresenta Jesus que aparece aos discípulos na margem do lago. Foi João que O reconheceu ao ver a enorme quantidade de peixes (a pesca que resultou foi lançada à ordem do aparecido, lembrando a pesca milagrosa de outrora em que Simão Pedro era vocacionado para a pesca de homens). E todos O reconheceram quando “ao saltarem para terra, viram umas brasas preparadas com peixe em cima e pão” – reconhecimento corroborado quando Ele “Se aproximou, tomou o pão e lho deu, fazendo o mesmo com o peixe”.      
E a segunda parte do capítulo 20 do Evangelho de João (Jo 19,20-29) tem uma súmula especial das marcas com que o Ressuscitado Se apresentou: pôs-Se no meio dos discípulos (que estavam em casa com as portas fechadas); saudou-os desejando-lhes a paz; mostrou-lhes as mãos e o peito; renovou o desejo de paz; proferiu o envio; insuflou o sopro do Espírito Santo; e confiou-lhes o encargo da oferta do perdão dos pecados.
Fica bem claro que o Ressuscitado aparece e fala. Explica, faz o milagre como dantes, come com os discípulos, pronuncia a bênção como na Ceia, dá a paz, mostra as marcas da Paixão. E, como a Páscoa não pode ficar realidade privativa dum grupo, envia-os a seguir as moções do Espírito Santo (rezando e falando) e a oferecer o dom pelo qual veio ao mundo, o do perdão.    
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Há, porém, uma outra marca do Ressuscitado: a compaixão pelo homem que não entende a generosa liberalidade de Deus. Coitado de quem se recusa a acreditar ou lança desafios a Deus que seriam intoleráveis na lógica do Antigo Testamento!
Tomé não estava com eles quando Jesus veio. E, quando os outros diziam ter visto o Senhor, respondeu que, se não visse o sinal dos pregos nas suas mãos e não metesse o dedo nesse sinal dos pregos e a mão no seu peito, não acreditaria. Mas Jesus respondeu ao desafio da incredulidade. Oito dias depois, estando as portas fechadas, veio, pôs-se no meio deles, saudou-os como na visita anterior e disse a Tomé: “Olha as minhas mãos: chega cá o teu dedo! Estende a tua mão e põe-na no meu peito. E não sejas incrédulo, mas fiel.”.
Foi quando Tomé, caindo em si, exclamou: “Meu Senhor e meu Deus!”. Ao que Jesus replicou: “Porque me viste, acreditaste. Felizes os que creem sem terem visto!”.
Não é, pois, sem razão, que o II domingo da Páscoa é denominado o Dia da Divina Misericórdia. Com efeito, como o pastor zeloso é capaz de deixar as 99 ovelhas no deserto e vai à procura da ovelha perdida e, carregando-a ao ombro, chega ao pé dos amigos e insta-os à alegria pelo encontro, ou como o bom samaritano se abeirou do homem ferido e prostrado na valeta, também o Ressuscitado vem à procura do incrédulo para lhe mostrar a realidade da ressurreição através das marcas da Paixão e desafiando-o a ver e palpar.
Por isso, o Padre Laureano Alves dizia hoje na Igreja dos Passionistas, em Santa Maria da Feira, que as marcas da Morte do Senhor perduram para depois ressurreição. E eu acrescento “como dados instrumentais do apelo à fé e como garantia da certeza da nossa futura ressurreição. Na verdade, o Ressuscitado não é um fantasma nem outro homem que não o Crucificado, o que andou pelo mundo fazendo o bem. E, se o sinal eucarístico – da toma do pão, bênção e partilha – dado pelo Ressuscitado é eloquente, não podemos esquecer que esse sinal tem a marca da morte e da ressurreição, porque é corpo do Senhor entregue por nós e o seu sangue derramado por nós e pela multidão. E, não podemos deixar de vincar que, se a morte do Senhor causou o medo e a dispersão, o facto da ressurreição gera a alegria porque o Senhor está connosco.     
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Triunfando das limitações terrenas, o Ressuscitado aparece aos discípulos, agora irmãos, dando-lhes, na efusão do Espírito Santo, a paz e a alegria da salvação e a missão do anúncio a todos os homens.
No I domingo da Páscoa, a festa baseava-se nas notícias trazidas pelas mulheres que foram ao túmulo e nos apóstolos que foram verificar o fenómeno do túmulo vazio, tendo o discípulo amado visto e acreditado. Ouvimos o anúncio da Ressurreição do Senhor e com toda a Igreja deixamo-nos invadir pela alegria.

No II domingo, a festa baseia-se na realidade vivenciada pelo coletivo apostólico e na confissão de Tomé a quem Jesus condescendeu em mostrar as chagas pelas quais fomos curados.
Depois, temos a visão apocalíptica (Ap 1,9-19), em que João reconhece o Ressuscitado no Filho de homem vestido com longa túnica cingida de cinta de ouro. Ouve o Senhor dizer-lhe “Eu sou Aquele que vive. Aquele que possui a vida que domina a morte e liberta quem quer”. É o Rei, o Sacerdote, Aquele em quem e por quem somos ensinados. Por isso, a Igreja proclama com toda a certeza a ressurreição de Cristo, mostrando com a perícopa dos Atos dos Apóstolos (At 5,12-16) que, no cumprimento do que diz o Evangelho de Marcos, “o Senhor cooperava com eles [os apóstolos], confirmando a Palavra com os sinais que a acompanhavam”, se juntavam em massa “homens e mulheres, acreditando no Senhor, a ponto de trazerem os doentes para as ruas e os colocarem em enxergas e catres, a fim de que, à passagem de Pedro, ao menos a sua sombra cobrisse alguns deles; e a multidão vinha também das cidades próximas de Jerusalém, transportando enfermos e atormentados por espíritos malignos, e todos eram curados”.
Porém, o Evangelho de João, ao mostrar-nos Tomé quer dizer-nos que nós somos como ele: temos muita dificuldade em acreditar sem ver, sem experimentar. Como Ele, queremos ter sinais de que o Senhor está vivo. Dificilmente nos basta a fé que vem pelo ouvido. Ora, é bom que recordemos a frase sentenciosa do Senhor: “Felizes aqueles que creem mesmo sem terem visto”.
O Evangelho diz-nos que, oito dias depois da primeira aparição de Jesus aos discípulos no dia da Sua Ressurreição, estando Tomé com eles, Jesus reaparece, saúda-os e aproxima-Se de Tomé como se viesse propositadamente para o convencer, lembrando-lhe as suas exigências, a sua necessidade de experimentar, propondo-lhe que o faça. Tomé reconhece-O imediatamente e prostra-se diante d’Ele, dizendo: “Meu Senhor e meu Deus” – um belo ato de adoração.
O incrédulo sincero não precisou de tocar o corpo de Cristo, bastou-lhe que Ele Se apresentasse e lhe propusesse fazê-lo para ficar convencido da realidade. O que convenceu Tomé não foi a experiência de meter as mãos nas chagas do Senhor, mas o modo modesto, humilde e cheio de dignidade como Jesus Se apresentou, uma presença muito particular do Senhor em que se estabeleceu a mútua comunicação pessoal, o encontro que deixa marcas no coração.
E o encontro com o Senhor capacita o apóstolo para, animado pelo Espírito Santo, rezar e ir ao encontro dos homens a pregar e a oferecer o perdão como o grande fruto da Páscoa!
2019.04.28 – Louro de Carvalho

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