Não, não
me esqueci dos amigos e amigas e da obrigação e gosto de fazer votos de boa,
feliz,
rica
(não
avara) e santa
Páscoa para todos e todas. Todavia, tenho de confessar que senti a necessidade
de ler mais, e mais devagar, nestes dias e que os dois últimos textos que
escrevi me deram bastante mais trabalho do que estava a pensar. Por outro lado,
aproveitei para ir refletindo até me perder, por vezes, nas leituras que a
obrigação de citar e de verificar me levava a fazer.
***
O dia de
hoje, Sábado Santo, é considerado
pelos peritos da liturgia como dia alitúrgico, não sei se com grande exatidão.
Com efeito, não é permitida a celebração da Missa e dos demais sacramentos, a
não ser em caso de manifesta urgência (como é o caso da Santa
Unção e do Viático).
Por outro lado, há nubentes que pedem a celebração do matrimónio neste dia e
não vi quem opusesse óbice. Não obstante, a mesma Liturgia prescreve a
recitação ou canto do Ofício de Leituras,
da Hora de Laudes, da Hora Intermédia, da Hora de Vésperas e da Hora de Completas (evidentemente que a Missa da
Vigília, que se deve iniciar após o pôr do sol, já é liturgia da Páscoa, que
não do sábado e os que nela participam estão dispensados do Ofício de Leituras).
Ora, a
Liturgia das Horas, embora possa e deva ser prática pessoal quando não há
comunidade que a faça, é de sua natureza oração comunitária e oração oficial da
Igreja, pelo que a atribuição de índole alitúrgica a este dia me parece
inexata. Porém, é de aceitar no contexto da análise contrastiva em relação aos
outros dias.
Hoje, os
redimidos são instados a meditar no sinal de Jonas. Como refere o Evangelho de
Lucas (vd
Lc 11,29-32), as
multidões afluíam em massa e Jesus começou a dizer:
“Esta
geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal
algum, a não ser o de Jonas. Pois, assim como Jonas foi um sinal para os
ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. A rainha do
Sul há de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há
de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de
Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! Os ninivitas hão de
levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão de condená-la,
porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é
maior do que Jonas.”.
Ora, o novo
Jonas é Jesus Cristo. Ele é o sinal de Jonas atualizando e atuante. Não se
esperava que Jonas, engolido pelo grande peixe, sobrevivesse, pelo que era dado
como morto. Porém, Jonas orou com esperança em
Deus, crendo que seria libertado de seu “sepultamento” (Jn 2,6-7), e Deus mandou que
o peixe vomitasse Jonas em terra firme e ele sobreviveu. Também, mesmo que os apóstolos se
tenham esquecido de que Jesus prometera ressuscitar ao terceiro dia, Ele
levantou-Se do túmulo e lembrou-lhes a missão de que os incumbira. Se os homens
não crerem no sinal de Jonas, nenhum sinal lhes será suficiente, dada a dureza
dos corações. E, como refere o Evangelho de Lucas, o Senhor havia de afirmar,
na parábola do rico epulão: “Não crerão,
mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,31). Mesmo com a ressurreição de Lázaro, os pontífices e os
fariseus reagiram: “Que faremos? Este
homem multiplica os milagres. Se o deixarmos proceder assim, todo crerão nele”
(Jo 11,47-48). Ora, não foi por falta de sinais e
ensinamentos que não acreditaram.
A história de Jonas era muito conhecida pelo público de Jesus. Na
tradição judaica, o profeta era célebre mais pela sua libertação miraculosa do
que pelo seu conhecido trabalho missionário em Nínive. Jesus valeu-se disso
para pré-anunciar a sua própria ressurreição, que seria o maior de todos os
sinais por Ele realizados até então. Depois da sua morte completa e definitiva,
depois de ser retirado da cruz, depois de ser sepultado num túmulo novo cavado
em rocha, depois da colocação de uma pesada pedra sobre a boca do sepulcro,
depois da instalação dum selo de segurança na pedra, depois da colocação de uma
escolta policial dia e noite junto ao túmulo e depois de três dias de espera –
o Senhor ressuscitou dentre os mortos. Era o espetacular “sinal de Jonas” que
Jesus havia prometido.
Porém, os escribas e fariseus viram a pedra que servia de tampa
removida, o túmulo vazio, as faixas de linho, bem como o lenço que estivera
sobre a cabeça de Jesus dobrado à parte; viram o próprio Senhor, as suas mãos e
pés onde estavam as cicatrizes deixadas pelos cravos; viram-No comer um pedaço
de peixe assado e viram a ascensão de Jesus até que uma nuvem o encobriu.
Ouviram a sua voz. Poderiam ter tocado o seu corpo, se o quisessem ou se o
sentissem necessário. Viram o Senhor ressuscitado muitas vezes, com muitas provas,
em lugares e situações diferentes por um período de 40 dias, entre a
ressurreição e a ascensão. O povo de Jerusalém viu a mudança ocorrida nos discípulos
de Jesus devido graças à ressurreição. Queriam ver um sinal vindo do céu e
acabaram por ver o “sinal de Jonas”, o maior de todos os sinais que indicam que
o Reino chegou.
Os escribas e fariseus viram, não naquele dia, mas pouco depois. Se não
viram, pelo menos ficaram sabendo do “sinal de Jonas”, pois as mulheres da Galileia
viram, Pedro e João viram, os Doze viram, mais de 500 irmãos viram, Tiago viu e,
depois de todos, Saulo viu (1Cor 15,5-8).
Por outro
lado, por uma questão de arrumação teológica, o Sábado Santo é o dia, concebido
à maneira humana, como aquele em que Jesus desce à mansão dos mortos a garantir
que a sua Paixão e Morte também os redimiu – isto para sabermos que os méritos
da redenção, obtida por Cristo, beneficiam todos os que esperaram a redenção,
os que a esperam e os que a hão de esperar – em todos os tempos e lugares, pois
Deus não faz aceção de pessoas.
Entretanto, o
Sábado Santo exprime na liturgia, a desolação pela morte de Cristo e o silêncio
do sepulcro, a dor de Maria, a que se associa a dor da Igreja reunida ou na diáspora
em saída às periferias, mas os redimidos mantêm-se em atitude de espera até que
possam entoar os “aleluias” da Páscoa. Da soledade de Maria, acompanhada pela
piedade cristã discipular, e da inexcedível dor de Cristo vai passar-se ao
júbilo pela nova Criação operada por Cristo, pela exposição do banho pascal ao
dispor dos crentes. Rebenta o verde “aleluia” e ressalta alvura das vestes
pascais nas igrejas, nas ruas, nos montes e vales, nos campos e nas florestas;
cantam as almas, consolida-se a Igreja no seu ser e missão; estende-se a
salvação aos pobres, aos que se esvaziam de si próprios; e ganham para todos e
cada um o pão nosso de cada dia e que Deus quer dar de bom grado a todos e cada
um.
***
Neste
contexto, peço a Deus para todos os amigos e amigas uma Páscoa boa,
que responda aos seus sonhos de vida, satisfaça os seus projetos pessoais, familiares,
profissionais, sociais ou políticos; feliz, que dê tranquilidade, paz,
gosto de viver e de conviver; rica (não avara), de modo que todos e todas tenham o pão de cada dia, a que
têm direito, sem terem de o mendigar, e que possam fazer alguma acumulação para
proverem a tempos em que a saúde, o cansaço ou a incapacidade façam exigências
especiais e para que possam partilhar do que têm com os semelhantes numa linha
de solidariedade, baseada na caridade de Jesus Cristo, e almejando a realização
da justiça, de modo que todos sejam recompensados justamente pelo trabalho que
fazem e todos tenham aquilo de que precisam, mesmo que não possam trabalhar; e santa,
pela qual desejo que o reforço da fé dos amigos e amigas crentes, a
consolidação da sua vivência de fé com consequências na vida da comunidade; e pela
qual espero que os/as não crentes aja, sempre segundo os ditames da sua
consciência, cada vez mais apurada, de olhos e ouvidos abertos ao espírito, à
cultura e às necessidades dos demais e tenham uns lábios bendizentes, um
coração sempre benéfico, umas mãos de afeto e trabalho, uns pés de mensageiros
de paz e um perfil global de serenidade e amizade.
***
Em suma,
votos de boa, feliz, rica e santa
Páscoa para todos e todas – amigos e amigas.
2019.04.20 – Louro de Carvalho
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