sábado, 20 de abril de 2019

Boa, feliz, rica e santa Páscoa!


Não, não me esqueci dos amigos e amigas e da obrigação e gosto de fazer votos de boa, feliz, rica (não avara) e santa Páscoa para todos e todas. Todavia, tenho de confessar que senti a necessidade de ler mais, e mais devagar, nestes dias e que os dois últimos textos que escrevi me deram bastante mais trabalho do que estava a pensar. Por outro lado, aproveitei para ir refletindo até me perder, por vezes, nas leituras que a obrigação de citar e de verificar me levava a fazer.
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O dia de hoje, Sábado Santo, é considerado pelos peritos da liturgia como dia alitúrgico, não sei se com grande exatidão. Com efeito, não é permitida a celebração da Missa e dos demais sacramentos, a não ser em caso de manifesta urgência (como é o caso da Santa Unção e do Viático). Por outro lado, há nubentes que pedem a celebração do matrimónio neste dia e não vi quem opusesse óbice. Não obstante, a mesma Liturgia prescreve a recitação ou canto do Ofício de Leituras, da Hora de Laudes, da Hora Intermédia, da Hora de Vésperas e da Hora de Completas (evidentemente que a Missa da Vigília, que se deve iniciar após o pôr do sol, já é liturgia da Páscoa, que não do sábado e os que nela participam estão dispensados do Ofício de Leituras).
Ora, a Liturgia das Horas, embora possa e deva ser prática pessoal quando não há comunidade que a faça, é de sua natureza oração comunitária e oração oficial da Igreja, pelo que a atribuição de índole alitúrgica a este dia me parece inexata. Porém, é de aceitar no contexto da análise contrastiva em relação aos outros dias.
Hoje, os redimidos são instados a meditar no sinal de Jonas. Como refere o Evangelho de Lucas (vd Lc 11,29-32), as multidões afluíam em massa e Jesus começou a dizer:
Esta geração é uma geração perversa; pede um sinal, mas não lhe será dado sinal algum, a não ser o de Jonas. Pois, assim como Jonas foi um sinal para os ninivitas, assim o será também o Filho do Homem para esta geração. A rainha do Sul há de levantar-se, na altura do juízo, contra os homens desta geração e há de condená-los, porque veio dos confins da terra para ouvir a sabedoria de Salomão; ora, aqui está quem é maior do que Salomão! Os ninivitas hão de levantar-se, na altura do juízo, contra esta geração e hão de condená-la, porque fizeram penitência ao ouvir a pregação de Jonas; ora, aqui está quem é maior do que Jonas.”.
Ora, o novo Jonas é Jesus Cristo. Ele é o sinal de Jonas atualizando e atuante. Não se esperava que Jonas, engolido pelo grande peixe, sobrevivesse, pelo que era dado como morto. Porém, Jonas orou com esperança em Deus, crendo que seria libertado de seu “sepultamento” (Jn 2,6-7), e Deus mandou que o peixe vomitasse Jonas em terra firme e ele sobreviveu. Também, mesmo que os apóstolos se tenham esquecido de que Jesus prometera ressuscitar ao terceiro dia, Ele levantou-Se do túmulo e lembrou-lhes a missão de que os incumbira. Se os homens não crerem no sinal de Jonas, nenhum sinal lhes será suficiente, dada a dureza dos corações. E, como refere o Evangelho de Lucas, o Senhor havia de afirmar, na parábola do rico epulão: “Não crerão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos” (Lc 16,31). Mesmo com a ressurreição de Lázaro, os pontífices e os fariseus reagiram: “Que faremos? Este homem multiplica os milagres. Se o deixarmos proceder assim, todo crerão nele” (Jo 11,47-48). Ora, não foi por falta de sinais e ensinamentos que não acreditaram.  
A história de Jonas era muito conhecida pelo público de Jesus. Na tradição judaica, o profeta era célebre mais pela sua libertação miraculosa do que pelo seu conhecido trabalho missionário em Nínive. Jesus valeu-se disso para pré-anunciar a sua própria ressurreição, que seria o maior de todos os sinais por Ele realizados até então. Depois da sua morte completa e definitiva, depois de ser retirado da cruz, depois de ser sepultado num túmulo novo cavado em rocha, depois da colocação de uma pesada pedra sobre a boca do sepulcro, depois da instalação dum selo de segurança na pedra, depois da colocação de uma escolta policial dia e noite junto ao túmulo e depois de três dias de espera – o Senhor ressuscitou dentre os mortos. Era o espetacular “sinal de Jonas” que Jesus havia prometido.
Porém, os escribas e fariseus viram a pedra que servia de tampa removida, o túmulo vazio, as faixas de linho, bem como o lenço que estivera sobre a cabeça de Jesus dobrado à parte; viram o próprio Senhor, as suas mãos e pés onde estavam as cicatrizes deixadas pelos cravos; viram-No comer um pedaço de peixe assado e viram a ascensão de Jesus até que uma nuvem o encobriu. Ouviram a sua voz. Poderiam ter tocado o seu corpo, se o quisessem ou se o sentissem necessário. Viram o Senhor ressuscitado muitas vezes, com muitas provas, em lugares e situações diferentes por um período de 40 dias, entre a ressurreição e a ascensão. O povo de Jerusalém viu a mudança ocorrida nos discípulos de Jesus devido graças à ressurreição. Queriam ver um sinal vindo do céu e acabaram por ver o “sinal de Jonas”, o maior de todos os sinais que indicam que o Reino chegou.
Os escribas e fariseus viram, não naquele dia, mas pouco depois. Se não viram, pelo menos ficaram sabendo do “sinal de Jonas”, pois as mulheres da Galileia viram, Pedro e João viram, os Doze viram, mais de 500 irmãos viram, Tiago viu e, depois de todos, Saulo viu (1Cor 15,5-8).
Por outro lado, por uma questão de arrumação teológica, o Sábado Santo é o dia, concebido à maneira humana, como aquele em que Jesus desce à mansão dos mortos a garantir que a sua Paixão e Morte também os redimiu – isto para sabermos que os méritos da redenção, obtida por Cristo, beneficiam todos os que esperaram a redenção, os que a esperam e os que a hão de esperar – em todos os tempos e lugares, pois Deus não faz aceção de pessoas.       
Entretanto, o Sábado Santo exprime na liturgia, a desolação pela morte de Cristo e o silêncio do sepulcro, a dor de Maria, a que se associa a dor da Igreja reunida ou na diáspora em saída às periferias, mas os redimidos mantêm-se em atitude de espera até que possam entoar os “aleluias” da Páscoa. Da soledade de Maria, acompanhada pela piedade cristã discipular, e da inexcedível dor de Cristo vai passar-se ao júbilo pela nova Criação operada por Cristo, pela exposição do banho pascal ao dispor dos crentes. Rebenta o verde “aleluia” e ressalta alvura das vestes pascais nas igrejas, nas ruas, nos montes e vales, nos campos e nas florestas; cantam as almas, consolida-se a Igreja no seu ser e missão; estende-se a salvação aos pobres, aos que se esvaziam de si próprios; e ganham para todos e cada um o pão nosso de cada dia e que Deus quer dar de bom grado a todos e cada um.
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Neste contexto, peço a Deus para todos os amigos e amigas uma Páscoa boa, que responda aos seus sonhos de vida, satisfaça os seus projetos pessoais, familiares, profissionais, sociais ou políticos; feliz, que dê tranquilidade, paz, gosto de viver e de conviver; rica (não avara), de modo que todos e todas tenham o pão de cada dia, a que têm direito, sem terem de o mendigar, e que possam fazer alguma acumulação para proverem a tempos em que a saúde, o cansaço ou a incapacidade façam exigências especiais e para que possam partilhar do que têm com os semelhantes numa linha de solidariedade, baseada na caridade de Jesus Cristo, e almejando a realização da justiça, de modo que todos sejam recompensados justamente pelo trabalho que fazem e todos tenham aquilo de que precisam, mesmo que não possam trabalhar; e santa, pela qual desejo que o reforço da fé dos amigos e amigas crentes, a consolidação da sua vivência de fé com consequências na vida da comunidade; e pela qual espero que os/as não crentes aja, sempre segundo os ditames da sua consciência, cada vez mais apurada, de olhos e ouvidos abertos ao espírito, à cultura e às necessidades dos demais e tenham uns lábios bendizentes, um coração sempre benéfico, umas mãos de afeto e trabalho, uns pés de mensageiros de paz e um perfil global de serenidade e amizade.
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Em suma, votos de boa, feliz, rica e santa Páscoa para todos e todas – amigos e amigas.
2019.04.20 – Louro de Carvalho

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