Foi lida, no
dia 5 de abril, no Tribunal de Sintra, a sentença condenatória de um dos
agentes agressores da PSP da Amadora, que a Direção Nacional da PSP já tinha
afastado da atividade operacional, mas que pode vir a ser expulso da polícia após
o trânsito em julgado da decisão judicial.
Eram
dois arguidos, mas só um foi condenado. O agente foi
condenado a 2 anos e 8 meses de prisão – mas a pena fica suspensa por 2 anos – e
a pagar 10 mil euros de indemnização à vítima por a ter agredido violentamente durante
o trajeto para a esquadra e nas instalações policiais.
A vítima, um
rapaz, foi espancada, despida e obrigada a fazer flexões para gozo dos
polícias. Eram vários, mas só foi condenado o que já tinha antes sido condenado
a pagar uma multa de 680 euros por, sem motivo comprovado, ter dado uma chapada
a um rapaz.
O agressor,
ora condenado em 1.ª instância (Tribunal de Sintra), está desde a data dos factos, em 2015, afastado de funções operacionais
e foi transferido para outro comando, onde faz trabalho de secretaria. A
direção nacional da PSP instaurou-lhe processo disciplinar e, como adiantou
fonte oficial, “após a notificação formal da sentença transitada em julgado”,
será apreciada “em sede de processo interno a pena” a aplicar-lhe. Na prática, caso se mantenha a decisão após todos
os recursos esgotados, “poderá ser expulso da polícia ou ser sujeito a uma
suspensão agravada de funções, por exemplo, estar seis meses sem trabalhar e sem
salário.
***
Os factos
que suportam a sentença lida no tribunal de Sintra – onde será lido a de outros
16 agentes da mesma esquadra que foram acusados de tortura e
racismo por outras agressões no mesmo ano – remontam a maio de 2015,
quando o ora condenado e outros agentes entraram, pelas 23,20 horas, num
restaurante na Amadora, para procederem a uma fiscalização.
Um dos
polícias deu ordem de saída a quem ali se encontrava usando palavras e
expressões inadequadas ao decoro. E um dos clientes, que estava a jantar, já
tarde, depois dum longo dia de trabalho, foi encostado a uma grade no exterior
e revistado. Ora um dos circunstantes não gostou e exclamou dirigido aos
polícias: “Isto é uma atitude de broncos”
e “cambada de burgessos”, pelo que foi
algemado e levado para a esquadra. Uma agente – também julgada no processo, mas
absolvida – empurrou-o contra a grade e deu-lhe uma pancada nas costas antes de
o prender com as algemas.
O tribunal considerou ainda como provado que, na carrinha, os polícias do
grupo de fiscalização “desferiram vários murros na cabeça do ofendido e,
fazendo uso das botas que calçavam, pisaram o mesmo na zona da cabeça e da
face”. E o ofendido, que “virou a cabeça para baixo para se defender”, gritava
por “socorro”. Porém, o agressor, ora condenado, como descreve a sentença, “inclinou-se para o ofendido e rodeou o pescoço do mesmo com os braços,
apertando-o, causando-lhe dificuldade em respirar, ao mesmo tempo que afirmava
que o iria matar”.
Na esquadra –
a antiga esquadra de Alfragide onde está instalada a Esquadra de Intervenção e
Fiscalização Policial, a dos factos do megaprocesso de racismo – o ofendido foi
logo recebido com um pontapé na barriga por parte do agressor, acompanhado à
casa de banho por um agente que a investigação do MP (Ministério
Público) da Amadora, que não conseguiu
identificar, e mandado despir “até ficar integralmente nu e fazer flexões de
pernas”. Depois, vários
agentes começaram a desferir-lhe pancadas no corpo com os cassetetes “atingindo-o
na zona da cabeça, dos ombros e da perna”. E, até o advogado chegar, ficou
sentado num banco, enquanto vários agentes, ao cruzarem com ele, o atingiam com
“bofetadas de mão aberta”.
E, perto das duas horas da madrugada,
foi levado à urgência hospitalar com vários hematomas, traumatismos e escoriações,
perdurando as dores por duas semanas, a que se juntou a angústia e o receio
pela própria vida, além das “dificuldades em conciliar o sono por um período de
tempo não apurado, bem como sentimentos de insegurança relativamente a abordagens
e intervenções policiais”.
Os juízes
ouviram várias testemunhas, incluindo os polícias que participaram na
fiscalização, tendo concluído que os agentes, “a par de contradições insanáveis
dos 6 depoimentos conjugados entre si” e “à luz das declarações dos arguidos”,
evidenciaram “ter apresentado de modo deliberado uma versão factual
parcialmente falsa” dos acontecimentos. Mentiram!
A sentença vinca o facto de o comissário comandante daquela
esquadra e uma das testemunhas abonatórias dos 16 agentes que aguardam sentença
pelas agressões a 6 jovens da Cova da Moura – ter mostrado no depoimento em
tribunal “não possuir qualquer razão de ciência quanto aos factos em apreço,
limitando-se a abonar favoravelmente os arguidos como pessoas e profissionais
da PSP”.
Antes deste julgamento, o ofendido tinha sido presente em tribunal,
acusado pelos polícias por três crimes de ofensa à integridade física
qualificada e dois de injúrias agravadas. Mas, como os agentes mentiram no auto
de notícia, foi absolvido dos crimes de que o acusavam, à exceção de um de
injúria, pelo qual foi sancionado com uma admoestação. Foi então que o MP da Amadora decidiu extrair uma certidão e dar uma volta
de 180º no processo, embora só tenha conseguido acusar dois a agentes: o ora
condenado e a absolvida. Apesar de já ter sido antes condenado por agressões,
como essa sentença ainda não transitou em julgado, o tribunal atenuou a pena ao
arguido pelo facto de “não ter antecedentes criminais” e considerou excessiva a
indemnização de 40 mil euros, requerida, reduzindo o valor para 10 mil. Especifica a sentença em causa:
“O
arguido agiu no exercício das suas funções de agente de uma força de segurança
pública, em conjunto com vários outros elementos desta, com elevada
agressividade física e verbal, ademais claramente despropositada, alheado dos
seus deveres de proteção do cidadão e da comunidade enquanto polícia. (…) Procurou fazer vingar uma versão dos factos que sabia não
corresponderem à verdade, denotando incapacidade de interiorizar a ilicitude da
sua ação. O dolo com que o arguido atuou foi direto e, portanto, de intensidade
elevada.”.
***
O arguido ora condenado, como foi referido acima,
já tinha antecedentes criminais, só que a sentença ainda não transitou em
julgado. Com efeito, foi condenado
por ter dado uma chapada “de mão aberta” a um jovem. O tribunal não acreditou
na versão de quatro polícias e o agente foi condenado por ofensa à integridade
física qualificada.
De facto, como
refere o DN, de 17 de abril de 2018, um
rapaz de uns 20 anos passeava na sua bicicleta, em plena luz do dia, numa rua
da Amadora. Atirou uma beata de cigarro ao chão e foi parado por quatro agentes
fardados da PSP. No momento da abordagem, um dos polícias, na altura dos
acontecimentos (2016) com 27
anos, a prestar serviço no comando da Amadora, “sem que qualquer motivo o
justificasse, desferiu uma chapada, de mão aberta, na face esquerda” do
transgressor. Esta foi a versão que o tribunal considerou verdadeira e, por
isso, condenou o arguido a pena de prisão de três meses, convertida em 680
euros de multa, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. A
sentença foi lida no dia 5 de abril de 2018.
A versão do
arguido, corroborada pelos três agentes que o acompanhavam na patrulha, foi
considerada “não provada” pelos juízes. O seu teor era o seguinte:
“Numa atitude agressiva e provocatória, [o transgressor ]encostou a sua
cabeça à cabeça do agente, tendo este último empurrado o corpo daquele na zona
da cara, o que fez apenas com o intuito de salvaguardar a sua integridade
física”.
Apesar de “corroborada,
no essencial”, pelos três agentes referidos, o tribunal concluiu que “a versão
apresentada pelo arguido”, além de não ter resistido no confronto com a demais
prova produzida no julgamento”, surgiu como “verdadeiramente inverosímil”. A
sentença refere:
“Não faz sentido que um indivíduo de cerca de 20 anos, com a compleição
física do queixoso e que foi diretamente constatada pelo tribunal em sede de
audiência de julgamento, fosse ter a conduta em causa para com um agente da
polícia, desafiando-o e procurando com o mesmo ter contacto físico, quando se
encontravam presentes no local pelo menos três outros agentes da autoridade
(para lá daqueles que chegaram ao local na carrinha policial) e que,
naturalmente, nessa sequência, poderiam atuar e detê-lo”.
Os testemunhos
dos agentes foram considerados como mentiras:
“Uma certeza exagerada, como pormenores muito coincidentes, num relato
algo forçado e, por isso, próprio de quem quer convencer de uma realidade que
não ocorreu. (...) A postura corporal, os silêncios e concreta verbalização do
discurso apresentado pelas testemunhas de defesa não foi de molde a convencer o
tribunal da realidade por si relatada.”.
Em contrapartida,
com é sublinhado na sentença, as testemunhas do ofendido foram “perentórias” em
confirmar a sua versão e garantiram não ter presenciado qualquer movimento
provocatório contra o polícia. “Depuseram com naturalidade, objetividade e
espontaneidade”.
Em relação
ao agredido, que terá sido o melhor aluno da sua turma quando frequentou o
Agrupamento de Escolas de Alfornelos, é referido que “se apresentou em
audiência de julgamento com uma postura correta, depondo com seriedade e
segurança, respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas com
espontaneidade e assertividade, sem nunca vacilar”, tendo merecido “inteira
credibilidade” o seu depoimento.
Os
magistrados lamentam que, na altura do julgamento, cerca de dois anos depois do
incidente, o agente da PSP, cuja conduta consideram “inaceitável” e causadora
de “alarme social”, não se tenha mostrado arrependido.
Também foi
tida em conta na censura a localização geográfica do incidente, o concelho da Amadora,
onde houve mais casos de agressões, como a que envolveu os 18 polícias da
esquadra de Alfragide, acusados de tortura e racismo. Assim, o tribunal entendeu
que o agente não podia “desconhecer” que a sua atitude, logo na área da comarca
de Amadora, onde a intervenção policial tem um papel preponderante, suscitava “forte
reprovação e desvalor social”.
***
Entretanto,
soube-se, em janeiro de 2018, que a IGAI (Inspeção-Geral da Administração
Interna) enviou uma nota à PSP, à GNR e ao SEF (Serviço de
Estrangeiros e Fronteiras) a lembrar
que as forças policiais não podem identificar pessoas, sobretudo menores, só
por estarem em local considerado sensível se não houver suspeitas fundadas de
crime, e que só devem conduzir um cidadão a um posto policial para
identificação em último recurso. A IGAI citava, para o efeito, um acórdão do TRL
(Tribunal da
Relação de Lisboa), de 27 de abril
de 2017, que proferiu decisão sobre um caso concreto da atuação policial, para
exemplificar o que é o legítimo direito à resistência:
“O não cumprimento dos requisitos
legais para a realização da identificação, quer no local onde o mesmo se
encontra quer com a sua condução ao posto policial, poderá permitir ao
identificando o exercício do direito legítimo de resistência”.
Segundo o
predito acórdão, “para se proceder à identificação de uma pessoa não basta que
o local público em que a mesma se encontra seja um “local sensível”, (...),
exigindo, contudo, que existam fundadas suspeitas sobre essa pessoa da prática
de crimes”.
***
Isto
responde ao sucedido a 17 de julho de 2015, pouco depois da meia-noite. Um
cidadão, saído do autocarro n.º 746, seguia a pé na Rua de Goa, junto ao Bairro
6 de Maio, na Amadora, quando uma viatura da PSP com dois agentes parou,
ficando atravessada de forma a impedir o acesso a uma passagem pedonal. “Apesar de não ter sido visto a praticar qualquer
crime”, diz a acusação do MP, o homem de 21 anos foi abordado pelos agentes a
saber o que fazia ali e se tinha droga. Houve
revista e nada foi encontrado. Tendo sido pedida a identificação, o jovem
forneceu-a verbalmente: que residia a poucos metros e que podia ir a casa
buscar o Cartão de Cidadão ou pedir à sua mulher que lho levasse.
Os agentes concordaram,
mas, quando o ofendido já se encontrava de costas e se dirigia para casa a buscar
a identificação, aduziram que estava a armar-se
“em espertinho” e a não querer cooperar, deram-lhe voz de detenção e
informaram-no que ia seguir para a esquadra, “tendo o ofendido começado a
esbracejar e a contorcer-se, sentando-se no chão, tudo com vista a dificultar
ou impedir que fosse algemado”.
Então, ambos os
agentes desferiram-lhe cotoveladas no pescoço, tendo uma delas provocado a sua
queda contra os vasos colocados à porta da farmácia local, deram-lhe murros nas
costas e no abdómen, deram-lhe pancadas na cabeça com as algemas, arrastaram-no
e empurraram-no ao ponto de ficar temporariamente inanimado, momento em que foi
algemado e introduzido à força no interior do carro-patrulha. E, durante o trajeto, o homem levou várias cotoveladas
na cara, por parte do agente que ia sentado ao lado.
Na esquadra
da Venda Nova, o detido ora foi posto numa sala, algemado, enquanto os agentes
ora “o empurravam contra as paredes, ora o puxavam, embatendo numa mesa e
duas cadeiras, rasgando-lhe a roupa e provocando, assim, dores e mal-estar no
corpo e na saúde do ofendido. Sofreu
várias lesões, desde lombalgias, escoriações, arranhões a traumatismos e, por
consequência, esteve quatro dias sem ir trabalhar.
Embora soubessem
que não podiam abordar nenhum cidadão nas circunstâncias em que o fizeram e que
não havia qualquer juízo de suspeição, os agentes elaboraram auto em que afirmavam
que o cidadão não quis ser identificado e que tentou fugir do local, o que
motivou a detenção com recurso à força. No mesmo auto, afirmavam que o homem os
injuriou e manteve uma postura agressiva, tendo por isso ficado algemado. Diz o MP que os agentes “praticaram os factos supradescritos com flagrante e grave abuso
da função em que estavam investidos e com grave violação dos deveres de
isenção, zelo, lealdade, correção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade
no exercício dos cargos para que tinham sido investidos, tendo, como
consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função”. Além
disso, diz a acusação que os agentes,
que estão com termo de identidade e residência, deviam ser suspensos de
funções, por existir o perigo de continuidade de atividade criminosa. Porém,
este pedido do MP não foi aceite pelo juiz de instrução e os dois polícias permanecem
em funções, embora sob a alçada disciplinar da IGAI por violação de deveres devido
aos factos constantes da acusação.
Este caso
ocorreu meses depois de outra situação, mais grave, a verificada na esquadra de
Alfragide, em que a detenção de cidadãos originou um inquérito-crime a 18
agentes da PSP por factos ocorridos no interior da instalação policial e cujo
julgamento está a decorrer.
***
São, como se
vê, vários os casos de conduta censurável na PSP, embora não seja lícita a generalização.
Por isso, se compete aos agentes afinar a sua conduta em conformidade com a lei,
até para poderem agir com reconhecida autoridade quando se justificar, devem
também os cidadãos conhecer aquilo a que a polícia os não pode ser submeter em
nome da dignidade. É sempre bom sabermos em que lei vivemos, quais os nossos
direitos e os nossos deveres, para cumprirmos e reclamarmos como mesmo à
vontade.
2019.04.07 – Louro de Carvalho
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