domingo, 7 de abril de 2019

Agente da PSP da Amadora condenado pela segunda vez por agressões


Foi lida, no dia 5 de abril, no Tribunal de Sintra, a sentença condenatória de um dos agentes agressores da PSP da Amadora, que a Direção Nacional da PSP já tinha afastado da atividade operacional, mas que pode vir a ser expulso da polícia após o trânsito em julgado da decisão judicial.
Eram dois arguidos, mas só um foi condenado. O agente foi condenado a 2 anos e 8 meses de prisão – mas a pena fica suspensa por 2 anos – e a pagar 10 mil euros de indemnização à vítima por a ter agredido violentamente durante o trajeto para a esquadra e nas instalações policiais.
A vítima, um rapaz, foi espancada, despida e obrigada a fazer flexões para gozo dos polícias. Eram vários, mas só foi condenado o que já tinha antes sido condenado a pagar uma multa de 680 euros por, sem motivo comprovado, ter dado uma chapada a um rapaz.
O agressor, ora condenado em 1.ª instância (Tribunal de Sintra), está desde a data dos factos, em 2015, afastado de funções operacionais e foi transferido para outro comando, onde faz trabalho de secretaria. A direção nacional da PSP instaurou-lhe processo disciplinar e, como adiantou fonte oficial, “após a notificação formal da sentença transitada em julgado”, será apreciada “em sede de processo interno a pena” a aplicar-lhe. Na prática, caso se mantenha a decisão após todos os recursos esgotados, “poderá ser expulso da polícia ou ser sujeito a uma suspensão agravada de funções, por exemplo, estar seis meses sem trabalhar e sem salário.
***
Os factos que suportam a sentença lida no tribunal de Sintra – onde será lido a de outros 16 agentes da mesma esquadra que foram acusados de tortura e racismo  por outras agressões no mesmo ano – remontam a maio de 2015, quando o ora condenado e outros agentes entraram, pelas 23,20 horas, num restaurante na Amadora, para procederem a uma fiscalização.
Um dos polícias deu ordem de saída a quem ali se encontrava usando palavras e expressões inadequadas ao decoro. E um dos clientes, que estava a jantar, já tarde, depois dum longo dia de trabalho, foi encostado a uma grade no exterior e revistado. Ora um dos circunstantes não gostou e exclamou dirigido aos polícias: “Isto é uma atitude de broncos” e “cambada de burgessos”, pelo que foi algemado e levado para a esquadra. Uma agente – também julgada no processo, mas absolvida – empurrou-o contra a grade e deu-lhe uma pancada nas costas antes de o prender com as algemas. 
O tribunal considerou ainda como provado que, na carrinha, os polícias do grupo de fiscalização “desferiram vários murros na cabeça do ofendido e, fazendo uso das botas que calçavam, pisaram o mesmo na zona da cabeça e da face”. E o ofendido, que “virou a cabeça para baixo para se defender”, gritava por “socorro”. Porém, o agressor, ora condenado, como descreve a sentença, “inclinou-se para o ofendido e rodeou o pescoço do mesmo com os braços, apertando-o, causando-lhe dificuldade em respirar, ao mesmo tempo que afirmava que o iria matar”.
Na esquadra – a antiga esquadra de Alfragide onde está instalada a Esquadra de Intervenção e Fiscalização Policial, a dos factos do megaprocesso de racismo – o ofendido foi logo recebido com um pontapé na barriga por parte do agressor, acompanhado à casa de banho por um agente que a investigação do MP (Ministério Público) da Amadora, que não conseguiu identificar, e mandado despir “até ficar integralmente nu e fazer flexões de pernas”. Depois, vários agentes começaram a desferir-lhe pancadas no corpo com os cassetetes “atingindo-o na zona da cabeça, dos ombros e da perna”. E, até o advogado chegar, ficou sentado num banco, enquanto vários agentes, ao cruzarem com ele, o atingiam com “bofetadas de mão aberta”. E, perto das duas horas da madrugada, foi levado à urgência hospitalar com vários hematomas, traumatismos e escoriações, perdurando as dores por duas semanas, a que se juntou a angústia e o receio pela própria vida, além das “dificuldades em conciliar o sono por um período de tempo não apurado, bem como sentimentos de insegurança relativamente a abordagens e intervenções policiais”.
Os juízes ouviram várias testemunhas, incluindo os polícias que participaram na fiscalização, tendo concluído que os agentes, “a par de contradições insanáveis dos 6 depoimentos conjugados entre si” e “à luz das declarações dos arguidos”, evidenciaram “ter apresentado de modo deliberado uma versão factual parcialmente falsa” dos acontecimentos. Mentiram!
A sentença vinca o facto de o comissário comandante daquela esquadra e uma das testemunhas abonatórias dos 16 agentes que aguardam sentença pelas agressões a 6 jovens da Cova da Moura – ter mostrado no depoimento em tribunal “não possuir qualquer razão de ciência quanto aos factos em apreço, limitando-se a abonar favoravelmente os arguidos como pessoas e profissionais da PSP”.
Antes deste julgamento, o ofendido tinha sido presente em tribunal, acusado pelos polícias por três crimes de ofensa à integridade física qualificada e dois de injúrias agravadas. Mas, como os agentes mentiram no auto de notícia, foi absolvido dos crimes de que o acusavam, à exceção de um de injúria, pelo qual foi sancionado com uma admoestação. Foi então que o MP da Amadora decidiu extrair uma certidão e dar uma volta de 180º no processo, embora só tenha conseguido acusar dois a agentes: o ora condenado e a absolvida. Apesar de já ter sido antes condenado por agressões, como essa sentença ainda não transitou em julgado, o tribunal atenuou a pena ao arguido pelo facto de “não ter antecedentes criminais” e considerou excessiva a indemnização de 40 mil euros, requerida, reduzindo o valor para 10 mil. Especifica a sentença em causa:
O arguido agiu no exercício das suas funções de agente de uma força de segurança pública, em conjunto com vários outros elementos desta, com elevada agressividade física e verbal, ademais claramente despropositada, alheado dos seus deveres de proteção do cidadão e da comunidade enquanto polícia. (…) Procurou fazer vingar uma versão dos factos que sabia não corresponderem à verdade, denotando incapacidade de interiorizar a ilicitude da sua ação. O dolo com que o arguido atuou foi direto e, portanto, de intensidade elevada.”.
***
O arguido ora condenado, como foi referido acima, já tinha antecedentes criminais, só que a sentença ainda não transitou em julgado. Com efeito, foi condenado por ter dado uma chapada “de mão aberta” a um jovem. O tribunal não acreditou na versão de quatro polícias e o agente foi condenado por ofensa à integridade física qualificada.
De facto, como refere o DN, de 17 de abril de 2018, um rapaz de uns 20 anos passeava na sua bicicleta, em plena luz do dia, numa rua da Amadora. Atirou uma beata de cigarro ao chão e foi parado por quatro agentes fardados da PSP. No momento da abordagem, um dos polícias, na altura dos acontecimentos (2016) com 27 anos, a prestar serviço no comando da Amadora, “sem que qualquer motivo o justificasse, desferiu uma chapada, de mão aberta, na face esquerda” do transgressor. Esta foi a versão que o tribunal considerou verdadeira e, por isso, condenou o arguido a pena de prisão de três meses, convertida em 680 euros de multa, pelo crime de ofensa à integridade física qualificada. A sentença foi lida no dia 5 de abril de 2018.
A versão do arguido, corroborada pelos três agentes que o acompanhavam na patrulha, foi considerada “não provada” pelos juízes. O seu teor era o seguinte:
Numa atitude agressiva e provocatória, [o transgressor ]encostou a sua cabeça à cabeça do agente, tendo este último empurrado o corpo daquele na zona da cara, o que fez apenas com o intuito de salvaguardar a sua integridade física”.
Apesar de “corroborada, no essencial”, pelos três agentes referidos, o tribunal concluiu que “a versão apresentada pelo arguido”, além de não ter resistido no confronto com a demais prova produzida no julgamento”, surgiu como “verdadeiramente inverosímil”. A sentença refere:
Não faz sentido que um indivíduo de cerca de 20 anos, com a compleição física do queixoso e que foi diretamente constatada pelo tribunal em sede de audiência de julgamento, fosse ter a conduta em causa para com um agente da polícia, desafiando-o e procurando com o mesmo ter contacto físico, quando se encontravam presentes no local pelo menos três outros agentes da autoridade (para lá daqueles que chegaram ao local na carrinha policial) e que, naturalmente, nessa sequência, poderiam atuar e detê-lo”.
Os testemunhos dos agentes foram considerados como mentiras:
Uma certeza exagerada, como pormenores muito coincidentes, num relato algo forçado e, por isso, próprio de quem quer convencer de uma realidade que não ocorreu. (...) A postura corporal, os silêncios e concreta verbalização do discurso apresentado pelas testemunhas de defesa não foi de molde a convencer o tribunal da realidade por si relatada.”.
Em contrapartida, com é sublinhado na sentença, as testemunhas do ofendido foram “perentórias” em confirmar a sua versão e garantiram não ter presenciado qualquer movimento provocatório contra o polícia. “Depuseram com naturalidade, objetividade e espontaneidade”.
Em relação ao agredido, que terá sido o melhor aluno da sua turma quando frequentou o Agrupamento de Escolas de Alfornelos, é referido que “se apresentou em audiência de julgamento com uma postura correta, depondo com seriedade e segurança, respondendo a todas as questões que lhe foram colocadas com espontaneidade e assertividade, sem nunca vacilar”, tendo merecido “inteira credibilidade” o seu depoimento.
Os magistrados lamentam que, na altura do julgamento, cerca de dois anos depois do incidente, o agente da PSP, cuja conduta consideram “inaceitável” e causadora de “alarme social”, não se tenha mostrado arrependido.
Também foi tida em conta na censura a localização geográfica do incidente, o concelho da Amadora, onde houve mais casos de agressões, como a que envolveu os 18 polícias da esquadra de Alfragide, acusados de tortura e racismo. Assim, o tribunal entendeu que o agente não podia “desconhecer” que a sua atitude, logo na área da comarca de Amadora, onde a intervenção policial tem um papel preponderante, suscitava “forte reprovação e desvalor social”.
***
Entretanto, soube-se, em janeiro de 2018, que a IGAI (Inspeção-Geral da Administração Interna) enviou uma nota à PSP, à GNR e ao SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) a lembrar que as forças policiais não podem identificar pessoas, sobretudo menores, só por estarem em local considerado sensível se não houver suspeitas fundadas de crime, e que só devem conduzir um cidadão a um posto policial para identificação em último recurso. A IGAI citava, para o efeito, um acórdão do TRL (Tribunal da Relação de Lisboa), de 27 de abril de 2017, que proferiu decisão sobre um caso concreto da atuação policial, para exemplificar o que é o legítimo direito à resistência:
O não cumprimento dos requisitos legais para a realização da identificação, quer no local onde o mesmo se encontra quer com a sua condução ao posto policial, poderá permitir ao identificando o exercício do direito legítimo de resistência”.
Segundo o predito acórdão, “para se proceder à identificação de uma pessoa não basta que o local público em que a mesma se encontra seja um “local sensível”, (...), exigindo, contudo, que existam fundadas suspeitas sobre essa pessoa da prática de crimes”.
***
Isto responde ao sucedido a 17 de julho de 2015, pouco depois da meia-noite. Um cidadão, saído do autocarro n.º 746, seguia a pé na Rua de Goa, junto ao Bairro 6 de Maio, na Amadora, quando uma viatura da PSP com dois agentes parou, ficando atravessada de forma a impedir o acesso a uma passagem pedonal.Apesar de não ter sido visto a praticar qualquer crime”, diz a acusação do MP, o homem de 21 anos foi abordado pelos agentes a saber o que fazia ali e se tinha droga. Houve revista e nada foi encontrado. Tendo sido pedida a identificação, o jovem forneceu-a verbalmente: que residia a poucos metros e que podia ir a casa buscar o Cartão de Cidadão ou pedir à sua mulher que lho levasse.
Os agentes concordaram, mas, quando o ofendido já se encontrava de costas e se dirigia para casa a buscar a identificação, aduziram que estava a armar-se “em espertinho” e a não querer cooperar, deram-lhe voz de detenção e informaram-no que ia seguir para a esquadra, “tendo o ofendido começado a esbracejar e a contorcer-se, sentando-se no chão, tudo com vista a dificultar ou impedir que fosse algemado”. Então, ambos os agentes desferiram-lhe cotoveladas no pescoço, tendo uma delas provocado a sua queda contra os vasos colocados à porta da farmácia local, deram-lhe murros nas costas e no abdómen, deram-lhe pancadas na cabeça com as algemas, arrastaram-no e empurraram-no ao ponto de ficar temporariamente inanimado, momento em que foi algemado e introduzido à força no interior do carro-patrulha. E, durante o trajeto, o homem levou várias cotoveladas na cara, por parte do agente que ia sentado ao lado.
Na esquadra da Venda Nova, o detido ora foi posto numa sala, algemado, enquanto os agentes ora “o empurravam contra as paredes, ora o puxavam, embatendo numa ​​​​​​mesa e duas cadeiras, rasgando-lhe a roupa e provocando, assim, dores e mal-estar no corpo e na saúde do ofendido. Sofreu várias lesões, desde lombalgias, escoriações, arranhões a traumatismos e, por consequência, esteve quatro dias sem ir trabalhar.
Embora soubessem que não podiam abordar nenhum cidadão nas circunstâncias em que o fizeram e que não havia qualquer juízo de suspeição, os agentes elaboraram auto em que afirmavam que o cidadão não quis ser identificado e que tentou fugir do local, o que motivou a detenção com recurso à força. No mesmo auto, afirmavam que o homem os injuriou e manteve uma postura agressiva, tendo por isso ficado algemado. Diz o MP que os agentes “praticaram os factos supradescritos com flagrante e grave abuso da função em que estavam investidos e com grave violação dos deveres de isenção, zelo, lealdade, correção e aprumo, revelando, deste modo, indignidade no exercício dos cargos para que tinham sido investidos, tendo, como consequência direta, a perda de confiança necessária ao exercício da função”. Além disso, diz a acusação que os agentes, que estão com termo de identidade e residência, deviam ser suspensos de funções, por existir o perigo de continuidade de atividade criminosa. Porém, este pedido do MP não foi aceite pelo juiz de instrução e os dois polícias permanecem em funções, embora sob a alçada disciplinar da IGAI por violação de deveres devido aos factos constantes da acusação.
Este caso ocorreu meses depois de outra situação, mais grave, a verificada na esquadra de Alfragide, em que a detenção de cidadãos originou um inquérito-crime a 18 agentes da PSP por factos ocorridos no interior da instalação policial e cujo julgamento está a decorrer.
***
São, como se vê, vários os casos de conduta censurável na PSP, embora não seja lícita a generalização. Por isso, se compete aos agentes afinar a sua conduta em conformidade com a lei, até para poderem agir com reconhecida autoridade quando se justificar, devem também os cidadãos conhecer aquilo a que a polícia os não pode ser submeter em nome da dignidade. É sempre bom sabermos em que lei vivemos, quais os nossos direitos e os nossos deveres, para cumprirmos e reclamarmos como mesmo à vontade.
2019.04.07 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário