Disso é acusada a Ministra da Justiça por José David
Justino, um dos vice-presidentes do PSD (e presidente do CEN – Conselho Estratégico Nacional) em
entrevista à TSF. Vejamos o que se
passa.
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No passado dia 3 de abril, o Observador, escudado numa informação avançada pelo Público, adiantava que O PS levará à Assembleia da
República (AR)
– e o Sol referia que o projeto de
lei entrara na tarde daquele dia – uma iniciativa legislativa a prever o fim do
limite salarial máximo imposto aos juízes desde os anos 1990 – Leis n.º 2/90,
de 21 de janeiro, e n.º 10/94, de 5 de maio (que alteram a Lei
n.º 21/85, de 30 de julho)
–, em consonância com o que os magistrados judiciais, há muito, reivindicavam no
âmbito da revisão do seu estatuto remuneratório – proposta que resulta dum
conjunto de medidas acordadas entre o MJ (Ministério da Justiça), liderado por Francisca Van
Dunem, e a ASJP (Associação Sindical dos Juízes
Portugueses).
Com efeito, o
limite salarial máximo atualmente imposto aos juízes resulta do impedimento
legal de os trabalhadores da administração pública e, em concreto, estes
titulares de cargos públicos poderem auferir um vencimento superior ao do
Primeiro-Ministro.
Quando o
acordo foi anunciado, em março, não foram imediatamente divulgados os termos
que permitiram a aproximação de posições entre a associação sindical do setor e
o MJ. Na ocasião, o presidente da ASJP, Manuel Soares, recusou pormenorizar o
que fora acordado, reiterando que cabia ao Governo e à Ministra Van Dunem
apresentar as propostas aos deputados e partidos.
A recusa
inicial surgiu em resposta à intervenção do deputado do PSD Carlos Abreu Amorim,
que questionou o impacto do acordo entre Governo e a ASJP no Orçamento do Estado
e nas finanças públicas, impacto que poderá agora começar a ser calculado com a
revelação dos termos do acordo que irá à AR. Ao Público, o presidente da ASJP “admite” agora que “o fim deste teto
faz parte do acordo com a Ministra da Justiça”.
A proposta,
aliás o projeto de lei do PS, prevê que centenas de juízes que trabalham em
tribunais superiores, nomeadamente “os dois Supremos [Supremo Tribunal de Justiça e Supremo
Tribunal Administrativo],
as cinco Relações e o Tribunal Constitucional”, venham a ser aumentados. Os
maiores beneficiados “serão os juízes conselheiros”, que trabalham no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), STA (Supremo Tribunal Administrativo) e TC (Tribunal Constitucional). E é “previsível” que o diploma
possa vir a beneficiar procuradores judiciais, em virtude do “princípio de paridade entre magistraturas”
que está a ser levado à prática.
Além disso, quase
todos os juízes irão beneficiar do aumento de 100 euros num subsídio de
compensação que atualmente está cifrado nos 775 euros (passará a ser de 875 euros). O subsídio, segundo o Público, passará a ser integrado no
vencimento, passando a ser recebido 14 vezes por ano, mas imporá descontos para
a CGA (Caixa Geral de
Aposentações) ou SS (Segurança Social).
E o Governo
terá uma motivação especial para o aumento deste subsídio: segundo o presidente
da ASJP, o acordo agora celebrado impõe como contrapartida que esta associação
desista duma ação que interpôs contra o Estado, que venceu em 1.ª instância e que
está em fase de recurso. A ação judicial acusa o Estado de estar desde 2005 sem
cumprir um acordo de atualização permanente deste complemento salarial.
Ora, a aprovação
do projeto de lei recuperará a lei de atualização remuneratória no setor,
datada de 1990 e acima referida. A lei entrou agora em vigor, mas ficou logo congelada
poucos meses, com a entrada em vigor do limite salarial máximo imposto aos
juízes que já existe desde os anos 1990 e que será agora descartado. O
presidente da ASJP explicou, assim, à TSF que está a ser discutido um “estatuto
aprovado em 1990” e que foi “bloqueado por uma lei que devia ter sido
temporária e não foi”, pelo que os juízes alertam para o facto de ser um
estatuto que “nunca foi cumprido” integralmente. E esclareceu:
“Não estamos a falar em aumentos que não
estivessem consagrados na lei e em criar mais direitos que nunca tivessem sido
atribuídos aos juízes; estamos apenas a falar de cumprir um acordo que nunca
tinha sido observado. Parece-nos justíssimo.”.
Para os juízes, há ainda normas que estão a ser
discutidas no Parlamento que causam “muita repulsa” – e que podem levar os
profissionais da justiça a “adotar outras medidas” – como, por exemplo, a “norma
que quer atribuir ao CSM (Conselho Superior
da Magistratura) o poder de dar instruções obrigatórias aos juízes
sobre a forma de execução do serviço judicial”.
O presidente da ASJP espera que a proposta do PS seja
“naturalmente aprovada” e recorda que todos os grupos parlamentares à exceção
do PS confirmaram que, “se houvesse um acordo com o Governo, não seriam
obstáculo a que esse acordo fosse aprovado”.
O Jornal de Negócios dá outros detalhes
sobre o acordo estabelecido que o PS levará ao Parlamento: noticia que
o Governo “propôs a diversas carreiras especiais da Função Pública a recuperação
de um número de anos de serviço equivalente a 70% do tempo que demoram a
progredir”. O que a projeto de lei propõe é, assim, que a compensação pelas
atualizações de vencimento anuais que estão em falta varie consoante o tempo de
subida na carreira: “quanto mais rápida” tiver sido a progressão, “menor será o
tempo máximo a recuperar”.
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Do lado da oposição, o presidente do PSD, acusou o
Governo de andar à deriva na progressão de carreiras na função pública devido à
proximidade das eleições e defendeu que “ninguém
deve ganhar mais do que o Presidente da República” e que “o Primeiro-Ministro”.
À entrada para a apresentação de um livro do porta-voz
do CEN do PSD para as finanças públicas, Joaquim Sarmento, Rio foi questionado
sobre a manchete do jornal Público, segundo
a qual um projeto de lei do PS de alteração ao EMJ (Estatuto dos Magistrados Judiciais) irá
permitir aos juízes ganhar mais do que o Primeiro-Ministro, o que até agora
estava impedido aos titulares dos órgãos de soberania. E, salientando que esta
sua posição não se limita aos magistrados, foi perentório ao sustentar:
“Não é politicamente correto, nem popular,
mas é a minha convicção desde há muitos anos: na função pública o salário do
Presidente da República deve ser o mais alto e ninguém deve ganhar mais que o
Primeiro-Ministro. É um princípio que há muitos anos defendo.”.
Para Rio, esta proposta para os magistrados é
demonstrativa do que entende ser o princípio geral de atuação do Governo na
matéria de progressão de carreiras na administração pública. E vincou:
“Aquilo que sinceramente acho é que o
Governo está à deriva: está a descongelar as carreiras, mas não com equidade,
não de forma igual para todos, para uns faz de uma maneira, para outros faz de
outra”.
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No mesmo dia,
a Ministra da Justiça considerou que os juízes, com a alteração do estatuto, permitindo
aos magistrados dos tribunais superiores auferir salário superior ao do
Primeiro-Ministro, passam a receber uma remuneração a que já tinham direito e
que só não o recebiam em virtude do constrangimento legal. Francisca Van Dunem
justificou que uma das “grandes reivindicações” dos juízes, sobretudo ao nível
das instâncias superiores, tem a ver com a falta de estímulo à progressão na
carreira, nomeadamente na ida para o STJ em virtude de o teto salarial indexado
ao do Primeiro-Ministro fazer com que os magistrados “não
estivessem a receber a remuneração a que tinham direito”. E explicou que alguns desembargadores
dos Tribunais da Relação (quatro
dos cinco tribunais da Relação situam-se em Coimbra, Porto, Évora e Guimarães) abdicavam de serem promovidos a
juízes conselheiros do STJ, que tem sede em Lisboa, porque o aumento salarial
era muito pequeno (cerca
de 28 euros) e a mudança
para a capital implicava estarem longe da sua residência, família e outras
condições de vida, que tinham nas cidades onde residiam.
Não se trata
de aumentar ou diminuir a remuneração, mas de atribuir aos magistrados a
remuneração a que tinham direito e que não recebiam devido à norma que prevê
que o limite máximo da remuneração é a remuneração do Primeiro-Ministro. Foi o
que aduziu Francisca Van Dunem em declarações à margem da conferência “Tecnologia nos Serviços de Reinserção e
Prisionais: Transformação Digital”, que reuniu em Lisboa representantes de 52
países”, em linha com o que declarou
durante uma audição perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos,
Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, a 9 de janeiro deste ano.
A governante
referiu que, embora houvesse uma tabela que teoricamente permitisse
aos juízes conselheiros e desembargadores com 5 anos de exercício funcional receberem
com base na tabela uma determinada remuneração, na prática não a recebiam graças ao referido teto
salarial.
Segundo Van
Dunem, o que aconteceu durante as negociações com a classe profissional é que
“houve uma decisão política no sentido de se permitir a quebra do teto (salarial) do Primeiro-Ministro, nomeadamente para os
magistrados dos escalões superiores”. A proposta negociada com os juízes
permite que o salário dos magistrados dos tribunais superiores ultrapasse o do
Primeiro-Ministro, prevê um aumento de 100 euros no subsídio de compensação
atribuído aos juízes, que passa de 775 para 875 euros, e estipula que
este subsídio integra o vencimento, mas, em contrapartida, passa a
ser pago em 14 meses, com desconto para a CGA.
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A 10 de
abril, em entrevista à TSF, David
Justino assume a postura mais agressiva da oposição: acusa Ministra de agir em
interesse próprio, por estar a negociar quanto vai receber quando sair do
Governo. Van Dunem responde que isso é uma “infâmia”. E o MJ fala na “morte da decência” e acusa Justino de “calúnia”.
O
socialdemocrata, que foi Ministro da Educação do Governo liderado por Durão
Barroso em 2002, critica escolha da governante para negociar o aumento do
salário dos juízes, frisando:
“A Ministra esteve a negociar
quanto é que vai receber quando sair do Governo, qual vai ser o seu ordenado quando integrar os quadros do Supremo
Tribunal de Justiça”.
Francisca Van
Dunem, então procuradora-geral adjunta, foi promovida a juíza conselheira do STJ
em março de 2016 quando já era Ministra da Justiça deste Governo. A situação
profissional da Ministra leva David Justino a questionar o “interesse próprio”
de Van Dunem investido na eliminação do teto salarial dos juízes (que podem agora ganhar mais que o
Primeiro-Ministro).
Porem, o MJ
garante que Francisca Van Dunem “agiu e agirá neste longo processo como
responsável política sem nunca transigir na defesa do interesse público”. A
mesma declaração sublinha que “a
proximidade de processos eleitorais não justifica que seja decretada a morte da
decência e elevada a infâmia à categoria de virtude”. Fonte
oficial do MJ assegura que a “Ministra agiu neste longo processo de negociação”
do EMJ como “responsável política sem nunca transigir na defesa do interesse
público” e aponta:
“O
autor da afirmação está seguramente a julgar outrem à luz dos seus próprios
padrões comportamentais. As suas palavras apenas dizem do que seria capaz de
fazer se respondesse por uma área política correspondente à sua especialização
profissional.”.
Também na
TSF, o presidente do Partido Socialista, que participava no programa “Almoços Grátis”, não viu qualquer
validade nas afirmações de David Justino:
“Até
onde é que vamos chegar nesta demagogia infame de tentar atirar às pessoas
labéus que são inconcebíveis? Acho inacreditável”.
Carlos César
devolveu ainda a dúvida ao socialdemocrata perguntando:
“O David Justino quando foi Ministro da
Educação esteve proibido de discutir as carreiras dos professores ou as grelhas
salariais?”
Justino
justificou que não era professor, mas sim sociólogo. Porém, tentou deitar-nos
poeira para os olhos, porquanto a página web
do Parlamento, em que o político José David
Gomes Justino figura
como deputado do PSD na VIII legislatura e na IX apresentando a profissão de “professor universitário”; e página web da Universidade Nova de Lisboa
refere que o seu nome profissional é David
Justino, o seu departamento é o de Sociologia,
a sua categoria é a de “Professor Catedrático” e a sua Unidade de Investigação é o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais - CICS.NOVA.
Carlos César
aproveitou para criticar ainda o líder do PSD, cujo “banho de ética” considera
um “banho de hipocrisia” e, neste sentido afirmou ironizando sarcasticamente:
“Rui
Rio vem dizer que ninguém deve ganhar mais do que o Primeiro-Ministro, tirando
o chefe de gabinete dele na Câmara Municipal do Porto, que tinha um vencimento
acima do Presidente da República e do Primeiro-Ministro (…) Quando há
desacordo e greve, o PSD acusa o Governo de pôr em causa a paz social. Quando
há acordo acusa o Governo de ceder a corporativismos.”.
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Outro problema é o da falta de gabinetes de apoio a magistrados (juízes e procuradores) na área da economia ou
contabilidade e ciências jurídicas, medida pensada para o novo modelo de
reorganização do funcionamento dos tribunais, que arrancou em abril de 2009 em
três comarcas-piloto. E os juízes esperam, há dez anos, que a medida seja implementada.
O que estará
na origem do problema será a falta de verbas. Ao Público,
o MJ e o CSM, bem como a PGR (Procuradoria-Geral da República), que inscreveram a instalação dos gabinetes como um
dos objetivos estratégicos deste ano, admitem que a criação de gabinetes de
apoio aos magistrados não avança porque não há dinheiro.
Em nota
enviada ao Público, o CSM explica que
no orçamento atribuído àquele organismo para 2018 “não foi contemplada dotação
para a instalação dos gabinetes”, sendo que a mesma situação foi verificada
este ano. Segundo o CSM, para a criação dos gabinetes são necessários 16
profissionais (como juristas, criminologistas e contabilistas), numa contratação que implicaria um gasto anual de
cerca de dois milhões de
euros.
E o Público dá de que, quando o orçamento do
CSM já estava fechado, a instalação de gabinetes de apoio aos juízes surgia nos
objetivos estratégicos da Justiça para 2019-2021, publicados em fevereiro
passado. Sobre esta situação, o MJ descarta
responsabilidades, pois não interfere, por qualquer forma, na elaboração
do orçamento do CSM, “uma vez que se trata de entidade dotada de autonomia
administrativa e financeira”.
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Enfim, não
há nada que não se aponte a políticos: uns preparam eleições servindo-se de
todos os meios; outros esquecem as suas qualificações; outros cuidam do seu
futuro; e outros esquecem as águas que lhes molham o capote ou as suas
exigências e asserções de antanho. Tantos problemas para que não avancem os
regimentos sólidos dos órgãos de soberania e os estatutos das organizações
profissionais! E o país espera paciente e estoicamente. Ámen.
2019.04.11 –
Louro de Carvalho
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