sexta-feira, 12 de abril de 2019

Ministra criticada por alegadamente agir em interesse próprio


Disso é acusada a Ministra da Justiça por José David Justino, um dos vice-presidentes do PSD (e presidente do CEN – Conselho Estratégico Nacional) em entrevista à TSF. Vejamos o que se passa.
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No passado dia 3 de abril, o Observador, escudado numa informação avançada pelo Público, adiantava que O PS levará à Assembleia da República (AR) – e o Sol referia que o projeto de lei entrara na tarde daquele dia – uma iniciativa legislativa a prever o fim do limite salarial máximo imposto aos juízes desde os anos 1990 – Leis n.º 2/90, de 21 de janeiro, e n.º 10/94, de 5 de maio (que alteram a Lei n.º 21/85, de 30 de julho) –, em consonância com o que os magistrados judiciais, há muito, reivindicavam no âmbito da revisão do seu estatuto remuneratório – proposta que resulta dum conjunto de medidas acordadas entre o MJ (Ministério da Justiça), liderado por Francisca Van Dunem, e a ASJP (Associação Sindical dos Juízes Portugueses).
Com efeito, o limite salarial máximo atualmente imposto aos juízes resulta do impedimento legal de os trabalhadores da administração pública e, em concreto, estes titulares de cargos públicos poderem auferir um vencimento superior ao do Primeiro-Ministro.
Quando o acordo foi anunciado, em março, não foram imediatamente divulgados os termos que permitiram a aproximação de posições entre a associação sindical do setor e o MJ. Na ocasião, o presidente da ASJP, Manuel Soares, recusou pormenorizar o que fora acordado, reiterando que cabia ao Governo e à Ministra Van Dunem apresentar as propostas aos deputados e partidos.
A recusa inicial surgiu em resposta à intervenção do deputado do PSD Carlos Abreu Amorim, que questionou o impacto do acordo entre Governo e a ASJP no Orçamento do Estado e nas finanças públicas, impacto que poderá agora começar a ser calculado com a revelação dos termos do acordo que irá à AR. Ao Público, o presidente da ASJP “admite” agora que “o fim deste teto faz parte do acordo com a Ministra da Justiça”.
A proposta, aliás o projeto de lei do PS, prevê que centenas de juízes que trabalham em tribunais superiores, nomeadamente “os dois Supremos [Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Administrativo], as cinco Relações e o Tribunal Constitucional”, venham a ser aumentados. Os maiores beneficiados “serão os juízes conselheiros”, que trabalham no STJ (Supremo Tribunal de Justiça), STA (Supremo Tribunal Administrativo) e TC (Tribunal Constitucional). E é “previsível” que o diploma possa vir a beneficiar procuradores judiciais, em virtude do “princípio de paridade entre magistraturas” que está a ser levado à prática.
Além disso, quase todos os juízes irão beneficiar do aumento de 100 euros num subsídio de compensação que atualmente está cifrado nos 775 euros (passará a ser de 875 euros). O subsídio, segundo o Público, passará a ser integrado no vencimento, passando a ser recebido 14 vezes por ano, mas imporá descontos para a CGA (Caixa Geral de Aposentações) ou SS (Segurança Social).
E o Governo terá uma motivação especial para o aumento deste subsídio: segundo o presidente da ASJP, o acordo agora celebrado impõe como contrapartida que esta associação desista duma ação que interpôs contra o Estado, que venceu em 1.ª instância e que está em fase de recurso. A ação judicial acusa o Estado de estar desde 2005 sem cumprir um acordo de atualização permanente deste complemento salarial.  
Ora, a aprovação do projeto de lei recuperará a lei de atualização remuneratória no setor, datada de 1990 e acima referida. A lei entrou agora em vigor, mas ficou logo congelada poucos meses, com a entrada em vigor do limite salarial máximo imposto aos juízes que já existe desde os anos 1990 e que será agora descartado. O presidente da ASJP explicou, assim, à TSF que está a ser discutido um “estatuto aprovado em 1990” e que foi “bloqueado por uma lei que devia ter sido temporária e não foi”, pelo que os juízes alertam para o facto de ser um estatuto que “nunca foi cumprido” integralmente. E esclareceu:
Não estamos a falar em aumentos que não estivessem consagrados na lei e em criar mais direitos que nunca tivessem sido atribuídos aos juízes; estamos apenas a falar de cumprir um acordo que nunca tinha sido observado. Parece-nos justíssimo.”.
Para os juízes, há ainda normas que estão a ser discutidas no Parlamento que causam “muita repulsa” – e que podem levar os profissionais da justiça a “adotar outras medidas” – como, por exemplo, a “norma que quer atribuir ao CSM (Conselho Superior da Magistratura) o poder de dar instruções obrigatórias aos juízes sobre a forma de execução do serviço judicial”.
O presidente da ASJP espera que a proposta do PS seja “naturalmente aprovada” e recorda que todos os grupos parlamentares à exceção do PS confirmaram que, “se houvesse um acordo com o Governo, não seriam obstáculo a que esse acordo fosse aprovado”.
O Jornal de Negócios dá outros detalhes sobre o acordo estabelecido que o PS levará ao Parlamento: noticia que o Governo “propôs a diversas carreiras especiais da Função Pública a recuperação de um número de anos de serviço equivalente a 70% do tempo que demoram a progredir”. O que a projeto de lei propõe é, assim, que a compensação pelas atualizações de vencimento anuais que estão em falta varie consoante o tempo de subida na carreira: “quanto mais rápida” tiver sido a progressão, “menor será o tempo máximo a recuperar”.
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Do lado da oposição, o presidente do PSD, acusou o Governo de andar à deriva na progressão de carreiras na função pública devido à proximidade das eleições e defendeu que “ninguém deve ganhar mais do que o Presidente da República” e que “o Primeiro-Ministro”.
À entrada para a apresentação de um livro do porta-voz do CEN do PSD para as finanças públicas, Joaquim Sarmento, Rio foi questionado sobre a manchete do jornal Público, segundo a qual um projeto de lei do PS de alteração ao EMJ (Estatuto dos Magistrados Judiciais) irá permitir aos juízes ganhar mais do que o Primeiro-Ministro, o que até agora estava impedido aos titulares dos órgãos de soberania. E, salientando que esta sua posição não se limita aos magistrados, foi perentório ao sustentar:
Não é politicamente correto, nem popular, mas é a minha convicção desde há muitos anos: na função pública o salário do Presidente da República deve ser o mais alto e ninguém deve ganhar mais que o Primeiro-Ministro. É um princípio que há muitos anos defendo.”.
Para Rio, esta proposta para os magistrados é demonstrativa do que entende ser o princípio geral de atuação do Governo na matéria de progressão de carreiras na administração pública. E vincou:
Aquilo que sinceramente acho é que o Governo está à deriva: está a descongelar as carreiras, mas não com equidade, não de forma igual para todos, para uns faz de uma maneira, para outros faz de outra”.
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No mesmo dia, a Ministra da Justiça considerou que os juízes, com a alteração do estatuto, permitindo aos magistrados dos tribunais superiores auferir salário superior ao do Primeiro-Ministro, passam a receber uma remuneração a que já tinham direito e que só não o recebiam em virtude do constrangimento legal. Francisca Van Dunem justificou que uma das “grandes reivindicações” dos juízes, sobretudo ao nível das instâncias superiores, tem a ver com a falta de estímulo à progressão na carreira, nomeadamente na ida para o STJ em virtude de o teto salarial indexado ao do Primeiro-Ministro fazer com que os magistrados “não estivessem a receber a remuneração a que tinham direito”. E explicou que alguns desembargadores dos Tribunais da Relação (quatro dos cinco tribunais da Relação situam-se em Coimbra, Porto, Évora e Guimarães) abdicavam de serem promovidos a juízes conselheiros do STJ, que tem sede em Lisboa, porque o aumento salarial era muito pequeno (cerca de 28 euros) e a mudança para a capital implicava estarem longe da sua residência, família e outras condições de vida, que tinham nas cidades onde residiam.
Não se trata de aumentar ou diminuir a remuneração, mas de atribuir aos magistrados a remuneração a que tinham direito e que não recebiam devido à norma que prevê que o limite máximo da remuneração é a remuneração do Primeiro-Ministro. Foi o que aduziu Francisca Van Dunem em declarações à margem da conferência “Tecnologia nos Serviços de Reinserção e Prisionais: Transformação Digital”, que reuniu em Lisboa representantes de 52 países”, em linha com o que declarou durante uma audição perante a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, na Assembleia da República, a 9 de janeiro deste ano.
A governante referiu que, embora houvesse uma tabela que teoricamente permitisse aos juízes conselheiros e desembargadores com 5 anos de exercício funcional receberem com base na tabela uma determinada remuneração,  na prática não a recebiam graças ao referido teto salarial.
Segundo Van Dunem, o que aconteceu durante as negociações com a classe profissional é que “houve uma decisão política no sentido de se permitir a quebra do teto (salarial) do Primeiro-Ministro, nomeadamente para os magistrados dos escalões superiores”. A proposta negociada com os juízes permite que o salário dos magistrados dos tribunais superiores ultrapasse o do Primeiro-Ministro, prevê um aumento de 100 euros no subsídio de compensação atribuído aos juízes, que passa de 775 para 875 euros, e estipula que este subsídio integra o vencimento, mas, em contrapartida, passa a ser pago em 14 meses, com desconto para a CGA.
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A 10 de abril, em entrevista à TSF, David Justino assume a postura mais agressiva da oposição: acusa Ministra de agir em interesse próprio, por estar a negociar quanto vai receber quando sair do Governo. Van Dunem responde que isso é uma “infâmia”. E o MJ fala na “morte da decência” e acusa Justino de “calúnia”.
O socialdemocrata, que foi Ministro da Educação do Governo liderado por Durão Barroso em 2002, critica escolha da governante para negociar o aumento do salário dos juízes, frisando:
A Ministra esteve a negociar quanto é que vai receber quando sair do Governo, qual vai ser o seu ordenado quando integrar os quadros do Supremo Tribunal de Justiça”.
Francisca Van Dunem, então procuradora-geral adjunta, foi promovida a juíza conselheira do STJ em março de 2016 quando já era Ministra da Justiça deste Governo. A situação profissional da Ministra leva David Justino a questionar o “interesse próprio” de Van Dunem investido na eliminação do teto salarial dos juízes (que podem agora ganhar mais que o Primeiro-Ministro).
Porem, o MJ garante que Francisca Van Dunem “agiu e agirá neste longo processo como responsável política sem nunca transigir na defesa do interesse público”. A mesma declaração sublinha que “a proximidade de processos eleitorais não justifica que seja decretada a morte da decência e elevada a infâmia à categoria de virtude”. Fonte oficial do MJ assegura que a “Ministra agiu neste longo processo de negociação” do EMJ como “responsável política sem nunca transigir na defesa do interesse público” e aponta:
O autor da afirmação está seguramente a julgar outrem à luz dos seus próprios padrões comportamentais. As suas palavras apenas dizem do que seria capaz de fazer se respondesse por uma área política correspondente à sua especialização profissional.”.
Também na TSF, o presidente do Partido Socialista, que participava no programa “Almoços Grátis”, não viu qualquer validade nas afirmações de David Justino:
Até onde é que vamos chegar nesta demagogia infame de tentar atirar às pessoas labéus que são inconcebíveis? Acho inacreditável”.
Carlos César devolveu ainda a dúvida ao socialdemocrata perguntando:
O David Justino quando foi Ministro da Educação esteve proibido de discutir as carreiras dos professores ou as grelhas salariais?
Justino justificou que não era professor, mas sim sociólogo. Porém, tentou deitar-nos poeira para os olhos, porquanto a página web do Parlamento, em que o político José David Gomes Justino figura como deputado do PSD na VIII legislatura e na IX apresentando a profissão de “professor universitário”; e página web da Universidade Nova de Lisboa refere que o seu nome profissional é David Justino, o seu departamento é o de Sociologia, a sua categoria é a de “Professor Catedrático” e a sua Unidade de Investigação é o Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais - CICS.NOVA
Carlos César aproveitou para criticar ainda o líder do PSD, cujo “banho de ética” considera um “banho de hipocrisia” e, neste sentido afirmou ironizando sarcasticamente:
Rui Rio vem dizer que ninguém deve ganhar mais do que o Primeiro-Ministro, tirando o chefe de gabinete dele na Câmara Municipal do Porto, que tinha um vencimento acima do Presidente da República e do Primeiro-Ministro (…) Quando há desacordo e greve, o PSD acusa o Governo de pôr em causa a paz social. Quando há acordo acusa o Governo de ceder a corporativismos.”.
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Outro problema é o da falta de gabinetes de apoio a magistrados (juízes e procuradores) na área da economia ou contabilidade e ciências jurídicas, medida pensada para o novo modelo de reorganização do funcionamento dos tribunais, que arrancou em abril de 2009 em três comarcas-piloto. E os juízes esperam, há dez anos, que a medida seja implementada.
O que estará na origem do problema será a falta de verbas. Ao Público, o MJ e o CSM, bem como a PGR (Procuradoria-Geral da República), que inscreveram a instalação dos gabinetes como um dos objetivos estratégicos deste ano, admitem que a criação de gabinetes de apoio aos magistrados não avança porque não há dinheiro.
Em nota enviada ao Público, o CSM explica que no orçamento atribuído àquele organismo para 2018 “não foi contemplada dotação para a instalação dos gabinetes”, sendo que a mesma situação foi verificada este ano. Segundo o CSM, para a criação dos gabinetes são necessários 16 profissionais (como juristas, criminologistas e contabilistas), numa contratação que implicaria um gasto anual de cerca de dois milhões de euros.
E o Público dá de que, quando o orçamento do CSM já estava fechado, a instalação de gabinetes de apoio aos juízes surgia nos objetivos estratégicos da Justiça para 2019-2021, publicados em fevereiro passado. Sobre esta situação, o MJ descarta responsabilidades, pois não interfere, por qualquer forma, na elaboração do orçamento do CSM, “uma vez que se trata de entidade dotada de autonomia administrativa e financeira”.
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Enfim, não há nada que não se aponte a políticos: uns preparam eleições servindo-se de todos os meios; outros esquecem as suas qualificações; outros cuidam do seu futuro; e outros esquecem as águas que lhes molham o capote ou as suas exigências e asserções de antanho. Tantos problemas para que não avancem os regimentos sólidos dos órgãos de soberania e os estatutos das organizações profissionais! E o país espera paciente e estoicamente. Ámen.
2019.04.11 – Louro de Carvalho

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