quinta-feira, 25 de abril de 2019

O 45.º aniversário do 25 de abril e as mensagens pela democracia


O dia da liberdade foi e está a ser celebrado por todo o lado. A maior parte dos municípios e muitos grupos culturais ou políticos, os documentários e concertos fazem-lhe o devido jus, bem como iniciativas populares de canto, danças, manifestações e arraiais. Multiplicaram-se os almoços e jantares comemorativos, entre os quais se destaca o que foi organizado pela Associação 25 de Abril em que participaram as figuras de topo da cena política. E Peniche e Porto querem guardar o testemunho histórico, quer com a eleição do forte como testemunho da opressão e da libertação, quer com o Museu da Resistência, levando o Museu Militar do Porto a migrar para outro sítio também condigno.  
***
A sessão comemorativa na Assembleia da República
Porém, as mensagens políticas pela democracia foram proclamadas no hemiciclo de São Bento, a varanda da Casa da Democracia, em ano de três eleições.
Aí, enquanto os partidos mais à direita, frisou os casos do familygate, Ferro Rodrigues pediu mais “ética e transparência” para os “casos” não denegrirem a política, os jovens foram o centro das preocupações discursivas e o populismo foi abjurado como o perigo que anda à solta.
Com a esquerda (e alguns deputados do PSD) a ostentar o cravo na lapela, houve alertas, da esquerda à direita contra o populismo que culminaram com o forte e aplaudido elogio de Ferro Rodrigues ao Presidente da República, a “muralha simbólica contra o crescimento do populismo”. Contudo, os jovens, foram o denominador comum a todas as intervenções, desde o deputado do PAN, passando por BE e PS, que elogiaram o movimento de luta juvenil contra as alterações climáticas, até ao discurso do Presidente da República, que falou, de cravo na mão, no jovem que foi em 1974 e no que os políticos têm de saber responder aos jovens de hoje, em 2019.
Entretanto, em ano de eleições e, apesar de o PSD e o PS terem sublinhado a importância da “diversidade política”, houve o apontar do dedo ao Governo. Assim, PSD e CDS evocaram os casos do familygate, com os centristas a exigir o “pedido de desculpas” ao Governo pelo “compadrio político”. E todos apelaram à ética, à transparência e ao escrutínio. Mas com a certeza de que, não é só hoje, 25 de Abril, que se devem apregoar estas bandeiras, mas sempre.
Quanto à endogamia política, Pedro Roque (do PSD), foi claro: 
Rejeitamos que critérios ‘clubístico-partidários’ ou de nepotismo familiar se sobreponham ao mérito e interesse coletivo”.
E Filipe Anacoreta Correia (do CDS) exigiu mais: 
O que precisamos de ver ainda para ouvir um pedido de desculpas por parte de um governo, partido ou regime, pelo escândalo do que foi tirado aos portugueses em compadrios políticos e económicos que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais como a CGD, o BES ou a PT para perdas que todos suportámos? (…) A deferência diante das instituições em que se tem a honra de servir o país aconselha prudência e repúdio de banalizada familiaridade. A promiscuidade com o poder, seja de âmbito económico, [seja de âmbito] partidário ou familiar, é incompatível com a dignidade democrática.”.
Se Pedro Roque referiu a ideia de que o PSD rejeita que critérios familiares ou “clubísticos” se sobreponham ao critério do mérito e tudo para pedir mais ética na política, Filipe Anacoreta Correia detalhou o ataque ao Governo, falando não só nos “compadrios políticos e económicos” que destruíram riqueza e atiraram empresas nacionais para perdas que todos suportámos, como também nas tragédias dos fogos, no assalto a Tancos ou na rejeição do Governo pela presença de privados na saúde. O tema voltaria à baila com o discurso do Presidente da Assembleia da República, um dos mais aplaudidos da sessão, que pediu “mais e maior escrutínio”, já que é “o melhor antídoto contra o crescimento da cultura antiparlamentar” para o Parlamento.
Jorge Falcato (do BE) lançou esta polémica interpelação insinuando uma crítica a Marcelo: 
O Serviço Nacional de Saúde pode voltar a andar de cravo ao peito, como António Arnaut o sonhou, ou manterá a porta aberta para o negócio dos privados em cedência à pressão presidencial?”
O Presidente Marcelo tem sido sempre, durante o seu mandato, uma figura central na sessão solene do 25 de Abril, na medida em que é a única vez em que discursa no Parlamento. E esta sua terceira vez não foi exceção, para o bem e para o mal. Enquanto o Presidente da Assembleia lhe reservara rasgado elogio, tendo em entrevista ao Público admitido que votaria nele se as presidenciais fossem hoje, a bancada bloquista escolheu a alfinetada. O mencionado deputado bloquista passou ao de leve um dos temas do dia: a Lei de Bases da Saúde, que começou por ser negociada à esquerda (com o BE a anunciar mesmo ter chegado a acordo com o Governo), prevendo-se a exclusão dos privados do setor e o fim das PPP, e que agora, em aparente recuo do PS em relação à possibilidade de entrada dos privados, poder vir a ser negociada ao centro (com o PSD). Falcato chamou-lhe “pressão presidencial”, pois Marcelo pronunciou-se explicitamente e chegou a ameaçar com veto a lei de bases que fechasse portas em vez de abrir.
Carlos César (do PS), focando-se nas novas gerações, discorreu: 
As novas gerações, moldadas nas sociedades conectadas e no mercado digital, confrontadas com a sobre-exploração e esgotamento dos recursos naturais, com as disparidades demográficas e as dificuldades dos sistemas de saúde e segurança social, com a desregulação e terrorismo, e com alterações imensas nas funções profissionais e nas relações de trabalho, têm, assim, outras ansiedades e procuram outras soluções. Os nossos cuidados devem estar, pois, centrados na procura dessas soluções.”.
André Silva (do PAN) falou da mesma temática nos termos seguintes: 
Em Portugal precisamos de dois planetas para suportar o atual modelo de consumo. Estamos a viver acima das possibilidades do planeta, com bancarrota antecipada. Os jovens têm-se manifestado na rua e à rua vão voltar.”.
E Jorge Falcato (do BE) enfatizou: 
Os estudantes que saíram à rua pela urgência climática são cravos semeados por abril que se transformam em agentes principais de uma mudança inadiável”.
Por seu turno, o Presidente Marcelo, em toda a sua intervenção, pediu mais “ambição” aos políticos para acompanharem as novas exigências e os desafios do mundo global que são hoje diferentes dos que eram os dos jovens de 1974. E referiu como um dos desafios para o futuro a revolução digital, que vai mudar a forma como se olha para o emprego, foi uma das mais referidas como um desafio para o futuro.
E, no âmbito das comemorações da revolução abrilina, PSD e CDS abordaram um tema que a esquerda omitiu: a lembrança do 25 de Novembro. A este respeito, disse Pedro Roque (PSD):
O processo de democratização conducente a um Portugal progressista inaugura-se nesse momento fundador e também com o 25 de Novembro de 1975. Torna-se imperativo que, ano após ano, possamos honrar aqueles que nos conduziram nesse caminho.”.
Já Filipe Anacoreta Correia (CDS) atalhara: 
Neste 25 de Abril cumprem-se 45 anos do início do processo democrático que viria a consolidar-se no dia 25 de Novembro de 1975”.
Já é habitual os discursos do 25 de Abril de PSD e CDS evocarem o 25 de Novembro de 1975 nesta sessão solene (o que parece descabido, como o seria se algum partido quisesse lembrar o 28 de Setembro ou o 11 de Março), por entenderem que só aí se conseguiu dar por bem sucedido o processo de democratização da sociedade. Foi nessa data que se pôs fim ao PREC (Processo Revolucionário em Curso), abrindo portas, no seu entender, à democracia como hoje a conhecemos.
***
A intervenção do Presidente da Assembleia da República
Porém, do meu ponto de vista, merece lugar de relevo o discurso de Eduardo Ferro Rodrigues, pelo seu conteúdo abrangente, embora o seu ato de pronúncia tenha o tenha prejudicado.  
Começou por proclamar o orgulho de sermos “uma democracia pluralista” e “uma das democracias com mais qualidade em todo o mundo”, embora “com problemas que é preciso resolver”. Nela, têm o seu espaço de afirmação “todas as correntes de opinião”. Mas Ferro Rodrigues salienta algo esquecido, os deveres, e, contra o exclusivismo apropriador dos símbolos, garante a universalidade dos mesmos. Vejamos:
Na democracia pluralista o indivíduo encontra o seu lugar de realização dentro de um país solidário, assente num contrato que pressupõe direitos e deveres. A democracia tem os seus símbolos, os seus rituais, os seus rostos e os seus próprios valores. O 25 de abril, os cravos vermelhos, a Grândola: são símbolos dos democratas e de toda uma democracia. São estes os nossos símbolos, os símbolos da nossa democracia, que hoje, uma vez mais, evocamos e homenageamos na Assembleia da República.”.
Depois, fala da origem da democracia feita de muita participação cidadã: a coragem inicial (inteira e limpa) dos Capitães de Abril ali representados pela Associação 25 de Abril. E diz dela:
Uma democracia marcada pela liderança fundadora de homens e mulheres de diferentes Partidos, com projetos políticos diversos, mas todos grandes figuras de Estado e da República que o 25 de Abril devolveu”.
Vincando que esta 13.ª Legislatura ficou marcada pelo reforço do papel do Parlamento no sistema de governo português, tira consequências políticas:
Marcada por uma centralidade parlamentar sem precedentes. Novas responsabilidades implicam sempre mais e maior escrutínio. Só instituições irrelevantes é que passam por entre os pingos da chuva e escapam ao escrutínio da opinião pública. Continuo a acreditar que a abertura, a transparência e a ética da responsabilidade são os melhores antídotos contra o crescimento da cultura antiparlamentar. Por isso, desde a primeira hora, como Presidente da Assembleia da República, procurei promover uma política de portas abertas, de transparência e de participação. Não apenas no dia 25 de Abril, mas todos os dias do ano. Porque Abril se cumpre diariamente! O velho grito “25 de Abril sempre!” ganha assim um sentido renovado, vivido e participado.”.
E, citando Mendès France, estende a democracia ao decurso de todos os dias:
A democracia não consiste apenas em colocar episodicamente um boletim numa urna. A democracia é a ação contínua do cidadão.”.
Porém, não ignora os sinais do que é preciso resolver e que nos chegam da sociedade, referindo:
Sinais culturais, sinais sociais, sinais políticos. Sinais que vêm de dentro da própria democracia, como seja a distância que separa eleitos e eleitores, representantes e representados. Sinais que nos chegam do funcionamento das nossas instituições, mas que vão muito além delas, percorrendo partidos, sindicatos e outras organizações da sociedade civil.”.
E faz uma inferência lógica:
A democracia é esse regime da permanente inquietação, da permanente insatisfação e inconformismo. E a nossa democracia é suficientemente madura para responder aos seus próprios problemas. Só em ditadura é que nunca há críticas públicas, nunca há poder judicial independente nem comunicação social livre. Só em ditadura é que há uma aparência de gratidão eterna.”.
Em consequência, propõe a receita para os problemas que surgem:
A melhor resposta à confiança dos eleitores é olhar para o futuro e perceber em cada momento os anseios daqueles que representamos, ouvindo as críticas justas daqueles que nos observam e escrutinam. A melhor resposta à expectativa dos cidadãos é demonstrarmos que não pactuamos com facilitismos, não agimos com ligeireza. (…) Tal como há 45 anos, estamos em empenhados em cuidar do que é frágil e que se constrói todos os dias, a nossa democracia, projetar o futuro, fazendo a pedagogia da democracia, de um parlamento livre e democraticamente eleito.”.
Neste espírito se criou a Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas e o Grupo de Trabalho no seio da Conferência de Líderes da Assembleia da República, para “encontrar a concórdia para as dificuldades existentes e harmonia para as dissonâncias”. E Ferro Rodrigues diz que o tempo se encarregará “de ver resultados e eventuais fragilidades”, pois, em democracia, há sempre lugar para melhorar a democracia”. Mas avisa:
Não é aviltando o papel do Parlamento e dos Deputados que se avança, não é com mentiras e desinformação que se avança. É com responsabilidade, respeito e dedicação à causa pública.”.
Em nome do reforço da participação democrática, com recurso às novas tecnologias e sem necessidade de qualquer alteração legislativa, disse que foi lançado o Parlamento Digital e o Centro Interpretativo do Parlamento: o 1.º já em pleno funcionamento; e do 2.º espera-se que no próximo 25 de Abril esteja a “receber visitas de escolas e todos os que nos procuram”. E assegura:
Os partidos políticos democráticos têm aqui ferramentas que lhes permitem abrir-se mais à sociedade, renovando ideias, dirigentes e militantes. Se não o fizerem, outros o farão. Disso não restam dúvidas. A internet e as redes sociais podem ser, de facto, um fator de aproximação de pessoas, povos e instituições.”.
Contudo, lamenta os conteúdos falsos e a perda de qualidade deôntica na comunicação:
Infelizmente, também têm funcionado como instrumento de difusão de conteúdos falsos e difamatórios, frequentemente veiculados por agentes anónimos com recurso à automação. São os próprios fundadores de algumas dessas redes sociais que o reconhecem. Paralelamente, vemos o jornalismo profissional, feito de acordo com as regras deontológicas, a perder espaço na formação da opinião.”.
E, citando Hannah Arendt, sentencia:
A liberdade de opinião torna-se uma farsa quando a informação sobre os factos não está garantida e quando os próprios factos não são o objeto do debate. Ora, uma democracia sem direito à informação e sujeita à lei do boato e da pura propaganda não é uma democracia digna desse nome. Este é um debate que se impõe. Porque nenhuma democracia está imune a estes riscos. Nem sequer a mais antiga democracia do mundo.”.
Depois, evoca o projeto europeu, que se mantém necessário e cuja validade é óbvia, e avisa:
Com todos os seus defeitos, o projeto europeu trouxe ao velho continente a paz, a democracia e o desenvolvimento. Por vezes, é preciso lembrar aquilo que é elementar. As pessoas estão disponíveis para ouvir os seus representantes. Assim eles ouçam, falem e decidam de acordo com os compromissos assumidos. É preciso lembrar que, num mundo cada vez mais integrado, a margem de manobra nacional reforça-se com dinâmicas de integração regional.”.
E, porque nada se resolve a sós, expõe o princípio-base, exemplifica e faz o respetivo corolário:
Nenhum dos grandes desafios estratégicos que enfrentamos será [‘mais bem’, em vez de ‘melhor’] resolvido por cada Estado isoladamente. É assim com as alterações climáticas, com o combate ao terrorismo (que cobardemente ataca todos, desde o Sri Lanka e a Nova Zelândia até à França e aos Estados Unidos), com a fraude fiscal e o branqueamento de capitais, com os desafios da transição digital e das migrações. O tempo do orgulhosamente sós já lá vai. Os portugueses deixaram esse tempo para trás há 45 anos e não querem lá voltar. O tempo não volta para trás.”.
Por outro lado, tem a chave da questão:
Colocar a globalização, a integração europeia e a mutação tecnológica ao serviço das pessoas. O Pilar Europeu dos Direitos Sociais tem de deixar o plano das intenções e passar para o plano da vida concreta dos cidadãos europeus.”.
Sobre o populismo e o que se entende por este fenómeno, especifica discorrendo:
Fala-se muito por estes dias de populismo, do espectro do populismo a pairar pela Europa. (…) Mas, como dizia Nani Moretti, no filme Palombella Rossa, ‘as palavras são importantes’. Do que falamos quando falamos de populismo? Falamos de ultra nacionalismo, de xenofobia, de derivas autoritárias. Falamos do ódio ao imigrante, às minorias, ao parlamentarismo democrático. Falamos das novas vestes da velha extrema-direita. Falamos da cultura do medo e da irracionalidade na política, falamos de perspetivas de violência nas ruas e de condicionamentos de opinião.”.
E infere:
As condições de vida das pessoas não passam por divisões simplistas entre povo e oligarquia, ou entre maiorias conservadoras e minorias identitárias. A mais profunda clivagem política continua a ser entre aqueles que combatem todas as formas de desigualdade e aqueles que só contribuem para reforçar as desigualdades e as discriminações sociais. É este o debate que interessa à vida concreta das pessoas. É aí que está a origem do atual desencanto democrático e do galope abstencionista. Esta obsessão com o individual e o privado está a deslaçar as nossas sociedades. Está a criar uma luta de todos contra todos, uma lógica de salve-se quem puder, uma preocupante ausência de empatia humanista.”.
Ora, sendo necessário “recuperar o sentido do coletivo, do bem-comum, do espaço público”, é de observar:
Não são só o Parlamento e os Partidos Políticos que têm de se abrir a esse despertar da cidadania. São também os parceiros sociais, as centrais sindicais, que devem compreender que sem inclusão, participação ativa dos associados e justiça nas reivindicações, a tendência para a fragmentação e para o reforço dos interesses com pequena dimensão mas grande poder, será dificilmente reversível.”.
E, na última Sessão Legislativa da 13.ª Legislatura, deixa o desafio para a próxima Legislatura:
Que consigamos ser tão exigentes com os efeitos sociais das políticas públicas como somos quanto ao seu efeito económico e financeiro. Que além das várias instituições que zelam pelo rigor orçamental surjam no espaço público as vozes daqueles que têm menos voz: a voz dos mais pobres, a voz de todas as vítimas da discriminação social.”.
Segue-se o tão aplaudido elogio político ao Presidente Marcelo, que julgo descabido e parcial.
Por fim, em ano eleitoral deixa um oportuno apelo aos líderes políticos e parlamentares:
Que sejam capaz de travar um debate franco e leal, baseado em alternativas políticas claras. A política democrática é essencialmente isso: um confronto tolerante entre interesses sociais e programas políticos conflituantes. A política de casos é a arma dos fracos, daqueles que não têm ideias nem alternativas. Não resolve os desafios estruturais do país nem os problemas concretos das pessoas. Só serve para minar a democracia e envenenar a vida pública.”.
E, em termos genéricos, exorta à resposta com a exemplaridade republicana e com a convicção democrática às tentativas de degradação do espaço público e com o confronto democrático dos argumentos ao desprezo pelo conhecimento e pela cultura – garantindo:
Os tempos que aí vêm, com o esforço de todos nós, não serão tempos de ódio, violência e demagogia: serão tempos de serviço público, de políticas contra as desigualdades, de defesa da Cultura e do Património do país”.
***
Boa!
2019.04.25 – Louro de Carvalho

Sem comentários:

Enviar um comentário