O Governo desiste de proceder a reformulação estrutural
do mecanismo de acesso ao ensino superior e vai deitando remendos no sistema
com anúncios que primam pela falta de clareza. Desta feita, foca-se nos alunos
do ensino profissional estribando-se no facto de haver um regime especial para
os maiores de 23 anos.
***
Quando em 1996, sob a orientação do Ministro
Marçal Grilo, passou a ser obrigatória a sujeição dos alunos do ensino
científico-humanístico e do ensino a exames nacionais como condição para a
conclusão do ensino secundário, os alunos do ensino tecnológico e os do ensino profissional,
e artístico, porque o curso exigia a aprovação na PAT ou na PAP, respetivamente
eram obrigados a fazer exame da chamada disciplina-base, da componente de
formação científica consoante o curso e, para ingresso no ensino superior,
faziam exame na(s) disciplina(s) de ingresso exigida(s) para o respetivo curso
superior. E tinha de se apurar a média do ensino secundário, para efeitos de ponderação
na média de candidatura, à semelhança dos cursos científico-humanísticos, com
as devidas adaptações. Nos anos posteriores foi abolido o exame da
disciplina-base.
Com David Justino, nos termos do art.º 26.º da
Portaria n.º 550-C/2004, de 21 de maio, os alunos que
pretendessem prosseguir estudos superiores eram ainda sujeitos a avaliação
sumativa externa, com exames nacionais em três disciplinas: a disciplina de Português; e duas
disciplinas da componente de formação científica, identificadas, para cada
curso, na respetiva portaria de criação. E, em relação aos alunos dos cursos
tecnológicos, o art.º 20.º da Portaria n.º 550-A/2004, de 21 de maio, estabelecia que, para
conclusão do curso, deviam sujeitar-se a exame nas disciplinas de Português,
Filosofia e disciplina
trienal científica da componente de formação científica. E,
em vez da PAP (Prova de Aptidão
Profissional), tinham a PAT (Prova de Aptidão Tecnológica).
No consulado de Maria de Lurdes Rodrigues, os
exames de conclusão do ensino secundário nos cursos científico-humanísticos cingiram-se
à disciplina de Português para todos e a mais duas:
uma disciplina bienal e outro de uma disciplina trienal, dentro do conjunto de
disciplinas que compõem o currículo dos cursos científico-humanísticos –
devendo ter em conta que deveriam coincidir com o(s) da(s) disciplina(s) de ingresso exigida(s)
para o respetivo curso superior. Nas demais disciplinas, os alunos ou eram
avaliados pela escola segundo os mecanismos de avaliação interna ou, se estavam
fora do sistema educativo, sujeitavam-se a exames de equivalência à frequência.
Em relação aos cursos profissionais, o n.º 2 do art.º Único da Portaria n.º 797/2006, de 10 de agosto, revogou o art.º 26.º
da Portaria n.º 550-C/2004, de 21 de maio, pelo que só os alunos que
pretendessem ingressar no ensino superior ficavam obrigados à realização
do exame nacional de Português, assim como à realização de outros dois exames:
um de uma disciplina bienal e outro de uma disciplina trienal, dentro do
conjunto de disciplinas que compõem o currículo escolar dos cursos
científico-humanísticos, abrangendo a(s) disciplina(s) de ingresso. Porém, as
classificações de exame não influenciavam a classificação sumativa interna nas
ditas disciplinas, sendo que a média da conclusão do curso era calculada com
base na média ponderada das classificações nas diversas disciplinas e na PAP. E, quanto aos cursos
tecnológicos, a Portaria n.º 260/2006, de 26 de março, introduziu alterações em
alguns artigos da Portaria n.º 550-A/2004, de 21 de maio, sendo que na sua nova
redação, o n.º 3 do art.º 15.º estabelece que “a
avaliação sumativa consubstancia-se exclusivamente na modalidade de avaliação
sumativa interna”,
pelo que o art.º 20.º foi revogado.
E os dos cursos EFA (Educação e Formação de Adultos de nível secundário) ingressavam em
curso superior com a média do(s) exame(s) da(s) disciplina(s) de ingresso, sem
média do secundário.
***
Porém, os alunos dos cursos profissionais e dos cursos do ensino
artístico especializado que concluíram o seu curso a partir do ano letivo
2012/2013 e os dos cursos vocacionais, que pretendam aceder ao ensino superior
têm de realizar o exame nacional de Português, código 639, e outro
exame à sua escolha de entre os que são oferecidos para os vários cursos
científico‐humanísticos, como
decorre da Portaria n.º 74-A/2003, de 15 de fevereiro, cujo art.º 29.º
estabelece:
“1 - Para os alunos abrangidos pelo disposto
na alínea c) no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de
julho, a classificação final de curso para efeitos de prosseguimento de estudos
no ensino superior (CFCEPE) é o valor resultante da expressão: (7CF+3M)/10,
arredondado às unidades, em que: CF é a classificação final de curso, calculada
até às décimas, sem arredondamento, subsequentemente convertida para a escala
de 0 a 200 pontos; M é a média aritmética simples, arredondada às unidades, das
classificações, na escala de 0 a 200 pontos, dos exames a que se refere o n.º 4
do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho.
“2 - Só podem ser certificados para efeitos
de prosseguimento de estudos no ensino superior os alunos em que o valor de
CFCEPE e a média das classificações obtidas nos exames a que se refere o n.º 4
do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho, sejam iguais ou
superiores a 95.
“3 - Para os alunos abrangidos pelo disposto
na alínea c) no n.º 2 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 139/2012, de 5 de julho,
que no ano letivo de 2012-2013 concluam um curso profissional, a classificação
final de curso para efeitos de prosseguimento de estudos no ensino superior
(CFCEPE) é o valor resultante da expressão (8CF+2P)/10, arredondado às
unidades, em que: CF é a classificação final de curso, calculada até às
décimas, sem arredondamento, subsequentemente convertida para a escala de 0 a
200 pontos; P é a classificação, na escala inteira de 0 a 200 pontos, obtida no
exame a que se refere a alínea a) do n.º 4 do artigo 29.º do Decreto-Lei n.º
139/2012, de 5 de julho.”
Estas
medidas substituíram os três exames nacionais obrigatórios até então previstos
para estes alunos, os quais, caso quisessem prosseguir estudos superiores
ficavam obrigados à realização do exame nacional de Português, assim como à
realização de outros dois exames: um de uma disciplina bienal e outro de uma
disciplina trienal, dentro do conjunto de disciplinas que compõem o currículo
escolar dos cursos científico-humanísticos.
Ao contrário das regras anteriores, que previam notas mínimas
de 9,5 valores nestes exames, ou na média do conjunto, deixa de haver notas
mínimas que o aluno precisa de atingir nestes exames. No entanto, caso algum
destes exames seja também prova de ingresso para o curso a que o aluno vai
concorrer, continuam a aplicar-se nessa componente as classificações mínimas
que o curso e a instituição de ensino superior exigirem.
***
As informações de acesso ao ensino superior para 2019/2020 indicam:
Há que ter
em conta o que se designa por CFCEPE, ou seja, Classificação Final de
Curso para Efeitos de Prosseguimento de Estudos no ensino superior. Esta será
calculada segundo a expressão: CFCEPE = (7CF+3M)/10 em que: “CF” é a
Classificação Final do curso, calculada até às décimas, sem arredondamento,
convertida para a escala de 0 a 200; “M” é a Média aritmética simples,
arredondada às unidades, das classificações, na escala de 0 a 200 pontos, dos
dois exames obrigatórios referidos. Assim, embora não seja exigida nota mínima
em cada um dos exames nacionais que realizar, o aluno só pode concorrer ao ensino superior caso a CFCEPE seja igual ou
superior 95 pontos. E, Caso o aluno tenha concluído o curso profissional ou o curso
do ensino artístico especializado anteriormente ao ano letivo de 2012/2013,
apenas realiza os exames nacionais que sejam pedidos como provas de ingresso.
***
Agora, foi
anunciada a novidade para futuro.
No passado dia 23 de abril, o Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior,
Manuel Heitor, no Parlamento, noticiou que os alunos de cursos profissionais
não deverão fazer exames para ingressar no ensino superior a partir do próximo
ano, “à semelhança do que se passa com os alunos do científico humanístico”. A alteração
do acesso ao ensino superior para os alunos com origem nos cursos
profissionais, por concursos locais nas instituições, não vai obrigar a exames
adicionais e deve ter apenas por base as notas e competências adquiridas pelos
alunos.
Manuel
Heitor falando, no Parlamento, durante uma audição regimental na comissão de educação
e ciência, disse aos deputados que o Governo, “em diálogo com as instituições e
após discussão com o conselho nacional do ensino superior”, está a “conceber
uma 3.ª via” de acesso ao ensino superior para estes alunos, para lá do
concurso nacional de acesso, que obriga a exames nacionais a disciplinas fora
dos seus currículos, e dos cursos superiores profissionais (CTESP). E especificou:
“Mas não é para ter mais provas, foi essa a
grande inovação face ao sistema que esteve em discussão e que os próprios
institutos politécnicos solicitaram que não fosse posto em prática. É fazer
concursos locais usando apenas as aptidões, as competências e as notas que eles
têm no seu percurso profissional à semelhança do que se passa com os alunos do
científico humanístico, que não fazem mais nenhum exame. São os seus exames na
via científica e humanística que lhes dão acesso ao ensino superior.”.
Segundo o
que disse o Ministro à Lusa, à saída
da audição, os concursos locais terão que ser registados na DGES (Direção-Geral
do Ensino Superior) e só
depois serão definidas as vagas alocadas em cada instituição, que deverão ser
fixadas em 10% a 15% do total de vagas no concurso nacional de acesso. E o
processo de decisão só ficará concluído em meados de maio.
Já no final
de março o Expresso avançava que o
Governo estava a preparar alterações ao regime de acesso ao ensino superior
para os alunos do ensino profissional com efeitos já no próximo ano letivo, para
permitir que estes alunos (com planos curriculares específicos nos seus cursos
mais práticos e profissionalizantes) possam
entrar num curso superior sem fazer exames nacionais.
A ideia
então passava por substituir os exames nacionais em disciplinas que muitas
vezes não faziam parte dos currículos, mas que são prova de ingresso nos cursos
superiores, por concursos locais, ou seja, seria dada a possibilidade às
instituições – universidades e institutos politécnicos – de definirem critérios
e provas de acesso específicas para estes alunos.
Desta feita,
o Ministro excluiu que as condições de acesso nos concursos locais passem por
aplicar provas ou exames.
E, em
entrevista à Lusa no início de abril,
Pedro Dominguinhos, presidente do CCISP (Conselho Coordenador dos Institutos
Superiores Politécnicos), recusou
que as alterações a ser preparadas possam ser uma via de acesso facilitista
para os alunos do ensino profissional e sublinhou que existem outras formas de
medir os conhecimentos à entrada para os cursos que não passam por exames, e
que já são aplicadas em regimes especiais de acesso como o ‘maiores de 23’, um regime específico para
adultos.
***
Em novembro
de 2016, a equipa escolhida pelo Governo para
avaliar o regime de acesso ao ensino superior defendia o fim dos exames
nacionais de ingresso para os alunos dos cursos profissionais, que deveriam
antes fazer provas especificas de acesso aos institutos politécnicos. Era uma das propostas contidas no
Relatório Sobre a Avaliação do Acesso ao Ensino Superior, pedido pelo
Ministério do Ensino Superior e Ciência e que deveria servir de base a
eventuais alterações no sistema de acesso ao ensino superior.
A equipa de
investigadores começava por lembrar, no relatório, que o número de pessoas com
formação superior em Portugal continuava muito abaixo da média europeia e da
OCDE e que as instituições de ensino superior vinham concretizando várias ações
para atrair novos alunos, muitas vezes com pouco sucesso. Por outro lado,
salientava o alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12.º ano (ou até aos 18 anos de idade) e a crescente adesão dos estudantes
aos cursos profissionalizantes. Nessa altura, 45% dos alunos do ensino
secundário (quase metade) frequentavam cursos
profissionalizantes, mas apenas uma pequeníssima percentagem prosseguia estudos
no ensino superior (4%), como sublinhava a equipa
coordenada por João Guerreiro, presidente da Comissão Nacional de Acesso ao
Ensino Superior.
Tendo em
conta estas realidades, a equipa defendia a “criação dum concurso especial de
acesso ao ensino superior para os diplomados dos cursos profissionalizantes (cursos profissionais e cursos de
aprendizagem)”.
Por
consequência, a equipa dava indicações de alguns ajustamentos e novas opções no
acesso ao ensino superior tendo em conta a variedade de modalidades existentes
no ensino secundário, que vão desde os clássicos cursos científico-humanísticos
aos percursos artísticos especializados e aos profissionalizantes. Assim o
grupo de investigadores defendia a criação de novos concursos especiais de
acesso, adequados às ofertas do ensino secundário, e a simplificação das
condições de certificação para o acesso. E, no atinente aos alunos dos cursos
artísticos especializados, por exemplo, a equipa de estudo defendia o fim dos exames
nacionais como condição para a certificação destes diplomados para a
candidatura ao ensino superior.
A atribuição
de maior autonomia às instituições de ensino superior no momento de escolher os
seus alunos era outra das posições defendidas pelo grupo de trabalho.
Aumentar a
percentagem de licenciados em Portugal e o número de alunos a frequentar as
instituições de ensino superior são duas das preocupações dos investigadores,
que defendem também que deveria haver um concurso nacional de acesso
aos cursos Técnicos Superiores Profissionais, que funcionam nos institutos
politécnicos.
***
Quer dizer: o
Governo parece estar mais preocupado com as estatísticas do que com a
eficiência do regime de acesso e a qualidade do ensino superior. Há poucos licenciados
em relação à média europeia e à da OCDE e, para inverter a tendência, brita-se
o sistema, não se reformula. E, no facilitismo, o Ministro quer ultrapassar o que
restava, na equipa, de rigor. E a Universidade, que devia ser o suprassumo da investigação,
da produção e divulgação do conhecimento, vai na onda movida pelo medo de
perder população discente! E o Politécnico, que devia ser o grande cultor da prática
iluminada pelo saber, deixa-se ir na mediocridade.
E a mistura
de narizes continua, bem como a diferenciação sem equidade. No primeiro caso, o
ensino secundário dos cursos científico-humanísticos é obrigado a gravitar em
torno do ingresso no ensino superior, sem que os não candidatos a ensino
superior possam ver o seu curso secundário concluído sem a sujeição a exame (quando deviam ser as instituições do
ensino superior a selecionar os seus alunos), ao invés dos outros, no segundo caso, para quem o ensino secundário
se conclui sem exames e as instituições do ensino superior não poderão
determinar provas de ingresso! E têm a lata de equiparar isto ao ‘maiores de 23’.
Teremos licenciados de segunda?
Assim, não é
a vida, Costa!
2019.04.26 –
Louro de Carvalho
Sem comentários:
Enviar um comentário