O Decreto Regulamentar n.º 2/2019, de 5, de
fevereiro, estabelece as regras para a fixação
da prestação a atribuir na situação de pré-reforma que corresponda à suspensão
da prestação de trabalho em funções públicas.
Nos termos
do art.º 2.º deste diploma, “a situação de pré-reforma constitui-se por acordo
entre o empregador público e o trabalhador, do qual constam as indicações
previstas na Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aprovada em anexo à Lei
n.º 35/2014, de 20 de junho, na sua redação atual, designadamente no n.º 3 do
artigo 284.º, e depende da prévia autorização dos membros do Governo
responsáveis pelas áreas das finanças e da administração pública, a obter
através do membro do Governo que exerce o poder de direção, superintendência ou
a tutela sobre o empregador público”.
O art.º 3.º
estabelece que “o montante inicial da prestação de pré-reforma é fixado por acordo
entre empregador público e trabalhador, não podendo ser superior à
remuneração base do trabalhador na data do acordo, nem inferior a 25 % da
referida remuneração”, sendo a prestação “atualizada anualmente em percentagem
igual à do aumento de remuneração de que o trabalhador beneficiaria se
estivesse no pleno exercício das suas funções”.
E o artigo
4.º estipula que “o período na situação de pré-reforma releva para a
aposentação, mantendo-se, relativamente aos trabalhadores integrados no regime
de proteção social convergente, a obrigação de o subscritor e o respetivo
empregador pagarem mensalmente as contribuições à Caixa Geral de Aposentações,
I. P., calculadas à taxa normal com base no valor atualizado da remuneração
relevante para aposentação que serviu de base ao cálculo da prestação de
pré-reforma”.
O predito
decreto regulamentar não precisa quem é o empregador público, nem os critérios
a observar para a determinação da prestação inicial (a margem
entre 25% e 100% é ampla) e não
oferece um painel de condições que levem a entidade que autoriza deva ter em
conta.
***
Hoje, dia 2 de abril (dois meses depois da
publicação do predito diploma regulamentar) Mário Centeno, em entrevista ao Público,
deixou claro que o Governo vai ser muito cauteloso na análise dos pedidos de
pré-reforma, pois, como aduziu, “o país não está numa [tal] posição
económica, financeira e social que se possa dar ao luxo de ter as pessoas a
sair do mercado de trabalho”.
É certo que
a entrevista não aborda unicamente a questão da pré-reforma. Mas esta é uma
questão que está na ordem do dia face às executivas que gerou.
Questionado sobre o facto de a pré-reforma na função pública estar em
vigor desde o início de fevereiro e os trabalhadores se queixarem de que os
serviços não estão a dar seguimento aos pedidos, respondeu secamente que não
tem “conhecimento de pedidos”.
E, ao tentarem esclarecê-lo de que os pedidos existem, mas os serviços não
têm instruções sobre como lhes devem dar seguimento, amenizou o teor da
resposta: “Posso não ter conhecimento”.
Entretanto, aproveitou para reagir à provocação de que o Governo
pretendera, com o referido diploma, abrir uma porta e, depois, não deixar que
as pessoas a utilizem:
“Nós equiparamos os sistemas púbico e
privado. Não estamos a abrir a porta às pré-reformas. A avaliação será feita
caso a caso. Politicamente, o país não está numa situação económica, social e
orçamental em que o sinal que se queira dar é de que as pessoas se podem
pré-reformar.”.
E justificou a recente decisão de regulamentar esta modalidade com a
necessidade que havia de equiparar o
setor público ao privado e permitir do ponto de vista legislativo essa
possibilidade.
Porém,
quando afirmou que “outra coisa é a condução política”, foi advertido para o caso de o Governo estar a “defraudar
as expectativas de trabalhadores”, mas foi perentório a declarar:
“Não defrauda expectativas nenhumas. Estou
politicamente a dar o sinal do que é a gestão do conjunto da Administração Pública.
O país não está numa [tal] posição económica, financeira e social que se possa
dar ao luxo de ter as pessoas a sair do mercado de trabalho.”.
E à pergunta se do lado das Finanças haverá pouca disponibilidade para dar
luz verde a pré-reformas respondeu que a autorização para a pré-reforma “é casuística” e que “essa decisão
tem de ser tomada com uma enormíssima responsabilidade social, obviamente
laboral, e é para isso que o mecanismo existe”.
***
No dia
em que o Ministro das Finanças sublinhou que o país não se
pode dar “ao luxo de ter pessoas a sair do mercado de trabalho”,
Vieira da Silva, em declarações aos jornalistas na 4.ª Conferência dos
Ministros do Emprego e Trabalho da União para o Mediterrâneo, frisou que não é intenção do Executivo que a pré-reforma “seja
utilizada de forma generalizada, uma vez que o país precisa das competências
desses trabalhadores mais velhos”.
O Ministro
do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social sustentou a necessidade de se “garantir o acesso” ao emprego a todas as gerações,
notou que o mercado nacional tem revelado “uma elevada capacidade de integrar
pessoas já não tão jovens” e frisou que têm competências adquiridas durante décadas que “não devem ser
menosprezadas de forma simplista”.
Por
isso, considerou que a utilização de mecanismos como o da pré-reforma merecem uma
avaliação caso a caso e declarou que, apesar de essa
possibilidade não estar vedada, “não é intenção do Governo que esse instrumento
seja utilizado de forma generalizada”, porque Portugal precisa “muito
das competências daqueles que as adquiriram ao longo dos anos”.
Vieira
da Silva defendeu, assim, a valorização dos trabalhadores mais velhos, no dia
em que Mário Centeno enfatizou, em entrevista ao Público, que o novo regime das pré-reformas na Função Pública será
acompanhado de avaliações individuais.
***
Como foi referido, Centeno reconheceu que era
necessário “equiparar” o regime das pré-reformas na Função Pública ao do
privado,
mas sublinhou que o país não se pode dar “ao luxo de ter pessoas a sair do mercado de trabalho”.
Porém, as
dúvidas persistem. Por mais que Centeno diga que não tem conhecimento de
pedidos, eles existem e, se mais não há, é porque os serviços alegam não ter instruções
sobre os critérios, quer de autorização da pré-reforma, quer da percentagem da
prestação em cada caso sobre o vencimento mensal.
É óbvio que
não era legítimo esperar que a pré-reforma fosse como que um presente a
distribuir em ano eleitoral, pelo que o Ministro das Finanças tem alguma razão
em negar a frustração das expectativas dos trabalhadores por parte do Governo
em relação ao decreto regulamentar em causa. Todavia, não é legítimo que o
Governo, enquanto “órgão
superior da administração pública” (vd art.º
182.º da CRP), deixe que
os seus trabalhadores fiquem a errar na dúvida.
***
Como ficou
dito, Centeno abordou outros temas, sendo o primeiro o atinente à recuperação do
tempo de serviço dos militares, forças de segurança e carreiras da justiça,
cuja solução a inscrever em diploma que o Governo está a ultimar se inspira na
dos professores. Contudo, o Ministro avisou que quem teve valorizações
salariais e promoções no passado terá um tratamento diferente e desvalorizou o propalado
aumento da conflitualidade, porque entende que se está a discutir “um benefício
adicional” para estes trabalhadores. E, em relação ao diploma que recupera o
tempo de serviço dos professores e que vai ao Parlamento a 16 de Abril, avisou
o PCP e o BE de que novas despesas exigem novas receitas e que os benefícios
não se devem concentrar apenas em alguns.
À questão se o Programa de Estabilidade (PE) preverá verba para aumento
de salários na função pública em 2020 respondeu:
“Temos um conjunto de compromissos com as
despesas com pessoal na Administração Pública que vai ser cumprido. Estamos, em
três anos apenas, a descongelar nove anos de carreiras e a recuperar o tempo de
serviço que não estava no plano inicial e que tem um impacto grande em 2020,
porque não se restringe apenas aos professores. Temos outras carreiras
na Defesa, no Ministério da Administração Interna e na Justiça em que o
tempo de serviço tem de ser considerado e o Governo está a preparar essa
legislação.”
Depois, esclareceu em que sentido a solução se inspira na encontrada para
professores:
“Está escrito nos Orçamentos do Estado (OE)
entre 2011 e 2017 que nas carreiras onde o tempo é um elemento preponderante na
determinação das progressões, o tempo [congelado] não era contado. É isso que
estas carreiras têm em comum, a partir daqui são só diferenças e muito
significativas. Por exemplo, a carreira dos professores é unicategorial, as
outras são pluricategoriais e existe um mecanismo de progressão salarial que é
a promoção. Numa carreira em que, mesmo não tendo havido progressões, houve
promoções não posso usar exatamente o mesmo conceito que usei nos professores, onde
quem não progrediu não teve aumentos salariais.”.
E, rejeitando
antecipar informação em concreto, disse que a solução já fora abordada com os
sindicatos e associações profissionais e que ainda está a ser ultimada
precisamente para garantir um tratamento igual onde ele pode ser igual. E reiterou:
“Se não progrediram de todo, são diferentes
dos que já tiveram promoções e já tiveram valorizações salariais. É evidente
que não estamos a tratar da mesma coisa e, portanto, temos de criar mecanismos
de equilíbrio transversal nestas matérias.”.
Não deixou de comentar o facto de o diploma sobre o caso dos professores
ter sido chamado ao Parlamento e o de o BE e o PCP gostarem de que fosse adotada
a solução encontrada nos Açores e Madeira. E, nesse sentido, discorreu:
“O Governo governa com base nas leis que
existem no país. Algumas são da responsabilidade do Governo e, em última
análise, são passíveis de ser chamadas à Assembleia da República, que tem a
última palavra. É preciso entender duas coisas. [Quanto à] primeira, é que
estamos a falar de uma competência do executivo e não faremos um bom serviço à
democracia portuguesa se sobrepusermos competências de um órgão de soberania
perante outro órgão de soberania. [Quanto à] segunda, é importante que, quando
se criam novas despesas, se pense em novas receitas.”.
Não receia que o Parlamento altere o decreto-lei e sustentou claramente
que “o Parlamento tem legitimidade para o
fazer”. Porém, advertiu:
“Estamos a tratar uma situação que
consubstancia uma revisão da legislação adotada desde 2011 e esse é um ato
muito único em todo o processo de recuperação da economia portuguesa, que
contou com a solidariedade de todos os portugueses, em particular dos que,
durante o período da crise, perderam o emprego. Não é legítimo que os
benefícios sejam concentrados nuns profissionais.”.
À insinuação da potencial conflitualidade que possa surgir nas áreas da
justiça, dos militares ou das forças de segurança em virtude de não ser recuperado
todo o tempo congelado, disse:
“Não vejo como isso possa acontecer, porque
estamos a discutir um benefício adicional para um conjunto de trabalhadores.
Esse benefício adicional vai ao encontro, parcialmente presume-se, da
reivindicação que foi feita. Espero que todos entendamos o que significa para
um país rever legislação passada.”.
Quanto ao montante necessário para cumprir o acórdão do Tribunal Constitucional
sobre a revisão das pensões da função pública atribuídas desde 1 de Janeiro de
2013, referiu:
“Não sabemos neste momento qual é o
montante. É mais uma medida temporária que se veio a demonstrar não conforme
com a lei e é evidente que essa é uma restrição adicional à gestão das
finanças públicas nos próximos anos.”.
***
No atinente ao novo modelo de financiamento dos hospitais, desenvolveu:
“Esse modelo tem vários pilares. Dois estão
implementados, ou seja, os hospitais iniciaram o ano de 2019 com duas
pré-condições para uma mais racional utilização dos dinheiros públicos: menos
dívida e orçamentos mais próximos do que foi a execução orçamental recente.
Falta um último passo, que está praticamente concluído, que são os novos
contratos de gestão e a forma como nesses contratos de gestão dão – e vou dizer
isto muito depressa porque não há uma sem a outra – autonomia/responsabilidade
e responsabilidade/autonomia. Temos que dar mais autonomia, estamos conscientes
de que isso é vantajoso. E com essa autonomia virá mais responsabilidade.”.
Anuindo a que a autonomia dos hospitais poderá passar pelos investimentos,
assentou em que “os hospitais
podem fazer investimentos até 2% do seu capital estatutário”. E explicou:
“Como há muitos anos o problema das dívidas
é resolvido através de injeções de capital, há hospitais que têm capitais
estatutários gigantescos para a sua dimensão operacional. Isto significa, por
exemplo, que o conjunto dos hospitais EPE podem fazer investimentos próximos
dos 150 milhões de euros sem pedir autorização. Os únicos investimentos
que os hospitais precisam de pedir à tutela são os plurianuais que,
normalmente, significam investimentos que afetam a rede hospitalar.”.
E concluiu:
“A autonomia que já existe é muito
significativa. Depois, há mais noções de autonomia que vão estar consagradas no
documento do contrato de gestão e vão numa dimensão mais operacional. Faz todo o sentido que um hospital
possa ter mais flexibilidade para contratar ou para substituir pessoas e para
fazer face a picos de serviço.”.
***
Em relação ao
facto de o investimento público ter crescido menos do que previa, o Ministro
justificou-se dizendo que, “às vezes, os concursos ficam desertos” e que “o
Governo só pode gastar aquilo que o parlamento autoriza”. Mas usou de parolice
desnecessária quando disse:
“O investimento não é como o ‘Anita vai
às compras’, não vamos com o Pantufa, com um cesto, comprar investimento. O
investimento tem concursos e, às vezes, os concursos ficam desertos. Tem
acontecido durante este ano, porque ninguém faz propostas abaixo do preço que a
Administração Pública coloca como valor máximo de licitação.”.
Disse que o
facto de a carga fiscal ter ficado em 2018 acima do orçamentado “é um desvio”,
não um erro e que, ao fazer-se a conta para a carga fiscal, “falta PIB para
esta economia”. E vincou:
“O que aconteceu foi que o consumo do
território acelerou, a sua composição mudou e os salários cresceram muito mais
do que o PIB, o que significa que estes dois impostos [IVA e contribuições
sociais], mas também o IRS, cuja incidência caiu através da subida do mínimo de
subsistência e da revisão dos escalões, aumentaram mais do que a economia”.
Sobre a
justificação de Portugal a propósito dos empregos na Zona Franca da Madeira, Centeno
disse que “não foi bem entendida” em Bruxelas. E, reagindo às conclusões
preliminares da investigação da Comissão Europeia, o Ministro reconheceu que a
informação enviada por Portugal ao longo de três anos “não foi suficiente para [a]
convencer de coisa diferente que não seja que havia abuso no auxílio de Estado”.
***
A entrevista
é bastante explicativa. Porém, surge tardia a explicação dada sobre o sentido e
a limitação das pré-reformas, que, em nome da transparência e da equidade,
deviam pautar-se por condições e critérios objetivos, que não os há, embora a
aplicar caso a caso. E essa de que o Governo só pode gastar o que o Parlamento autoriza
não pega, pois o Orçamento do Estado resulta de proposta do Governo.
Quanto ao
mais, salva-se o Ministro e o Governo, a não ser quanto ao princípio da integral
recuperação do tempo de serviço congelado e ao uso desnecessário de parolices
discursivas.
Enfim, são
os técnico-políticos que temos e a quem o eleitorado deu o voto proporcional!
2019.04.02 –
Louro de Carvalho
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