segunda-feira, 22 de abril de 2019

Os atentados no Sri Lanka ensombram o fulgor da Páscoa


Refere o Público on line que os atentados do Sri Lanka – com 290 mortos e 500 feridos, segundo o mais recente número oficial – que pode ainda aumentar – entram para o lote dos piores de que há registo, embora ainda estejam no topo da lista os ataques da Al-Qaeda em território norte-americano em 2001, os piores de sempre, em que morreram 2977 pessoas. 
Com efeito, os ataques deste domingo de Páscoa – em igrejas cristãs e no centro de Colombo, a capital – mataram pelo menos 290 pessoas e fizeram mais de meio milhar de feridos, entre os quais cerca de três dezenas de estrangeiros, um dos quais era um português de Viseu, que ali estava em lua-de-mel (ficando uma viúva precoce) e três filhos do homem mais rico da Dinamarca.
De acordo ainda com a AFP, citada pela revista Time, em janeiro passado, a polícia daquele país apreendeu explosivos e detonadores e deteve quatro elementos do NTJ (National Towheed Jamath). E, segundo a Reuters, vários muçulmanos do Sri Lanka juntaram-se ao ISIS, na Síria.
O Governo pensa que o NTJ, grupo terrorista islâmico recém-criado, será o autor dos ataques e confirma que os serviços secretos tinham sido avisados 14 dias antes da Páscoa. Nesse sentido, vinha a informação da AFP (a Agência France-Presse) segundo a qual um grupo recém-formado de extremistas islâmicos estaria há vários dias sob vigilância das autoridades cingalesas, que temiam atentados suicidas contra igrejas católicas por parte do NTJ.
Como refere Valentina Marcelino, do DN, as autoridades anunciaram a detenção de 7 suspeitos, mas não foi confirmada ainda a ligação àquele grupo. O Governo apenas confirma que são extremistas religiosos, para evitar que haja reações contra a comunidade em causa.
Entretanto, o Conselho Muçulmano do Sri Lanka – duma comunidade que representa menos de 10% da população, que tem uma maioria budista, com cerca de 70% – condenou os atentados “contra os irmãos e irmãs ‘cristãos’ na celebração da Páscoa”, bem como nos hotéis em Colombo, e exprimiu pesar pela perda de “vidas inocentes devido a elementos extremistas e violentos que querem criar divisões entre religiões e grupos étnicos para marcar a sua agenda”.
O Sri Lanka declarou estado de emergência em 2018, depois de multidões de budistas terem atacado mesquitas, casas e propriedades muçulmanas na cidade de Kandy. Estes ataques terão sido a retaliação a um espancamento de um budista por um muçulmano.
Entretanto, nova explosão foi hoje, dia 22, registada no Sri Lanka, na cidade de Colombo, perto da igreja de St. Anthony, local de culto já tinha sido afetado nos ataques do passado domingo – conta a NBC News. O jornalista do The Guardian Michael Safi partilhou um vídeo onde se veem várias pessoas a fugir, em pânico, e o próprio alega ter havido uma “pequena explosão”.
E Azzam Ameen, repórter da BBC, publicou um tweet onde afirma que a explosão terá ocorrido quando as autoridades estavam a tentar desativar um novo engenho explosivo localizado dentro dum veículo. Publicou também, mais tarde, uma imagem da zona onde se deu a nova explosão. Ainda não há relatos de baixas.
Como recorda a já mencionada Valentina Marcelino, durante 30 anos, uma guerra civil sangrenta assolou o Sri Lanka, tendo morrido mais de 70 mil pessoas (o Vatican News fala em 80 mil mortos). A maioria budista levantou-se contra os tâmiles do norte, que reivindicavam um Estado independente, até que, em 2009, a vitória governamental contra os rebeldes, os ditos Tigres Tâmil, criou a expectativa de paz no país. Porém, os ódios religiosos e étnicos parecem continuar a marcar aquele território.
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Em outro artigo no DN, a predita jornalista faz um apontamento sobre a História e a Geografia do Sri Lanka. Começa por relacionar a forma lacrimal da ilha com a história recente do país, marcada por banhos de sangue e muitos ódios entre a maioria cingalesa (comunidades budistas), hindus, muçulmanos e os tâmiles (hinduístas e católicos).
Assinala a edificação da fortaleza de Galle pelos portugueses liderados pelo navegador Lourenço de Almeida, que lá chegou em 1505, arrastado por uma tempestade e relaciona com Sri Lanka (antigo Ceilão) a “Taprobana” (nome romano) de que fala Camões na 1.ª estância da sua epopeia. Foram efetivamente os portugueses os primeiros europeus a desembarcar, em 1505, na ilha de aparência paradisíaca e território mítico, há séculos, na Europa pelas suas especiarias, sobretudo a canela.
Depois, evoca o santo lá canonizado pelo Papa Francisco em 2015: São José Vaz, nascido em 1651, na localidade indiana de Benaulin, em Goa, na época território administrado por Portugal, foi ordenado sacerdote na Congregação de São Felipe Neri. Enviado ao Sri Lanka, em 1687, como missionário para minorar a forte pressão que budistas e calvinistas exerciam contra a Igreja Católica, ali fundou mais de 15 Igrejas e 400 capelas, traduziu o Evangelho nos dois idiomas do país, o tâmil e o cingalês e morreu em Kandy (Sri Lanka), a 16 de janeiro de 1711
Releva que dos tempos de presença portuguesa ficou uma pequena comunidade cristã e uma cidade/fortaleza, Galle, nome cuja origem estará nos galeões portugueses ou nas “galés”, ou ainda no “galo” português, que os holandeses vieram a utilizar como símbolo no local.
A fortificação portuguesa, sob a invocação da Santa Cruz, foi erguida junto com uma capela franciscana e, mais tarde, serviu de prisão para cingaleses que se opuseram ao domínio português. Nos 150 anos de colonização portuguesa, foram criadas importantes feitorias: além de Galle, surgiram Colombo, Jafanapatão, Negumbo, Baticalo e Tricomalee. Mas os vestígios mais nítidos da presença portuguesa veem-se nos apelidos de mais de metade da população, como Perera, Fernandes, Sousa, Silva, ou Fonseca.
Sarath Fonseka é o nome do mais famoso general do país e que foi o arquiteto da estratégia do Governo que venceu os tâmiles em 2009, ano da morte do “Tigre” desta minoria que lutava por um estado independente no norte do país.
A guerrilha dos “Tigres de Libertação do Eelam Tâmil” (TLET) desferiu inúmeros ataques suicidas e outros atentados contra alvos civis e militares. Entre as vítimas, conta-se Rajiv Gandhi, ex-primeiro-ministro indiano, atingido por uma “mulher-bomba” em 1991.
Em mais de três décadas de conflito, não há inocentes, pois os rebeldes e o Exército Cingalês são acusados de violação dos direitos humanos e abusos vários por organizações como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch.
A derrota dos tâmiles levou o país a uma fase de aparente acalmia, só interrompida por ataques esporádicos dos maioritários budistas contra mesquitas e propriedades muçulmanas. No entanto, tais ataques levaram à declaração do Estado de Emergência em março de 2018, com o país a preparar-se para as legislativas de 2020. E o presidente Maithripala Sirisena anunciou, este ano, a retoma da pena de morte num país cuja última execução dum prisioneiro remonta a 1976.
Hugo Cardoso, investigador da Faculdade de Letras de Lisboa, em recente estudo, identificou no Sri Lanka uma comunidade de milhares de falantes de crioulo, que tem como origem a presença dos portugueses. Diz o linguista:
A língua é muito opaca, conseguimos imediatamente identificar algumas palavras, mas só depois de nos habituarmos à fonética é que começamos a reconhecer muitas mais palavras. Percebemos que o léxico é quase todo português, com transformações interessantes, com alguns arcaísmos e influência do holandês, do inglês e do tâmil. Mas, continua a ser fundamentalmente português.”.
Esta comunidade identifica-se como sendo a dos burghers – termo que significa “cidadãos” em holandês e que passou a designar todos os que tivessem ascendência euro-asiática (incluindo os portugueses e os holandeses) no Sri Lanka.
Na sua pesquisa, divulgada em março, Hugo Cardoso descobriu que a “Baila”, um estilo de música muito popular no país, tem também raízes portuguesas. E explicou:
Baila é um estilo de música do Sri Lanka, extremamente popular no país ao ponto de ser considerada a música nacional e que tem as suas raízes, tal como o nome indica, na presença portuguesa e nas tradições musicais destas comunidades burghers. Existe a baila cantada em crioulo português, mas também é cantada em tâmil ou cingalês.”.
Em 2014, Pedro Passos Coelho, então Primeiro-Ministro, esteve com elementos desta comunidade num orfanato apoiado pela AMI, cerca de 70 km a sul da capital, onde plantou uma mangueira (árvore nativa da Ásia), descerrou uma placa alusiva à sua visita, içou uma bandeira portuguesa e ofereceu às crianças uma bola da Federação Portuguesa de Futebol.
A Igreja Católica Romana no Sri Lanka tem origem na chegada dos portugueses àquele país, em 1505, na altura designado Taprobana. Os católicos representam atualmente cerca de 7% da população de 21 milhões de habitantes. Em 2015, como ficou dito, o Papa Francisco canonizou São José Vaz, missionário do século XVI.
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De acordo com o Público on line, o Sri Lanka entra na lista dos atentados mais mortíferos desde o 11 de Setembro. Na verdade, a série de atentados contra igrejas e hotéis de luxo que se verificou no Sri Lanka no domingo de Páscoa é um dos piores ataques terroristas de sempre.
Segundo uma contabilidade feita pelo The Guardian, está em segundo lugar um ataque do Daesh a 12 de junho de 2014 contra a Academia da Força Aérea na cidade de Trikrit (Iraque), cujo nome oficial era Camp Speicher, em que foram raptados e mortos no deserto mais de 1500 cadetes, 1500 xiitas e não muçulmanos.  
Cerca de 600 pessoas morreram e mais de 300 ficaram feridas a 14 de Outubro de 2017, quando foi provocada a deflagração dum camião cheio de explosivos no centro de Mogadíscio, capital da Somália. A explosão detonou um camião de combustível que estava perto, criando uma imensa bola de calor que incinerou pessoas e edifícios.
Em dezembro de 2008, o Exército de Resistência do Senhor, uma milícia ugandesa, atacou várias aldeias, na República Democrática do Congo, cercando pessoas que celebravam o Natal. De acordo com vários relatos nos media, foram mortas mais de 620 pessoas.
Em agosto de 2007, pelo menos 500 pessoas morreram e pelo menos 1500 ficaram feridas em ataques com carros armadilhados contra a comunidade yazidi perto de Mossul (Iraque) e haveria, mais tarde, mais mortos, bem como perseguidos e expulsos das suas casas, por obra do Daesh.
A 1 setembro de 2004, um comando (com membros das repúblicas islâmicas russas da Inguchétia e da Tchetchénia), enviado por Shamil Basaev (líder separatista tchetcheno), ocupou uma escola em Beslan (da Ossétia do Norte, região do Cáucaso). No 3.º dia do bloqueio (com 777 reféns), as forças de segurança russas invadiram o edifício e usaram gás venenoso. Morreram 334 pessoas além dos terroristas.
Em julho de 2016, pelo menos 340 pessoas foram mortas e centenas ficaram feridas numa série de ataques bombistas coordenados no distrito de Karrada, em Bagdad, habitado maioritariamente por xiitas – ato reclamado pelo Daesh.
Em maio de 2014, militantes do Boko Haram – que reivindica ser o Estado Islâmico na África Ocidental – atacaram as cidades de Gamboru e Ngala no Norte da Nigéria, matando mais de 300 habitantes locais em meio dia. A violência desta organização jihadista afetou a Nigéria, o Chade, o Níger e o Norte dos Camarões.
Pelo menos 258 pessoas morreram em Julho de 2018, na cidade de Sweida, no sudoeste da Síria, numa ofensiva do Daesh. Antes da guerra, a zona era habitada pela minoria druza, e é uma área que se tem mantido sob controlo do Governo do Presidente Bashar Al-Assad.
Cerca de 40 homens armados atacaram, em novembro de 2017, uma mesquita perto da cidade egípcia de Bir al-Abed, matando 200 pessoas – o pior atentado terrorista no Egito.
A 11 de março de 2004, perto das eleições legislativas, explosões quase simultâneas nos comboios de Madrid mataram 193 pessoas e feriram cerca de 2000 pessoas. E a teoria, ativamente encorajada pelo Governo de José Maria Aznar, do PP (Partido Popular), de que a responsabilidade era da organização terrorista ETA, não de radicais islâmicos, contribuiu para a reviravolta eleitoral que levou ao poder o PSOE, de José Luis Rodríguez Zapatero.
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O Papa Francisco, após ler sua mensagem de Páscoa Urbi et Orbi, condenou os atentados:
Recebi com tristeza e dor a notícia dos graves atentados que, precisamente hoje, no dia da Páscoa, levaram luto e dor a algumas igrejas e outros locais de encontro no Sri Lanka. Desejo manifestar a minha afetuosa proximidade à comunidade cristã, atingida enquanto estava reunida em oração e a todas as vítimas de tão cruel violência. Confio ao Senhor os que morreram tragicamente e rezo pelos feridos e por todos aqueles que sofrem por causa deste acontecimento dramático.”.
E hoje, dia 22 e segunda-feira de Páscoa, aquando da recitação do Regina Coeli, Francisco reexpressou a sua proximidade ao povo do Sri Lanka ferido pelos atentados no domingo de Páscoa e assinalou o facto de ter havido uma explosão nesta segunda-feira. Disse o Pontífice:
Expresso novamente a minha proximidade espiritual e paterna ao povo do Sri Lanka. Estou muito próximo ao meu querido irmão, o cardeal Malcolm Ranjith Patabendige Don, e a toda a Igreja arquidiocesana de Colombo. Rezo pelas numerosas vítimas e feridos, e peço a todos para que não hesitem em oferecer a esta querida nação toda a ajuda necessária. Espero também que todos condenem estes atos terroristas, atos desumanos, não justificáveis.
A seguir, o Papa convidou os fiéis presentes na Praça São Pedro a rezarem uma Ave-Maria pelo Sri Lanka.
Também o Governo português condenou os ‘cobardes atentados’ no Sri Lanka. Assim, o Ministro dos Negócios Estrangeiros (MNE) lamentou, no dia de Páscoa, a morte de um português nos atentados em igrejas e hotéis no Sri Lanka, sublinhando a “determinação em combater o terrorismo sob todas as formas”. Lê-se num dos três ‘tweets’ do MNE:
Lamentamos profundamente a morte de um cidadão português no Sri Lanka, que se encontra entre as vítimas dos atentados ocorridos hoje nesse país. Expressamos as nossas condolências à sua família.”.
O MNE afirma também que a solidariedade do Governo “está com as vítimas, o povo e as autoridades”, pois “a nossa determinação é combater o terrorismo sob todas as formas”. E exprime sem equívocos o teor da condenação dos atos terroristas:
O Governo português condena nos termos mais veementes os cobardes atentados que atingiram, hoje, igrejas e hotéis no Sri Lanka, causando a morte a muitas dezenas de pessoas”.
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Enfim, a fúria terrorista continua a destruir bens e a ferir e matar pessoas indistintamente! Porquê e para quê?
2019.04.22 – Louro de Carvalho

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