Por ocasião
do cinquentenário da criação da Federação
Bíblica Católica, que foi inaugurada por São Paulo VI a 16 de abril de 1969,
decorreu, em Roma, de 23 a 26 de abril, o seu Congresso Internacional sob o
tema escolhido “A Bíblia e a vida: a
inspiração bíblica de toda a vida pastoral e missão da Igreja (VD 73) –
Experiências e desafios”.
A finalidade
do encontro é a análise do trabalho e dos frutos da Federação durante os
últimos 50 anos, a identificação dos desafios para a pastoral bíblica na atual
realidade eclesial e a definição dos objetivos e prioridades para os próximos
anos.
Na tarde do
dia 23, tomaram a palavra os Cardeais Luis Antonio Tagle, Arcebispo de Manila (Filipinas) e presidente da Federação, e Kurt Koch, presidente
do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos. Entre os
relatores de renome esteve Enzio Bianchi, fundador da comunidade monástica de
Bose. E, no decurso do Congresso, realizaram-se workshops que trabalharam diversos aspetos críticos da pastoral,
como Bíblia e família, juventude, liturgia, catequese, solidariedade e novas
tecnologias.
***
Os
participantes no Congresso foram recebidos pelo Papa Francisco no final da
manhã de hoje, dia 26, tendo sido a partir do tema do Congresso, ou melhor, do
binómio indissociável “Bíblia e Vida”
que o Pontífice desenvolveu o seu discurso.
Que a
Palavra de Deus está viva e dá vida, “não morre nem envelhece, permanece para
sempre”, “permanece
jovem diante de tudo que acontece e conserva do envelhecimento interior aqueles
que a colocam em prática”, disse-o o
Papa, que sublinhou, citando o Novo Testamento, que “a Palavra traz, de facto,
ao mundo “o respiro de Deus e infunde no coração o calor do Senhor através do
sopro do Espírito”.
Em
contraponto à ideia de que a Bíblia seja apenas uma bela coletânea de livros
sagrados a estudar, Francisco sustenta que é, antes, Palavra de vida a semear e
que o trabalho dos académicos e todas as publicações sobre a Bíblia devem ter
este fim. Ora, como esta Palavra de Deus é uma insubstituível injeção de
vida, presente que o
Ressuscitado pede para receber e distribuir para que haja vida em seu nome, o Papa chamou a atenção para a relevância das
homilias, que são fundamentais, no seu modo de ver. E avisou:
“A pregação não é um exercício
de retórica e nem mesmo um conjunto de sábias noções humanas: seria somente
lenha. É, ao invés, compartilha do Espírito, da Palavra divina que tocou o
coração do pregador, o qual comunica aquele calor, aquela unção.”.
No
pressuposto de que, apesar dos gestos e de outras modalidades de expressão e comunicação
o recurso à palavra é irrenunciável, o Pontífice verifica o acúmulo de
informação que diariamente recebemos, mas assegura que “não podemos renunciar à
Palavra de Jesus, à única Palavra de vida eterna de que necessitamos quotidianamente”
e, citando a Evangelii gaudium,
apontou que “seria belo que a Palavra de Deus se tornasse sempre mais o
coração de toda atividade eclesial”. E vincou:
“É desejo do Espírito plasmar-nos como
‘formato-Palavra’: uma Igreja que não fale por si e de si, mas que tenha no
coração e nos lábios o Senhor. Ao invés, a tentação é sempre a de anunciarmos a
nós mesmos e de falar de nossas dinâmicas, mas assim não se transmite ao mundo
a vida.”.
E, porque a
Palavra ensina a renunciar a si mesmo para anunciá-La, leva a viver de modo
pascal, não nos deixa tranquilos, mas coloca-nos em discussão, Francisco fala
da relação de serviço da Igreja à Palavra:
“A Igreja não se cansa de anunciar, não cede
à desilusão, não se rende em promover em todos os níveis a comunhão, porque a
Palavra chama à unidade e convida cada um a ouvir o outro, superando os
próprios particularismos”.
Depois,
formula a novidade discursiva ao proclamar que a Bíblia é “vacina contra o fechamento”.
Com efeito, a Igreja, que se nutre da Palavra, vive para anunciá-La,
lançando-se pelas estradas do mundo, até os confins da terra, não se poupa; e a
Bíblia é a melhor vacina contra o fechamento e autopreservação da Igreja,
porque “é a Palavra de Deus, não nossa, e nos preserva da autossuficiência e do
triunfalismo.” E Francisco enunciou um facto efetivamente tão real como belo:
“A
Palavra de Deus tem uma força centrífuga e não centrípeta: não se volta para
dentro, mas lança-se para fora, para aqueles que ainda não chegaram. Não
garante seguranças, porque é fogo e vento: o espírito que inflama o coração e
move os horizontes, dilatando-os com a sua criatividade.”.
Assim,
concluiu a exortar:
“Bíblia e vida: vamos comprometer-nos para
que essas duas palavras se abracem, para que jamais uma fique sem a
outra. Rezemos e trabalhemos para que a Bíblia não fique na biblioteca,
mas corra pelas estradas do mundo. E faço votos para que vós sejais bons
portadores da Palavra, com o mesmo entusiasmo que lemos nesses dias nas
narrações pascais, onde todos correm: as mulheres, Pedro, João, os dois de
Emaús... Correi para encontrar e anunciar a Palavra viva.”.
***
Este dinamismo bíblico é particularmente caro ao Papa argentino. A
título de exemplo, recorde-se que, a 31 de outubro de 2018, enumerava três elementos que caraterizam
as sagradas Escrituras e que as dotam do “poder de transformar a vida”:
ser viva e eficaz; ser penetrante; e discernir os pensamentos e os sentimentos.
Foi num
encontro no Vaticano com membros da Sociedade Bíblica Americana, por ocasião do
retiro anual que esta organização realiza em Roma, que o Santo Padre comentou
que a Palavra é viva e eficaz, é penetrante e discerne os pensamentos e
sentimentos.
E explicou
que a Bíblia é viva e eficaz porque, “de facto, desde o princípio, ‘Deus disse e fez-se’ e porque, “na
plenitude dos tempos, Jesus nos deu palavras que ‘são espírito e vida’”.
Na verdade,
dizia então o Papa, “com a Palavra, Ele deu nova vida a corações apagados, como
o de Zaqueu e ao publicano Mateus”. E, quando o Senhor disse a essas personagens
bíblicas “segue-me”, elas seguiram-No. Por isso, ressalta a eficácia das
Escrituras: a sua leitura e a oração a partir de sua meditação “não ficam sem
efeito”.
De facto, a
Bíblia, “como palavra que, imbuída do Espírito Santo, que dá a vida, comunica-nos
Jesus que é a vida e, assim, torna fecunda a nossa vida”; e “nenhum outro livro
tem o mesmo poder” – diz o Pontífice que assegura:
“Mediante
a sua palavra, conhecemos o Espírito que a inspirou: de facto, só no Espírito
Santo pode ser verdadeiramente recebida, vivida e anunciada, porque o Espírito
ensina tudo e recorda o que Jesus disse”.
Em segundo
lugar, como sublinhou, “a Palavra de Deus é penetrante”. E não só: se “é
mel que dá a doçura consoladora do Senhor”, também “é espada que leva uma
inquietude saudável ao coração. Com efeito, como observa Bergoglio, “penetra no mais profundo e leva luz às áreas
de sombra da alma; cavando, purifica; e o duplo corte desta espada, em um
primeiro momento, pode doer, mas na realidade é benéfico, porque amputa o que nos
separa de Deus e do amor”.
Por último, “a
Palavra divina discerne os pensamentos e os sentimentos”, assegurou o Papa,
que explicitou:
“O
Verbo de vida também é a verdade e a sua palavra faz a verdade em nós, dissipando
falsidades e duplicidades. As Escrituras impelem-nos continuamente a reorientar
a rota da vida para Deus. Deixar-nos ler pela Palavra permite-nos, assim, tornarmo-nos
‘livros abertos’, transparências vivas da Palavra que salva, testemunhas de
Jesus e anunciadores de sua novidade (…) De facto, a palavra de Deus traz
sempre novidade, é incapturável, foge de nossas previsões e, com frequência,
rompe os nossos esquemas.”.
***
A talho de
foice, refiro que, há 519 anos, no dia 26 de abril de 1500 – domingo da oitava
de Páscoa (Pascoela,
domingo in albis) –,
era celebrada a primeira Missa daquele que viria a ser o país com o
maior número de católicos batizados no mundo, a Terra de Vera Cruz ou o Brasil.
A celebração
foi presidida por Frei Henrique de Coimbra e acolitada por outros sacerdotes em
Santa Cruz Cabrália, litoral sul da Bahia, sobre o ilhéu da Coroa Vermelha.
Em sua Carta
do Achamento endereçada ao rei Dom Manuel, o cronista da viagem Pero Vaz de
Caminha descreveu a celebração feita num “altar mui bem arranjado” e que,
segundo observou, “foi ouvida por todos com muito prazer e devoção”.
Os
portugueses chegaram ao Brasil em 22 de abril de 1500, nas 13 naus e caravelas
lideradas por Pedro Alvares Cabral, o qual, avistando do mar um monte, o
denominou de Monte Pascoal, por ser na oitava de Páscoa. E àquela terra,
inicialmente, pôs o nome Terra de Vera Cruz.
Depois de
desembarcarem em terra firme e terem os primeiros contactos com os índios, seguiram
a bordo das suas embarcações para um lugar mais protegido, ancorando na praia
da Coroa Vermelha, onde celebraram a Santa Missa. Terminada a celebração, como
relata Pero Vaz de Caminha, o sacerdote subiu a uma cadeira alta e “pregou uma solene e proveitosa pregação, da
história evangélica; e no fim tratou da nossa vida, e do achamento desta
terra, referindo-se à Cruz, sob cuja obediência viemos, que veio muito a
propósito, e fez muita devoção”. A relevância da Bíblia induzia a detalhada
explicação da Palavra divina proclamada naquela Liturgia.
Segundo o
relato, Caminha acreditava que a conversão dos índios seria fácil, pois
demonstraram respeito pela religião. Neste sentido, pediu ao rei que enviasse
logo clérigos para os batizar.
A
representação mais famosa da celebração é o quadro “A Primeira Missa no Brasil”, feito em 1861 pelo pintor catarinense
Victor Meirelles de Lima.
E a segunda
Missa foi celebrada no dia 1 de maio, na foz do rio Mutarí. Passaram-se os anos
e o Brasil tornou-se o país com o maior número de católicos batizados no mundo.
Segundo o
Anuário Pontifício 2018 e o Anuário Estatístico da Igreja 2016, vivem
no Brasil 173,6 milhões de católicos – 13,3% de fiéis do mundo e 27,5% da
América do Sul.
***
Depois de
tudo isto, importa dar voz ao esclarecimento que Luiz
Fernando Menezes fez ontem, dia 25 de abril, no site “Aos Fatos” (https://aosfatos.org/noticias/papa-francisco-nao-cancelou-biblia-e-propos-novo-livro/)
É falsa a
notícia de que Francisco tenha cancelado a Bíblia por crer que estava
“desatualizada” e que a Igreja deveria substituí-la por outro livro, a “Bíblia 2000”. A desinformação surgiu sob
a modalidade de como piada num site
satírico dos EUA em 2018 e passou a ser difundida como verdade nas redes
sociais, pelo que o Vaticano se viu na necessidade de negar categoricamente a
veracidade dessa informação.
Denunciados por usuários do Facebook, posts com esse conteúdo
enganoso já acumulavam, juntos, mais de 9.000 compartilhamentos na manhã do dia
25. As publicações foram marcadas por Aos Fatos com o selo FALSO na ferramenta de verificação
disponibilizada pela rede social.
Segundo as publicações que circulam nas redes sociais, o Papa
Francisco teria dito que a Bíblia era um documento “desatualizado” e que a Igreja
deveria “reescrever a palavra de Deus”. O Vatican News, veículo oficial do
Vaticano, contactado por Aos Fatos,
negou dizendo:
“Sabendo
que o Papa Francisco sempre surpreende, atribuem-lhe as coisas mais absurdas
possíveis. E o pior é que se propaga que nem fogo na palha.”.
A notícia falsa é reciclada e importada: já aparece nas redes
sociais desde abril de 2018, quando foi publicada pelo site satírico americano There
is News. O domínio, no entanto, deixava claro, na sua página, que
se trata de um “site de humor cujo
propósito é o entretenimento”.
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É preciso
estar precavido contra a falsa informação, que faz grandes estragos!
2019.04.26 – Louro de Carvalho
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